Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Pablo Gonçalo (UnB)

Minicurrículo

    Pablo Gonçalo é curador, crítico e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, UnB. É autor dos livros “O cinema como refúgio da escrita: roteiros e paisagens em Peter Handke e Wim Wenders (Annablume, 2016) e “Hollywood de papel: roteiros não filmados de Ben Hecht, Billy Wilder e Frances Marion” (Zazie, 2022). Em 2019 foi Fulbright Visiting Scholar da University of Chicago. Entre 2014 e 2016 participou da comissão curatorial do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Manuel de Oliveira: o Caminho dos seus roteiros não filmados

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta apresentação realiza uma análise do roteiro O Caminho, do cineasta português Manoel de Oliveira, mas que nunca foi realizado. Escrito em 1973, o roteiro aborda as desventuras de um poeta diante de uma crise e de um surto criativo. Juntamente `a análise desse roteiro, a apresentação visa realçar como o espectro da não realização rondou a obra de Oliveira que, “estreou” como cineasta com o roteiro Bruma e teve na escrita cinematográfica um dos pilares durante as décadas que raramente filmou.

Resumo expandido

    Em 1978, na edição de novembro da Revista Celuloide, Fernando Duarte publica uma interessante compilação que teve o seguinte título: “Apontamentos para uma história do Cinema Português que não se fez”. As obras coligidas se referem, segundo Duarte, “aos múltiplos projetos, às fitas incompletas e às inéditas – e de projectos não reza à história – mas também à participação de portugueses em filmes estrangeiros, ou seja, a um cinema nacional não concretizado, ou com perigo de ser completamente esquecido ou referido apressadamente”.
    Na esteira dos “cinemas de sombra” (Shadow Cinema) – recente campo dos estudos de cinema e audiovisual que investiga uma história não realizada do cinema – a lista de Duarte chama a atenção pelo seu pioneirismo. No entanto, há um fato que perpassa a lista e também merece um destaque. Há apenas um diretor com mais de um projeto não realizado, dentro daquele recorte temporal, e seu nome é Manuel de Oliveira.
    Ao total, são doze projetos de Manuel de Oliveira que, à época, não chegaram às telas. Alguns fatos, contudo, trazem mais inquietações histórica à essa obra à margem dos filmes lançados. O primeiro argumento não filmado é “Bruma”, de 1931, contemporâneo, portanto, ao lançamento de Douro Faina Fluvial, primeiro filme de Manuel de Oliveira, ainda da época muda, e mundialmente valorizado.
    Ruy continua sua análise contrastando o argumento com Aniki Bobó, que é, como se sabe, o primeiro filme sonoro realizado por Manoel de Oliveira. O crítico Ruy Barbosa arremata a sua análise de Bruma com a seguinte frase: “É esta uma página ignorada da nossa parca literatura da espacialidade credora de maior divulgação, pois, além dos seus méritos, é um depoimento de valia acerca da personalidade do autor de Douro Faina Fluvial. Seria curioso inquirir hoje de Manuel de Oliveira o que pensa de Bruma”.
    Até onde conseguimos pesquisar, não temos nenhuma declaração do realizador Manuel de Oliveira sobre Bruma. Contudo, é evidente que o diretor português considerou esse roteiro inédito como parte da sua obra. Nessa esteira, é digno compartilhar uma importante inquietação. Se há, como afirma Ana Soares, uma tendência literária do cinema português, qual seria, nessa tradição, a contribuição dos roteiros não filmados?
    A publicação em 1988, pela Cinemateca Portuguesa do livro “Alguns projetos não realizados e outros textos de Manoel de Oliveira” nos dá mais algumas pistas sobre esse possível cruzamento entre a potência literária dos argumentos não realizados dentro da obra do cinema de Oliveira e, por conseguinte, dentro da historiografia do cinema português. O livro é resultado das comemorações de oitenta anos de Manoel de Oliveira e se concentra, principalmente, na publicação de sete projetos não filmados, que vão de Bruma, de 1931, até, De Profundis, de 1987, completando, portanto, mais de meio século de projetos concebidos por Manoel de Oliveira.
    Esta apresentação destaca o argumento “O Caminho”, que retrata um poeta em crise diante da escrita. Ao resolver abandonar a poesia, o mundo emerge diante dele com uma rara epifania. Escrito em 1973, o roteiro também se posiciona num momento muito peculiar da carreira e da obra de Oliveira. A essa altura, Oliveira já havia filmado “Benilde, A Virgem Mãe”, que é considerada uma obra seminal, um ponto de virada, onde os espectros passam a tomar a cena. “O Caminho”, seguindo essa cronologia dos filmes realizados, é uma reflexão que ocorre poucos anos de “Visita ou Memórias e Confissões” (1982), filme póstumo de Oliveira que também aponta para uma certa despedida da realização cinematográfica. Como se sabe, aquele filme não foi, nem de longe, o último de Oliveira. No entanto, o espectro do abandono pairou como um fardo efetivo entre “O Caminho” e “Visita ou Memórias e Confissões”. Essas obras não filmadas podem, portanto, suscitar possíveis contribuições à compreensão da obra desse cineasta português.

Bibliografia

    BÉRTOLO, José: Espectros do cinema: Manoel de Oliveira e João Pedro Rodrigues. Lisboa: Documenta, 2020.
    FENWICK, James; FOSTER Kieran & ELDRIDGE, David Eldridge (orgs). Shadow Cinema: the historical and production contexts of unmade films. London, Bloomsbury, 2022
    GONÇALO, Pablo: Hollywood de papel: roteiros não filmados de Ben Hecht, Billy Wilder e Frances Marion. Rio de Janeiro: Editora Zazie, 2022.
    JEANNELE, Jean-Louis. Films sans images: une histoire des scénarios non realisé de “la condition humaine”. Paris: Seuil, 2015.
    OLIVEIRA, Manoel: Argumentos não realizados. Lisboa: Cinemateca de Portugal, 1988.