Ficha do Proponente
Proponente
- Carla Miguelote (UNIRIO)
Minicurrículo
- Professora Adjunta da Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Atualmente desenvolve uma investigação de pós-doutorado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Publicou o livro de poemas Conforme minha médica (Confraria do vento, 2016) e a plaquete O mapa do céu na terra (Círculo de poemas, 2023). Dirigiu os curtas feministas Amiga oculta (2017), Qual imagem (2018) e Esguicho (2019), exibidos em mostras e festivais nacionais e internacionais.
Ficha do Trabalho
Título
- “Estou todo almodovaricado”: a estética camp em Manual para melodrama
Seminário
- Tenda Cuir
Formato
- Presencial
Resumo
- Paródia dos livros de autoajuda, Manual para melodrama, de Ricardo Domeneck, apresenta sete lições sobre como reagir ao ser abandonada(o) e substituída(o) na esfera amorosa. Para cada uma das lições, o poeta indica um filme ou uma cena fílmica que ajude a(o) leitor(a) a compreender o método em questão (de adaptações fílmicas da Medeia, de Eurípides, à Carne trêmula, de Almodóvar). Propomos uma abordagem do livro em diálogo com o que Susan Sontag, em ensaio de 1964, chamou de sensibilidade camp.
Resumo expandido
- Paródia dos livros de autoajuda, designado pelo próprio poeta como um livro de autoestorvo, Manual para melodrama, de Ricardo Domemeck, apresenta sete lições sobre como reagir ao ser abandonada(o) e substituída(o) na esfera amorosa. Para cada uma das lições, o poeta indica um filme ou uma cena fílmica que ajude a(o) leitor(a) a compreender o método em questão. Como o título sugere, trata-se de lições carregadas de hipérboles, com projetos de vingança desmedidos ou enlevos de autocomiseração desmesurados. Com referências que vão da tragédia grega, sobretudo Medeia de Eurípides (e suas adaptações fílmicas), ao melodrama Carne trêmula, de Pedro Almodóvar, passando pelo teatro de Nelson Rodrigues, especificamente em Toda nudez será castigada, e sua adaptação cinematográfica por Arnaldo Jabor, Domeneck compõe um mosaico de narrativas de desilusão amorosa e de personagens de coração ferido. Debruçar-se sobre o livro implica, entretanto, reflexões que vão muito além das dores de amores e alcançam temas como o contorno dos gêneros da tragédia e do melodrama, as relações entre a literatura e o cinema e as manifestações de uma estética queer. Com efeito, em Manual para melodrama parece estar em jogo aquilo que Susan Sontag, em ensaio de 1964, chamou de sensibilidade camp, tanto no que diz respeito à teatralização da experiência e à predileção pelo artifício e pelo exagero tanto no que concerne a um tratamento indistinto entre produções da cultura erudita e da cultura de massa (tratamento correlato de um tom jocoso, que implica uma complexa relação entre o que é considerado sério e o que é entendido como frívolo). Cabe destacar também que a última edição de Manual para melodrama se deu em um volume conjunto com outro livro do poeta, intitulado Cigarros na cama, em que o desejo homoerótico é abordado de modo desabrido. Na apresentação do volume Cigarros na cama precedido de Manual para melodrama (2022), Domeneck relata que, embora já publicados separadamente em momentos distintos – Cigarros na cama em duas edições, em 2011 e 2019, e Manual para melodrama em 2016 – ambos os livros foram escritos em 2011. Não apenas porque foram escritos no mesmo ano, mas também porque tratam do mesmo assunto, as desilusões amorosas, faz sentido agrupá-los em um único volume, explica o poeta. Aliás, em Cigarros na cama não é raro o diálogo com as mesmas obras que aparecem em Manual para melodrama, como, por exemplo, nesta alusão indireta ao filme de Almodóvar: “Só tenho agora a carne / trêmula / quando eu espirro, / não quando você esporra. Me resfrio sem a fornalha / do seu estrondoso tórax, / das suas bombásticas pernas, / do seu pênis majestoso” (DOMENECK, 2022, p. 70-71). Pretendemos ainda observar como a sensibilidade camp e o diálogo com o cinema aparecem em outras obras de Domeneck, por exemplo no poema “Texto no qual o poeta, vivo da silva e em sangria desatada, pede perdão ao mestre morto por seus arroubos tragicômicos”, de seu livro Ciclo do amante substituível (2012). Aqui, o poeta se dirige ao mestre já morto Murilo Mendes, perguntando-lhe se teria vergonha de seu discípulo: “Pergunto-me […] se constrange-lhe agora que meio que me douglas-sirkei, eu, todo desejoso de fassbindar-me, olha, mestre, veja como estou todo almodovaricado” (DOMENECK, 2012, p. 153). E o poeta continua sua espécie de carta, fazendo confissões de fracasso: “Mestre, perdoe, sei que jamais ganharei o Nobel, talvez mereça um dia um Troféu Imprensa como Poeta B Televisivo […]. Mestre, se quiser me extirpar dentre os seus parcos discípulos, entenderei, tudo bem, sou um fracasso como cristão e como modernista […]” (DOMENECK, 2012, p. 153). Nesse sentido, um diálogo com as reflexões de Jack Halberstam em A arte queer do fracasso nos ajudará também a compreender o que está em jogo na obra de Ricardo Domeneck, sobretudo em seus textos que tratam do fracasso na vida amorosa.
Bibliografia
- DOMENECK, Ricardo. Ciclo do amante substituível. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.
DOMENECK, Ricardo. Cigarros na cama precedido por Manual para melodrama. Rio de Janeiro: 7Letras, 2022.
EURÍPIDES. Medeia. Tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira. São Paulo: Ed. 34, 2010.
HALBERSTAM, Jack. A arte queer do fracasso. Recife: Cepe, 2020.
LOPES, Denilson. Terceiro manifesto camp. In: O homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2012.
SONTAG, Susan. Notas sobre camp. In: Contra a interpretação. Porto alegre: L&PM, 1987.
XAVIER, Ismail. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac Naify, 2003.