Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Botelho da Silva Pereira (USP)

Minicurrículo

    Camila Botelho é atriz, formada no curso profissionalizante de Teatro pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado – CEFART (BH). Realizou a especialização “Corpo e palavra nas artes da cena” pela PUC-Rio. É aluna do mestrado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). Tem experiência como atriz em diversos espetáculos e obras audiovisuais. É integrante do Teatro Oficina (SP).

Ficha do Trabalho

Título

    Uma Voz dentro de um Corpo: feminismo negro decolonial em “Vaga Carne”

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho visa abordar o feminismo negro decolonial no média-metragem Vaga Carne (2019), a partir do trabalho de atuação da protagonista Grace Passô. Me proponho a analisar a forma como a atriz inscreve a narrativa de seu corpo, sob a luz dos estudos atorais, e refletir sobre sua potência expressiva em direção à uma decolonização do olhar masculino, branco e hegemônico no cinema.

Resumo expandido

    Este trabalho visa abordar o feminismo negro decolonial no média-metragem Vaga Carne (2019), a partir do trabalho de atuação da protagonista Grace Passô. Me proponho a analisar a forma como a atriz inscreve a narrativa de seu corpo, sob a luz dos estudos de atuação para cinema, e fazer uma reflexão a respeito de sua potência expressiva em direção a uma decolonização do olhar masculino, branco e hegemônico em relação à representação da mulher negra no cinema.
    No filme, uma Voz toma posse do corpo de uma mulher e, nesse processo, Voz e Corpo buscam uma identidade própria enquanto questionam seus papeis na sociedade. A Voz é uma personagem que conta que já foi voz de outras coisas, como de bichos e objetos, até que chega, por aleatoriedade, a este corpo: o corpo de Grace Passô. Esse corpo é o “onde” a voz penetra. Grace encena, então, a Voz que tomou conta deste corpo, e as descobertas que a Voz faz estando nele.
    A dramaturgia, cuja autoria também é da atriz, consiste em uma metáfora que denuncia a invisibilização da mulher negra. Seu corpo – o de uma muher negra – é um corpo historicamente silenciado que passa a ter uma voz. A Voz que entra no corpo de Grace parece ser a própria voz de Audre Lorde que questiona: “quais são as palavras que você ainda não tem? O que você precisa dizer? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta tomar para si, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio?” (LORDE, 2019, p. 53). O corpo e a presença de Grace são, no filme, o foco da ação (BARCELOS, 2020) e sua performance é o centro de atenção do filme. Grace promove um deslocamento entre Voz e Corpo, e sua performance reforça a denúncia ao racismo e a opressão sofrida pelas mulheres negras: quando a Voz adentra neste corpo, quebra-se um silêncio.
    A importância do jogo do ator dentro da obra cinematográfica é reivindicada pelos estudos atorais, campo de estudo que defende a influência dos atores na concepção e resultado dos filmes, colocando “o ator de cinema no centro da sua problemática” (GUIMARÃES, 2019, p.81). Através do seu trabalho de atuação, Grace reforça a metáfora trazida por seu texto, e encena, de forma poética, o importante debate trazido pelo feminismo negro decolonial. Segundo Hollanda (2020, p.17), “o feminismo decolonial denuncia a imbricação estrutural das noções de heternormatividade, classificação racial e sistema capitalista.” Assim, a decolonização seria a proposta de rompimento com a colonialidade em seus múltiplos aspectos – como, por exemplo, na construção e percepção das imagens.
    Em relação a representação da mulher negra no cinema, a teórica bell hooks, apresenta uma crítica à teoria feminista do cinema da década de 70, a qual denunciou o “olhar masculino” do cinema, que forjaria a figura feminina de forma passiva, fetichizada e erotizada (MULVEY, 1983). bell hooks (2019) argumenta que as mulheres negras representadas no cinema não serviam nem mesmo para o prazer do olhar masculino do espectador. Segundo a autora, as espectadoras negras não poderiam sequer se identificar com o mundo “passivo feminino”, uma vez que eram colocadas à margem de qualquer possibilidade de subjetividade ou desejo.
    A representação do copo feminino na arte, sobretudo o corpo negro, é tradicionalmente ditada pelo olhar colonial, que se manifesta na forma de olhar e produzir imagens. Uma forma de romper com a colonialidade do olhar seria a apropriação do processo de construção da imagem pelos corpos marginalizados – tal como faz Grace Passô, através de sua Voz e de seu Corpo. Vaga Carne, dessa forma, se mostra como um potente exemplo de uma obra que visa decolonizar o olhar masculino, branco e hegemônico em relação à representação da mulher negra no cinema, na medida em que ela, mulher negra, artista, não só se apropria de sua produção artística – sendo atriz, diretora e roteirista – como também se apropria de seu corpo e sua voz para provocar a todo o tempo uma reflexão sobre esta produção.

Bibliografia

    ALVES JR., Ricardo (dir.). Vaga carne. Com Grace Passô. Embaúba filmes, 2019.
    BARCELOS, C. M. Uma leitura do feminismo negro descolonial em Vaga Carne, de Grace Passô. 2020. In: Fórum Latino-Americano de Estudos Fronteiriços Setembro de 2020, Online.
    GUIMARÃES, Pedro. “Ator como forma fílmica : metodologia dos estudos atorais”. In: Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 6, 2019, p. 81-92.
    HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
    HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais.  Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
    LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. 1. ed. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. Tradução de Stephanie Borges.
    MULVEY, Laura. “Prazer visual e cinema narrativo”. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983 [1975], p. 437-454.
    PASSÔ, Grace. Vaga Carne. Belo Horizonte: Javali, 2a edição, 2020.