Ficha do Proponente
Proponente
- Marcos Buccini Pio Ribeiro (UFPE)
Minicurrículo
- Marcos Buccini é doutor em Comunicação pela UFPE. Desde 2002, atua como realizador e pesquisador na área de animação. Coordenou o Núcleo de Animação AESO entre 2005 e 2007. De 2008 a 2019, atuou como professor efetivo do Núcleo de Design da UFPE, coordenando o Maquinário – Laboratório de Animação. Hoje ministra disciplinas de animação no Curso de Cinema e Audiovisual, na mesma instituição. Em 2017, lançou o livro História da Animação em Pernambuco.
Ficha do Trabalho
Título
- A carne onírica: o body horror nas animações de Robert Morgan
Formato
- Presencial
Resumo
- O horror corporal, ou body horror, é uma subcategoria do horror que mergulha nas profundezas da indeterminação e do estranhamento que cercam o corpo humano, a partir de um estado ‘não natural’, ou não convencional. Neste trabalho, observamos como este subgênero é tratado na obra do animador Robert Morgan, e como as suas características se comportam em filmes animados sob o domínio da técnica do quadro a quadro com bonecos.
Resumo expandido
- Robert Morgan é um animador que utiliza a técnica de stop-motion combinada a efeitos práticos para alcançar um visual visceral e perturbador. Seus filmes têm como elemento de destaque o horror corporal, ou body horror, uma subcategoria do horror que mergulha nas profundezas da indeterminação e do estranhamento que cercam o corpo humano, a partir de um estado ‘não natural’, ou não convencional.
Neste sub gênero, o corpo pode ser desfigurado por causas naturais ou a partir de intervenções tecnológicas ou sobrenaturais, causando transformações e mutações. Hurley (1996) descreve essa forma de expressão como uma tentativa de evocar repulsa e, ao mesmo tempo, um intrigante prazer por meio de representações de figuras quase-quimeras, cujo efeito é gerado pela abjeção, estranheza e a personificação do impossível e do incompatível. Já Wells (2000, p.114) conceitua o body horror como a “exploração explícita da decadência, dissolução e destruição do corpo, colocando em destaque os processos e funções corporais sob ameaça, aliados a novas configurações fisiológicas e redefinições de formas anatômicas”. Uma celebração da instabilidade e da mutabilidade da carne. Muitas vezes, uma jornada em direção a uma nova forma de vida, que pode resultar em estados pós-humanos (REYES, 2014).
Neste trabalho, observamos como o horror corporal é tratado na obra do diretor, e como as características deste subgênero se comportam em filmes animados sob o domínio da técnica do quadro a quadro com bonecos.
Na animação, poucos são os filmes que conseguem resultados mais explícitos e perturbadores. Uma questão a se notar é a corporeidade na animação. Em geral, a materialidade animada não está presa às imagens analógicas que imitam a semelhança natural. A representação na animação é subjetiva, mais próxima do imaginário, da fantasia. Desta forma, o corpo animado não obedece às leis físicas e anatômicas. Ele pode inclusive se transformar, se metamorfosear, sem causar estranheza ou repulsa. “No cartoon, esse potencial plástico do corpo adquire sentidos peculiares, onde o mesmo é posto à prova e enfrenta seus limites. Tudo é possível a este corpo (…). Ele se molda e se fragmenta de acordo com seus desejos” (QUARESMA, 2022, p. 80). A não-materialidade faz parte de sua natureza.
Nos filmes de Morgan, porém, encontramos uma materialidade mais próxima da carne. O uso da técnica de stop motion ajuda neste sentido, pois ali filmam-se objetos reais. A maioria dos bonecos possuem pintura e acabamentos específicos, que emulam muito bem a pele humana. Também, consegue-se simular o brilho e a vivacidade do olho humano e a estrutura natural da boca. Assim, quando se coloca feridas, pus, sangue, cáries, etc., por mais que os bonecos não possuam um aspecto realista, estas pequenas semelhanças criam uma repulsa e uma angústia efetiva no espectador.
As narrativas, em geral, trazem situações oníricas e surrealistas em relação aos corpos, fluidos e outras funções biológicas. Elementos que podem ser encontrados são: a metamorfose – uma larva penetra no corpo de uma mulher morta e ela se transforma em uma criatura meio humana meio inseto; alegorias literalmente viscerais para o ato sexual; simbiose entre o corpo humano e a tecnologia – um ser híbrido se desenvolve dentro de uma câmera de cinema; questões psicológicas que conduzem a mudanças corporais – duas irmãs gêmeas siamesas, separadas na infância, buscam se unir novamente.
Robert Morgan faz parte de um raro grupo de realizadores que usam técnicas animadas e conseguem resultados verdadeiramente impactantes. A partir desta análise exploratória, podemos observar algumas peculiaridades do horror corporal trabalhado por Morgan. Uma vez que ele não parte do humano per se, os filmes do animador adicionam uma nova dimensão ao distanciar-se da materialidade do real em busca de uma materialidade própria do campo animado, conservando elementos essenciais para que o efeito do horror no corpo (não humano) seja eficiente.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus Editora, 2001.
DANTAS, Rafael. Construindo o medo: faces do horror na obra de Carpenter, Craven e Cronenberg. 2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2022.
DENIS, Sébastien. O cinema de animação. Lisboa: Edições texto & grafia, 2010.
HURLEY, Kelly. The Gothic Body: Sexuality, Materialism, and Degeneration at
the Fin de Siècle. Cambridge e Nova York: Cambridge University Press, 1996.
QUARESMA, Christiane. O gesto será irrecuperável: Experiências do informe no cinema de animação. 2022. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2022.
REYES, Xavier Aldana. Body Gothic: Corporeal transgression in contemporary literature and horror film. Cardif: University of Wales Press, 2014.
WELLS, Paul. The Horror Genre: From Beelzebub to Blair Witch. Londres e Nova York: Wallflower, 2000.