Ficha do Proponente
Proponente
- Monica Rodrigues Klemz (UFF)
Minicurrículo
- Pesquisadora, graduada em Cinema pela UNESA, pós-graduada em documentário pela FGV-RIO; mestrado em Mídias Criativas no PPGMC/ECO/UFRJ, doutoranda em Cinema no PPGCINE/UFF. Realizadora do curta Um Jardim Singular, 2018, ganhou diversos prêmios nacional e internacionalmente. Realizadora e curadora da Galeria Heterotopias, 2020, em realidade virtual 360 e Espirais de Conversa com os artistas convidados em um webdoc serial e da Expo FIL – 20 anos de maravilhas: A cosmogonia das infâncias, em 2023.
Coautor
- Gustavo Godinho Benedito (PUC-Rio)
Ficha do Trabalho
Título
- ZONA DE INTERESSE: cartografia comparada de uma paisagem arquipélago
Formato
- Presencial
Resumo
- O filme Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, 2024, livre adaptação do livro homônimo, de Martin Amis, 2015, permite a associação das ações da família Höss, dentro da Zona de Interesse, com a paisagem da lenda rural medieval Schlaraffenland. Através de uma análise comparada cartográfica das intertextualidades, na concepção dessas paisagens, espera-se criar novas escalas de percepção, através das complexas aproximações levantadas entre o Outrora e o Agora, numa temporalização das imagens.
Resumo expandido
- Zona de Interesse é o título do filme de Jonathan Glazer, 2024 e do livro de Martin Amis, 2015. Ambos compartilham um ponto de vista outro de se abordar o holocausto, qual seja, a história do cotidiano banal de pessoas no complexo de Auschwitz. O termo Zona de Interesse compreende
“uma área administrada pelas SS, com mais de 40 km2, estabelecida no início de 1941, após a expulsão dos polacos e dos judeus das aldeias próximas do campo. (…) A sua criação refletiu o desejo das autoridades do campo de remover testemunhas dos crimes das SS, bem como de impedir o contacto entre os prisioneiros e o mundo exterior; (…). Outro motivo importante foi o confisco de terras para fazendas de acampamento.” (MINIDICIONÁRIO, 2015).
O filme descreve paisagens imaginadas como eventos-experiências da família do Comandante Höss, semelhantes à lenda medieval rural Schlaraffenland, um paraíso onde não se precisa trabalhar. Não se trata de reapresentar “um inferno de imagens – lugar abstrato, hipotético, fantasmático”, mas “um mundo complexo a cada instante reconfigurado por uma certa história das imagens” (DIDI-HUBERMAN, 2018, p. 118). Epistemicamente, a paisagem no filme opera como espacialidade das relações sociais familiares no entendimento da realidade, numa interação entre corpo, afeto e um espaço poroso frente à realidade que se impõe. Zona de Interesse funciona como um entrelugar que contorna o campo de concentração e é formado por ilhas de percepção que formam um arquipélago. Através da cartografia, que tem como característica a relacionalidade, a complexidade, a imanência e a simultaneidade na leitura sintética dos fenômenos, espera-se conectar as partes dispersas. Integra o corpo de análise dessa paisagem-arquipélago, o exame de símbolos, discursos, estéticas e processos. Em termos de maritimidade, “conjunto de várias práticas (econômicas, sociais e sobretudo simbólicas) resultante da interação humana com um espaço particular e diferenciado do continental” (DIEGUES, 1989, p. 40), essas ilhas-paisagens utópicas, são circundadas por uma paisagem-mar sonora balliana, composta de gritos, choros e tiros. Ao situar a insularidade, “práticas econômicas e sociais decorrentes da vida num território geograficamente limitado, com fronteiras geográficas e culturais definidas e cercado pelo oceano” (DIEGUES, 1989, p. 40), pode-se observar o fluxo de alimentos e objetos que brotam, prontos e acessíveis, na casa da família (casaco de pele, barco, maquiagem, dentes de ouro). Do ponto de vista da ilheidade, designação das “representações simbólicas e imagens decorrentes da insularidade e que se expressam por mitos fundadores das sociedades insulares e lendas” (DIEGUES, 1989, p.41), pode-se associar o paraíso Schlaraffenland (Terra da Cocanha), lenda com diversas versões ao longo dos séculos, às dádivas concedidas à família. Algumas paisagens-ilhas apresentam uma artialização paisagística (ROGER, 1997) com características vanguardistas friedrichianas, outras kandinskyanas, respectivamente quando do plano da família em picnic e das cenas do Sr. Höss, com o seu cavalo, ou a estrutura labiríntica eisenmaniana, dos ambientes internos. O Comandante Höss introduz uma variação da lenda ao ler João e Maria, dos irmãos Grimm, 1812, para a sua filha sonâmbula. Ao situar esse distúrbio do sono, surge a associação com a trilogia de Hermann Broch, Os Sonâmbulos, que revia, através dos valores culturais na Alemanha entre 1880 e 1920, as correlatas alterações sociais de valores e condutas. A escolha por um posicionamento de um ser-estar-no-mundo em meio a paisagem transgride em termos escalares o entendimento atomizado e cristalizado de Auschwitz. Assim, o “arquipélago” Zona de Interesse/Schlaraffenland se comporta como personagem principal do filme, testemunho dos acontecimentos e receptor sintomático dos males e das utopias de uma civilização, cujas marcas de historicidade, compõem a sua paisagem.
Bibliografia
- AMIS, M. A Zona de Interesse. 1° Edição. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 2015.
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007
DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontagens do tempo sofrido. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.
DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. Ilhas e mares: simbolismo e imaginário. São Paulo: Editora Hucitec, 1998
GOMES, Paulo. Introdução: Geografias e mundos. In: Quadros Geográficos: uma forma de ver, uma forma de pensar. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2017
MINIDICIONÁRIO DE TERMOS DA HISTÓRIA DE AUSCHWITZ. Interessengebiet des KL Auschwitz. Państwowe Muzeum Auschwitz-Birkenau w Oświęcimiu: 2015.
ROGER, Alain. Court traite du paysage. Paris: Ed. Gallimard, 1997.
SACHS, Hans. Das Schlaraffenland, 1530.
ZONA DE INTERESSE. Direção: Jonathan Glazer. Produção de Ewa Puszczynska e James Wilson (IV). Estados Unidos da América, Polônia, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte: Diamond Films, 2024. Sala de exibição.