Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo Bordinhon de Moraes (Unicamp)

Minicurrículo

    É doutorando em Multimeios pela Unicamp (FAPESP processo nº 2020/11902-9) dentro do Grupo de Estudos Sobre o Ator no Audiovisual (GEAs) com orientação de Pedro Guimarães. Realizou estágio de pesquisa no Laboratoire Approches Contemporaines de la Création et de la Réflexion Artistique (ACCRA) da Université de Strasbourg sob a supervisão de Christophe Damour. Sua pesquisa investiga as formas de jogo atoral no cinema brasileiro contemporâneo. É também ator e professor. bordinhon.eduardo@gmail.com

Ficha do Trabalho

Título

    Estamos todos aqui: uma proposta poético-estética para o jogo atoral

Formato

    Presencial

Resumo

    O cinema brasileiro das últimas décadas tem empregado frequentemente e distintamente atores não profissionais no que diz respeito a aspectos poéticos, estéticos e parafílmicos. O curta Estamos Todos Aqui (Chica Andrade e Rafael Mellim, 2018) (re)inventa o jogo atoral ao lançar mão de elementos do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, promovendo uma síntese dialética entre profissionais e não profissionais, destacando-se como uma intervenção ética e transformadora no cinema contemporâneo.

Resumo expandido

    Durante as duas últimas décadas da cinematografia brasileira, verificamos a presença significativa de atores não profissionais, emprego que pode ser dividido em duas grandes linhas de força. Primeiro, muito presente em filmes voltados ao circuito comercial, como Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002), está o uso de atores não profissionais em uma lógica de estrelato (Gleghorn, 2017), com ostensiva publicidade sobre suas vidas pregressas e preparação do elenco para um jogo naturalista ou realista. Depois, há os filmes em que a vida ou lugar de origem dos atores é base na construção da trama, mas nos quais a publicidade dessa procedência é inexistente ou pouco expressiva, casos como Ela Volta na Quinta (André Novais Oliveira, 2014).
    Nessa segunda linha, a qualidade do jogo atoral também é distante do jogo naturalista, em um estado de hipercotidiano, em que se destaca, dentre outros elementos, a rarefação de gestos e ações. As diferenças entre esses dois empregos se dão também por uma questão ética para com o ator não profissional e com a própria representação no cinema de classes sociais marginalizadas (César, 2006). Enquanto a primeira linha parece forçar a todo custo a adequação do jogo atoral a um padrão de verossimilhança, a segunda parece dar espaço ao ator e a sua aparente limitação expressiva, sem sujeitá-lo a uma preparação ostensiva voltada ao naturalismo e com o emprego de planos que respeitam o tempo da ação em cena. Dentro desse cenário, o curta metragem Estamos todos Aqui (Chica Andrade e Rafael Mellim, 2018), ao empregar conceitos do Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1991), aponta elementos que desenvolvem o diálogo do cinema com a poética do ator de teatro de maneira (re)inventiva e ética. O jogo atoral é consciente do desenvolvimento do filme e das personagens, sobretudo em seu conteúdo político. Tal jogo, ainda se difere da tendência hiper-realista (Margulies, 2016) do cinema brasileiro recente, caracterizada pelos tempos dilatados da ação e da personagem refeita no amálgama com o ator (Guimarães e Oliveira, 2019). Para isso, Estamos Todos Aqui lança mão dos seguintes elementos, a serem analisados na comunicação sob a perspectiva dos estudos atorais. Primeiro, a ruptura da barreira entre espectador e ator (Boal, 1991): a comunidade onde se passa a ação, e principal destinatária do filme, é convidada a refletir sobre a ficção produzida, sobre a ação da protagonista e sobre sua própria condição, por meio de entrevistas documentais. Segundo, a ruptura com a diegese transparente por meio da narração, do épico, quando, por exemplo, a personagem/atriz principal Rosa (Rosa Luz) anuncia à câmera: “Salve, salve, meu nome é Rosa Luz e ontem a minha personagem foi expulsa de casa. Eu fui agredida, espancada, humilhada”. Terceiro, é a própria comunidade documentada que encena a situação ficcional – a desapropriação de seus barracos para a expansão portuária – situação análoga a uma realidade possível naquele território, a Prainha, no Itapema, Guarujá – SP. Por fim, a presença de profissionais das artes do espetáculo – como a cantora Rosa Luz – e do teatro político paulistano – como Ana Souto -, no conjunto do elenco, forma um misto de qualidades do jogo atoral que não se constrói em choque ou por cópia irrefletida, mas em relação dialética; uma qualidade – experiência ou inexperiência – alimentando a outra. Dessa forma, o jogo atoral se destaca como elemento da misè-en-scène que, em consonância com o teatro de Boal, “baseada em valores éticos e solidários, (…) propõe intervir concretamente na realidade, fazer emergir consciências e transformar simples consumidores em cidadãos capazes de produzir cultura” (Mamberti apud Boal, 2009, s/p). Com esse gesto, e ao propor um modo de uso dos saberes do teatro no cinema brasileiro contemporâneo, Estamos Todos Aqui se configura como caso importante para a pesquisa estética e poética do trabalho atoral e sobre relações éticas na construção do filme.

Bibliografia

    BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6ª edição. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1991.
    BOAL, A. A estética do oprimido. Rio de Janeiro : Garamond, 2009.
    CÉSAR, A. Fabulação e Figuração da Alteridade em Cidade de Deus. RUA: Revista de Urbanismo e Arquitetura, Salvador, V.7, n. 2, p 72 -83, 2006.
    DAMOUR, C. Montgomery Clift: Le Premier Acteur Moderne. Strasbourg, ACCRA: Études actorales. 2016.
    GLENHORN, C. A star is born: The rising profile of the non-professional actor in recent Brazilian cinema. In. BERGFELDER, T. et. all. Stars and stardom in Brazilian Cinema. Londres: Berghahn, 2017.
    LEITES, B. Cinema, Naturalismo, Degradação: ensaios a partir de filmes brasileiros dos anos 2000. Porto Alegre: Sulina, 2021.
    MARGULIES, I. Nada acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman. Trad. Roberta Veiga e Marco Aurélio Sousa Alves. São Paulo: Edusp, 2016.
    XAVIER, I. O Discurso Cinematográfico: A opacidade e a transparência. 3ª ed. São Paulo: Paz & Terra, 2005