Ficha do Proponente
Proponente
- Fábio de Carvalho Penido (UFMG)
Minicurrículo
- Fábio de Carvalho Penido é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Fafich/UFMG, sob orientação de André Brasil. No mesmo programa, defendeu em 2022 a dissertação “Pânico moral e as apropriações do obsceno como gestão dos afetos políticos pela extrema-direita”, sob orientação da professora Roberta Veiga. É graduado em Comunicação Social com habilitação em Cinema e Audiovisual pela FCA/PUC Minas. Também é crítico cinematográfico e programador cineclubista.
Ficha do Trabalho
Título
- O boicote ao corpo de Bolsonaro: a dilaceração como libelo político
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- A apresentação reúne uma constelação de 5 filmes que promovem intervenções no corpo de Bolsonaro por exercícios de dilaceração da sua unidade orgânica. A partir da derrisão e da metamorfose, a análise comparativa entre os filmes revela uma vontade de libelo contra o político e o bolsonarismo. Partindo de imagens do político e de sua vida pública, o trabalho analisa a passagem, que se dá pelas montagens, de significados entre o corpo individual e corpo político metafórico que ele representa.
Resumo expandido
- Entre as tantas polêmicas midiáticas que vieram à tona durante as eleições brasileiras de 2018, o atentado contra a vida do então candidato Jair Bolsonaro teve especial impacto para os cidadãos-espectadores da atualidade. Tal situação, de uma vulnerabilidade física abrupta e que comove os eleitores de Bolsonaro, fertiliza um solo que já estava sendo cultivado até mesmo antes do atentado, com uma considerável parte do eleitorado do político se encarregando de assumir um papel midiático e publicitário de disputa política pelas redes digitais. O corpo individual de Bolsonaro é substituído por um “corpo digital” de apoiadores e marketeiros, que promovem a campanha em sua ausência. Tal guinada se provou imediatamente frutífera, com o candidato saindo “da marca dos 20% em que vinha se mantendo até então, para a partir daí chegar progressivamente aos 56 milhões de votos que lhe garantiram a vitória.” (CESARINO, 2019, p. 533).
Cesarino identifica nesse espetáculo violento uma “formação e reprodução do corpo digital do rei”, modulando o antigo conceito de corpo político oriundo da filosofia política. A retomada dessa metáfora nas circunstâncias brasileiras do presente auxilia na compreensão da constituição do bolsonarismo como um movimento de incorporação do eleitorado – expressão que encontra sua genealogia na eucaristia da Igreja Católica e que implica uma fusão dos sujeitos no corpo institucional cristão (MONDZAIN, 2009).
Uma das hipóteses que mobiliza a apresentação é de que a perscrutação de um regime próprio das imagens no seio do bolsonarismo revela uma relação de identificação e fusão entre apoiadores-espectadores-produtores, que impõe por si só uma imagem unitária e coercitiva da sociedade brasileira, antagônica com tudo que lhe é diferente. O corpus da apresentação é constituído por imagens em que o corpo de Bolsonaro e suas aparições (pronunciamentos oficiais, extraoficiais, entrevistas em programas de televisão, vídeos amadores) recebe desvios por parte dos realizadores antagônicos ao político.
Esta constelação de imagens é composta por 5 filmes. O primeiro, Linha Cruzada (Diógenes Muniz, 2021), é uma experimentação com as imagens do criminoso voto de Bolsonaro no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, em que a montagem retira o protagonismo do político e se atenta às expressões e gestos de seus colegas parlamentares. O segundo, O que há em ti (Carlos Adriano, 2020), se utiliza da gravação amadora de um curto embate entre o então presidente no cercadinho do palácio do Planalto com um imigrante haitiano radicado no Brasil, para promover uma montagem poética das conexões entre os dois países e seus históricos revolucionários, de intercâmbio cultural e violência racial. E, por fim, um conjunto de audiovisuais da realizadora Clara Chroma e do coletivo Chorumex (2020), o “Chroma Vírus #3”, “Coronaro” e “Bolsonaro no programa do Danilo Gentili – Melhores partes”, que intervêm nas imagens de pronunciamentos oficiais de Bolsonaro (lives, coletivas de imprensa e entrevistas em programas televisivos ) através da derrisão e do chiste.
A lida comparativa entre os filmes se dá a partir do conceito de dilaceração, inspirado no uso dessa palavra por Didi-Huberman (2018) em seu trabalho acerca de Georges Bataille. A dilaceração exprime um contato com o corpo pela montagem que pode desmembrar, silenciar, distorcer (a voz, a proporção dos membros) e metamorfosear. Submetido a dilaceração imagética, o corpo de Bolsonaro pode ser segregado em múltiplas partes ressaltando maneirismos, atos falhos, comicidades; silenciado com suas falas interrompidas, atravessadas por outras vozes ou efeitos sonoros; metamorfoseado em caricaturas, animais ou criaturas estranhas. As imagens a serem analisadas trazem à tona perturbações que agem não só sobre o corpo individual, mas também no que esse corpo significa, representa e metaforiza para a comunidade política (HUNT, 1990).
Bibliografia
- BATAILLE, Georges. Documents: georges bataille. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
CESARINO, Letícia.” Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal”. Revista Antropologia, São Paulo, v. 62, n.3, 2019, p. 530-557.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A semelhança informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
HUNT, Lynn. Eroticism and the body politic. Baltimore: John Hopkins University,1990.
MONDZAIN, Marie-José. A imagem pode matar? Lisboa: Passagens, 2009.
ROCHA, João Cezar de Castro. Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico. Belo Horizonte: Autêntica, 2023.
SOUTO, Mariana. “Constelações fílmicas: fantasmagorias sociais no cinema ibero-americano”, In: IX Encontro Anual da AIM – Associação de Investigadores da Imagem em Movimento, Santiago de Compostela, 2019.