Ficha do Proponente
Proponente
- Camila Botelho da Silva Pereira (USP)
Minicurrículo
- Camila Botelho é atriz, formada no curso profissionalizante de Teatro pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado – CEFART (BH). Realizou a especialização “Corpo e palavra nas artes da cena” pela PUC-Rio. É aluna do mestrado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). Tem experiência como atriz em diversos espetáculos e obras audiovisuais. É integrante do Teatro Oficina (SP).
Ficha do Trabalho
Título
- Uma Voz dentro de um Corpo: feminismo negro decolonial em “Vaga Carne”
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho visa abordar o feminismo negro decolonial no média-metragem Vaga Carne (2019), a partir do trabalho de atuação da protagonista Grace Passô. Me proponho a analisar a forma como a atriz inscreve a narrativa de seu corpo, sob a luz dos estudos atorais, e refletir sobre sua potência expressiva em direção à uma decolonização do olhar masculino, branco e hegemônico no cinema.
Resumo expandido
- Este trabalho visa abordar o feminismo negro decolonial no média-metragem Vaga Carne (2019), a partir do trabalho de atuação da protagonista Grace Passô. Me proponho a analisar a forma como a atriz inscreve a narrativa de seu corpo, sob a luz dos estudos de atuação para cinema, e fazer uma reflexão a respeito de sua potência expressiva em direção a uma decolonização do olhar masculino, branco e hegemônico em relação à representação da mulher negra no cinema.
No filme, uma Voz toma posse do corpo de uma mulher e, nesse processo, Voz e Corpo buscam uma identidade própria enquanto questionam seus papeis na sociedade. A Voz é uma personagem que conta que já foi voz de outras coisas, como de bichos e objetos, até que chega, por aleatoriedade, a este corpo: o corpo de Grace Passô. Esse corpo é o “onde” a voz penetra. Grace encena, então, a Voz que tomou conta deste corpo, e as descobertas que a Voz faz estando nele.
A dramaturgia, cuja autoria também é da atriz, consiste em uma metáfora que denuncia a invisibilização da mulher negra. Seu corpo – o de uma muher negra – é um corpo historicamente silenciado que passa a ter uma voz. A Voz que entra no corpo de Grace parece ser a própria voz de Audre Lorde que questiona: “quais são as palavras que você ainda não tem? O que você precisa dizer? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta tomar para si, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio?” (LORDE, 2019, p. 53). O corpo e a presença de Grace são, no filme, o foco da ação (BARCELOS, 2020) e sua performance é o centro de atenção do filme. Grace promove um deslocamento entre Voz e Corpo, e sua performance reforça a denúncia ao racismo e a opressão sofrida pelas mulheres negras: quando a Voz adentra neste corpo, quebra-se um silêncio.
A importância do jogo do ator dentro da obra cinematográfica é reivindicada pelos estudos atorais, campo de estudo que defende a influência dos atores na concepção e resultado dos filmes, colocando “o ator de cinema no centro da sua problemática” (GUIMARÃES, 2019, p.81). Através do seu trabalho de atuação, Grace reforça a metáfora trazida por seu texto, e encena, de forma poética, o importante debate trazido pelo feminismo negro decolonial. Segundo Hollanda (2020, p.17), “o feminismo decolonial denuncia a imbricação estrutural das noções de heternormatividade, classificação racial e sistema capitalista.” Assim, a decolonização seria a proposta de rompimento com a colonialidade em seus múltiplos aspectos – como, por exemplo, na construção e percepção das imagens.
Em relação a representação da mulher negra no cinema, a teórica bell hooks, apresenta uma crítica à teoria feminista do cinema da década de 70, a qual denunciou o “olhar masculino” do cinema, que forjaria a figura feminina de forma passiva, fetichizada e erotizada (MULVEY, 1983). bell hooks (2019) argumenta que as mulheres negras representadas no cinema não serviam nem mesmo para o prazer do olhar masculino do espectador. Segundo a autora, as espectadoras negras não poderiam sequer se identificar com o mundo “passivo feminino”, uma vez que eram colocadas à margem de qualquer possibilidade de subjetividade ou desejo.
A representação do copo feminino na arte, sobretudo o corpo negro, é tradicionalmente ditada pelo olhar colonial, que se manifesta na forma de olhar e produzir imagens. Uma forma de romper com a colonialidade do olhar seria a apropriação do processo de construção da imagem pelos corpos marginalizados – tal como faz Grace Passô, através de sua Voz e de seu Corpo. Vaga Carne, dessa forma, se mostra como um potente exemplo de uma obra que visa decolonizar o olhar masculino, branco e hegemônico em relação à representação da mulher negra no cinema, na medida em que ela, mulher negra, artista, não só se apropria de sua produção artística – sendo atriz, diretora e roteirista – como também se apropria de seu corpo e sua voz para provocar a todo o tempo uma reflexão sobre esta produção.
Bibliografia
- ALVES JR., Ricardo (dir.). Vaga carne. Com Grace Passô. Embaúba filmes, 2019.
BARCELOS, C. M. Uma leitura do feminismo negro descolonial em Vaga Carne, de Grace Passô. 2020. In: Fórum Latino-Americano de Estudos Fronteiriços Setembro de 2020, Online.
GUIMARÃES, Pedro. “Ator como forma fílmica : metodologia dos estudos atorais”. In: Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 6, 2019, p. 81-92.
HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. 1. ed. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. Tradução de Stephanie Borges.
MULVEY, Laura. “Prazer visual e cinema narrativo”. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983 [1975], p. 437-454.
PASSÔ, Grace. Vaga Carne. Belo Horizonte: Javali, 2a edição, 2020.