Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernanda Bastos Braga Marques (UFRJ)

Minicurrículo

    Fernanda Bastos é mestre (2016) e doutora (2021) em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
    Editora audiovisual desde 1999, tendo editado videoarte, programas de TV, curtas-metragens e videoclipes, em produtoras como Conspiração Filmes, TvZero e Giros.
    Pesquisadora independente, participa da coordenação do GT O cinema e as outras artes, da AIM – Associação dos Investigadores da Imagem em Movimento, em Portugal, e integra o Conselho Consultivo da edt. – Associação de Profissionais de Edição Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Na terra de José Ninguém com Rosângela Rennó: (des)/(re)construção

Mesa

    A montagem audiovisual contemporânea: entre telas e além das telas

Formato

    Presencial

Resumo

    O presente artigo propõe analisar o papel da montagem audiovisual associada à montagem espacial na construção da videoinstalação Terra de José Ninguém, de Rosângela Rennó (2021), que trata de questões individuais e coletivas do Brasil contemporâneo. A obra é composta por quatro foto-filmes exibidos em dois pares em telas dispostas em eixos cruzados. Às imagens soma-se o áudio emitido por cinco fontes sonoras distribuídas pelo ambiente expositivo, dissociadas da localização das telas.

Resumo expandido

    O presente artigo propõe analisar o papel fundamental da montagem audiovisual associada à montagem espacial na construção da videoinstalação “Terra de José Ninguém”, de Rosângela Rennó, realizada por ocasião da exposição retrospectiva artista brasileira, Pequena ecologia da imagem, realizada na Pinacoteca de São Paulo, em 2021.
    A obra é composta por quatro telas dispostas frente a frente em eixos cruzados, somadas ao som emitido por cinco fontes sonoras distribuídas pelo ambiente expositivo dissociadas da localização das telas.
    Terra de José Ninguém surge a partir de coleções de slides educativos, utilizados nos colégios Salezianos, nos anos 1970/80, que traziam duas narrativas principais: uma individual, sobre um homem desmotivado que toma uma espécie de tônico chamado “personalina” e consegue se engajar no mercado de trabalho e atender determinados padrões sociais, tornando-se bem sucedido e feliz. E outra, coletiva, sobre a luta da classe trabalhadora, rural e urbana, contra a desigualdade social que marcava o Brasil da época.
    Atenta ao presente, Rennó cria quatro foto-filmes divididos em dois eixos: o primeiro traz “A vida de José Ninguém” e “José Ninguém se pergunta”; o segundo, “O grito da terra” e “A vida em construção”.
    “A vida de José Ninguém”, apresenta as imagens do homem que alcança o sucesso, em ordem invertida e com elementos atualizados via colagem digital: substituindo a revista que o personagem lê por um tablet, por exemplo. Então, o slide original aparece e, por meio de uma fusão lenta, se atualiza no modificado, enquanto a artista narra, durante 25 minutos, as angústias do José Ninguém do século XXI, que, ao contrário de seu antepassado, tem uma vida estruturada, mas vai se diluindo no mar de informações, estímulos e demandas provenientes de todas as telas presentes na vida contemporânea. Ele vai aos poucos se perdendo em meio a tantos questionamentos, exibidos simultaneamente, numa tela vertical, no foto-filme “José Ninguém se pergunta”, realizado a partir das imagens de 254 capas de livros, cujos títulos são perguntas. Elas se substituem por meio de efeitos eletrônicos muito utilizados na época da popularização do vídeo como suporte imagético, tais como wipe, íris, virada de página etc.
    Quando a história individual termina, as outras duas telas se acendem para tratar dos problemas sociais brasileiros em outros dois foto-filmes: “O grito da terra” e “A vida em construção”. Neles, Rennó intercala fotografias originais a fotografias atuais, por meio de um tipo de fusão, o multiply, que deixa as duas imagens muito nítidas enquanto coexistem, de modo a reforçar o aspecto comparativo entre o antigo e o atual, evidenciando suas diferenças ou continuidades.
    A trilha sonora, composta pelo grupo, O Grivo, acompanha os seis minutos de apresentação do eixo 2 da obra de Rennó, misturando de forma caleidoscópica trechos de músicas, ruídos e falas.
    A montagem/edição tem um papel fundamental na construção de “Terra de José Ninguém”. No eixo 1, ela aparece primeiramente nas colagens eletrônicas que atualizam as imagens do dia-a-dia de José Ninguém, dentro do enquadramento de cada cena. Em seguida, inverte-se, pela montagem, a narrativa construtiva e de sucesso do personagem original, de modo que, o José Ninguém atual veja sua vida se desestruturar material e emocionalmente. Além disso, os quatro vídeos apresentados são foto-filmes, ou seja, construídos por imagens fixas, às quais a montagem cinematográfica atribui duração e sequencialidade. Por último, soma-se a montagem espacial, muito característica das primeiras videoinstalações, que desdobra as imagens no ambiente.
    Bancos cúbicos de madeira, localizados no ponto de cruzamento entre as quatro telas, sugerem o lugar do espectador, que como o José Ninguém contemporâneo, não é capaz de visualizar tudo o lhe é mostrado simultaneamente nas duas telas, nem discernir todos os sons que cercam seus ouvidos.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Montage “la seule invention du cinéma”. Paris: Vrin, 2015.
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    GONÇALVES, Osmar (Org.). Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.
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    MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora SENAC, 2008.
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    ________. Moving movie – por um cinema do performático e processual. In GONÇALVES, Osmar (org.) Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.
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    VOLZ, Jochen. Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca