Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Leandro Rocha Saraiva (UFSCar)

Minicurrículo

    LEANDRO SARAIVA é roteirista e professor do Curso de Imagem e Som/ UFSCAR. Escreveu roteiros para TV (Cidade dos Homens 9mm) e para cinema (A fúria, Ruy Guerra – lançamento em 2024 e Eliseu, Heitor Dhalia – em produção). Fez pesquisa de personagens em Peões (Eduardo Coutinho). Foi coordenador pedagógico do DOCTV, editor das revistas Sinopse e Retrato do Brasil. Publicou Manual de roteiro, ou Manuel,o primo pobre dos Manuais, e artigos variados. É colaborador e conselheiro do Vídeo nas Aldeias.

Ficha do Trabalho

Título

    De Ilhas das Flores a O homem que copiava – paródia e ensaísmo

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    Análise comparativa de Ilha das Flores (Furtado, 1989) e O homem que copiava (Furtado, 2004), em termos das formas de paródia e das variações entre narratividade e ensaísmo.

Resumo expandido

    A proposta é explorar aproximações entre Ilha das Flores (Jorge Furtado, 1989) – segundo curta do autor, que o lançou como figura de destaque do cinema nacional – e O homem que copiava (Jorge Furtado, 2004) – filme de maturidade, feito depois de uma longa e fértil carreira, sobretudo na teledramaturgia.
    As conexões vão além da óbvia retomada da dimensão constitutiva das montagem de imagens na representação das situações – do trabalho paródico na construção do mundo do Sr. Suzuki, Dona Anete e seu tomate, em Ilha das Flores, às imagens fotocopiadas e manipuladas por André, no longa. Trata-se, sobretudo, de modos de agenciamento de discursos que têm semelhanças.
    É paródia é um recurso evidente no trabalho de Furtado, desde seu início, e ele o explorou fartamente ao longo dos anos, na Globo (nos episódios de Comédia da Vida Privada, em vários das adaptações literárias de Brasil Especial, na minissérie A invenção do Brasil – para citar alguns destaques). Em Ilha, o princípio de estruturação narrativa é o uso de definições formais, típicas de dicionários e de documentários didáticos Em O homem que copiava, a paródia de base é a de gêneros narrativos clássicos, como a comédia romântica e o filme de golpe. Nos dois casos, exageros paródicos desestabilizam os pactos narrativos consolidados nos discursos já cristalizados. A cadeia de explicações aparentemente evidentes e irrefutáveis do curta mostra-se vazia, ridícula em sua capacidade de dar conta do abismo social absurdo. Na história de Sílvia e André, as coincidências traçadas pelo amor predestinado avolumam-se até, também, o absurdo, levando de roldão os crimes cometidos pelo casal enamorado.
    De forma mais específica, há o que se pode caracterizar como “deslizamentos” entre discursos, na narração de Furtado. Em Ilha, há um recorrente deslizamento, do positivismo empirista para um discurso histórico. No longa, a linha principal, da comédia romântica, é tensionada o tempo todo por múltiplas digressões, inseridas via a voz over do protagonista.
    Mas o nível discursivo fundamental é o da dimensão ensaística que é obtida através desses arranjos discursivos, incluindo aí o que esse ensaísmo narrativo de Furtado apresenta como proposta mimética, de representação social. A hipótese de base a ser demonstrada é de que o tensionamento estrutural da linha narrativa, nos dois casos, vem do poder estruturante da mercantilização. As cadeias associativas de imagens que constituem os filmes – no caso do longa, envolvendo as cenas ficcionais da história – estão como que formatados pela mercantilização geral. Dito de outro modo, o que dá forma aos jogos discursivos é a forma mercadoria.
    Para que se possa tentar esclarecer essa hipótese um tanto abstrata – talvez com sutilezas metafísicas e caprichos teológicos – a proposta é analisar como em Ilha das Flores a trajetória do tomate protagonista segue o circuito da produção, circulação e consumo, até chegar à condição de resto, equivalente a dos que – com telencéfalo e polegar, mas sem nenhum dinheiro – lhe comem, como lixo. E cotejar essa análise da forma estruturante do movimento paródico ao discurso da economia liberal com a análise da subjetivação que conduz comédia romântica de André, não apenas obcecada por dinheiro, mas, digamos, assombrada pela estranha condição dessa mercadoria universal, ao mesmo tempo vazia e onipotente: em mundo no qual tudo é cópia e imagem, o próprio critério de valor fundante do mundo social aparece como um centro vazio. Não por acaso, numa narrativa repleta de acasos, Dinheiro e Providência são aproximados de forma a quase se identificarem.
    Em termos conceituais, a principal referência é reflexão de Hutcheon, em especial seu diálogo com Bakhtin, numa reavaliação das formas contemporâneas da paródia.

Bibliografia

    ARAÚJO, Mateus. “Straub, Huillet e o ensaísmo dos outros”. In: Devires, Belo Horizonte, v. 19/no. 1, pp 108-137. Jan/jun,2013
    HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia: ensinamento das formas de arte do século XX. Lisboa: Edições 70, 1989.
    BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1934-1935). Trad. Bernadini et al. 4. ed. São Paulo: Unesp, 1998. p.71-210.
    __________. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
    SARAIVA, Leandro. Pequenos homens, grandes destinos e ironias líricas: O Homem que Copiava (Jorga Furtado, 2004) e Redentor (Cláudio Torres, 2005). Tese de doutorado, ECA/USP, 2006