Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Cristina Mendes (UNESPAR)
Minicurrículo
- Docente no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG CINEAV) e na Licenciatura em Artes Visuais, na UNESPAR. Doutora (2014) e Mestre (2010) em Comunicação e Linguagens na UTP/ PR. Especialista em História da Arte do século XX (20000) e Bacharel em Pintura (1984) na EMBAP – UNESPAR. Líder do Grupo de Pesquisa Arte, Cultura e Subjetividades (GPACS – CNPq), onde desenvolve a pesquisa: A Tradução Criativa Decolonial e a Educação do Sensível no Cinema e nas Artes Visuais.
Ficha do Trabalho
Título
- Maya Deren, o Cinema Arte e os Cavaleiros Divinos
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Formato
- Presencial
Resumo
- Maya Deren potencializa o cinema experimental norte-americano dos anos 1940 e 50 com teorias e filmes sobre os processos de criação no cinema. Adepta do Vodu haitiano, em 1953, publica Divine Horsemen: the living gods of Haiti, editado por Joseph Campbell. Em 1985, Teiji e Cheril Ito, viúvo da cineasta e nova esposa, lançam o filme homônimo, com cenas captadas por Deren. Destaco, no inacabado documentário, desenhos de Loas, árvore e transe. Procuro, em sombras e fios, vestígios da artista.
Resumo expandido
- Ao discordar do modelo industrial cinematográfico hollywoodiano e incrementar a cena experimental norte-americana, Maya Deren (1917 – 1961) potencializa o desejo de imantar, no cinema, a transcendentalidade. No final da década de 1940 inicia a prática do Vodu haitiano no culto a Erzulie, Loa do amor, espécie de Orixá feminina, que, assim como Iemanjá e Oxum, é sincretizada em imagens de Nossas Senhoras da Igreja Católica. A mistura de elementos cristãos e africanos aproxima o Vodu caribenho do Candomblé e da Umbanda brasileiros. O reconhecimento de outras realidades a partir da experiência do Vodu, no cinema de Maya Deren, contribui para a valorização das culturas afrodiaspóricas e para o entendimento do cinema enquanto produção de arte. Nascida na Ucrânia e radicada, desde 1922, nos Estados Unidos, Maya Deren, realizou doze curtas-metragens, todos em preto e branco: sete estão finalizados e cinco, inacabados. Precursora do poder de dizer “eu” na vanguarda americana (Bellour, 1997), para ela, os movimentos da câmera e das personagens realizam coreografias em que os corpos traduzem a possibilidade de conexão com o invisível, morada do sagrado e da experiência ampliada do tempo/espaço. Elementos valorizados pelo surrealismo europeu são identificados na vertiginosa escada de Meshes of the afternoon, realizado com Alexander Hammid (1943, 14 min.) e a garantia de um lugar na cena internacional pode ser verificado na parceria com Duchamp, no inacabado The Witch’s cradle (1944, 12 min.). Deren (2019), cujas teorias valorizam o aspecto amateur da produção cinematográfica, afirma que sua fascinação pelo cinema reside nos aspectos e métodos deste meio de expressão artística que ainda não estão definidos e são pouco explorados. Assombra o panorama das artes em Nova Iorque ao abrir um terreiro de Vodu no Greenwitch Village e antecipa questões feministas na arte e na política (Deren, 2012). Viveu no Haiti por vinte e um meses, entre 1947 e 1955 (Ferro, 2022), investigando as interações entre seres humanos e Loas em movimentos de corpos possuídos, ou seja, por meio da incorporação mediúnica. No livro, publicado em 1953, e no filme, lançado em 1985, Divine horsemen: living gods of Haiti, estão registrados o interesse pela religiosidade de origem africana praticada naquele país. O livro, prefaciado por Joseph Campbell, tenta organizar os processos de conhecimento de universos que se ampliam no contato direto com os Loas do Vodu; o filme é um compilado das imagens filmadas por Deren, posteriormente editadas por Teiji e Cheril Ito, o viúvo da cineasta e sua nova esposa. Ainda que o filme não pertença ao escopo poético dos trabalhos anteriores da artista, seu valor reside em indicar paradigmas adotados pela cineasta durante a captação das imagens, sem, contudo, apresentar possíveis sintagmas, ou seja, deixando em aberto quais tipos de sentidos poderiam se depreender do uso criativo da realidade (Deren, 2012). O documentário exibe apenas parte do processo de criação, o qual, de acordo com a cineasta, se efetiva durante as experiências de montagem e edição, tarefa que não pode concluir. Na edição dos Ito, debruço a atenção sobre três situações: a ênfase nos desenhos feitos com farinha que identificam os diferentes Loas, uma árvore sagrada que, filmada de baixo para cima, eleva o olhar e conduz à percepção da espiritualidade (Morin, 2014), e pessoas enquadradas do tornozelo ao pescoço, em transes conduzidos pelo som dos tambores. Enquanto os cultos aos Orixás do panteão africano permanecem na mira de grupos iconoclastas que promovem a invasão de terreiros para destruir objetos sagrados, as teorias e os filmes de Maya Deren são fundamentais na promoção de um “desver” das práticas narrativas anestésicas hollywoodianas. Sua obra atua em prol de um olhar mais sensível e acolhedor, capaz de criar e experimentar os espaços reflexivos necessários para o entendimento dos processos de decolonização (Quijano, 2005) no campo das artes.
Bibliografia
- BELLOUR, Raymond. Entre-imagens: foto, cinema, vídeo. Trad. Luciana Penna. SP: Papirus, 1997.
DEREN, Maya. Essencial Deren: collected writtings on film. Nova Iorque: McPherson & Company, 2019.
FERRO, Fernanda Ianoski. A realidade criativa nas obras da cineasta Maya Deren: conceitos teóricos e análises fílmicas. Dissertação (Mestrado em Cinema e Artes do Vídeo), Faculdade de Artes, Universidade Estadual do Paraná. Curitiba, Paraná, p. 205, 2022.
MORIN, Edgar. O Cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia sociológica. São Paulo: É Realizações, 2014.
PAIVA, Alessandra Simões. A virada decolonial na Arte Brasileira. Bauru/ São Paulo: Mireveja. 2022.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In: Edgardo Lander (org): A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf. Acesso em: 14 abr. 2023.