Ficha do Proponente
Proponente
- Dalila Camargo Martins (SENAC)
Minicurrículo
- Bacharel em Audiovisual pela ECA-USP, Mestre e Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela PPGMPA da ECA-USP, com dissertação e tese sobre o cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. Atualmente, é professora do curso Bacharelado em Audiovisual do SENAC-SP e da Academia Internacional de Cinema, além de programadora do Cineclube Disgraça (CCSP).
Ficha do Trabalho
Título
- O primado do material no cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub
Formato
- Presencial
Resumo
- A comunicação apresentará o primado do material no cinema de Huillet-Straub, ao qual se subentende uma crucial crítica à autoria. Para tanto, faremos comentários teóricos acerca da prática intertextual dos cineastas, breves contextualizações das políticas dos autores francesa e alemã que os influenciaram e uma análise de seu curta Introdução à “Música de acompanhamento para uma cena de cinema” de Arnold Schoenberg (1972), que questiona o controle de um artista sobre sua própria obra.
Resumo expandido
- O cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub se baseia, entre outros pilares, em uma prática intertextual ou intermidiática. Seus filmes são realizados a partir de textos multimidiáticos de diferentes épocas e autores canônicos da cultura ocidental, em três línguas (francês, alemão e italiano). Esses textos são recitados por atores profissionais ou não, às vezes estrangeiros em relação à matriz textual, no geral em paisagens ou lugares historicamente carregados. Portanto, todas essas instâncias (textos, lugares e corpos emissores) consistem na matéria-prima dos filmes huillet-straubianos.
Na tese Elective affinities: the films of Danièle Huillet and Jean-Marie Straub, Claudia Pummer escolhe o conceito de afinidade eletiva — a partir da abordagem de Michael Löwy — para explicar essa prática intertextual ou intermidiática. Pois, quando Huillet-Straub se engajam com um determinado texto (texto entendido como uma produção artística, cultural ou intelectual em qualquer mídia) para colocá-lo em filme, não somente o fazem transpondo ou traduzindo em formas cinematográficas o estilo em questão (analogia estrutural), mas também aproveitam a depuração dos fundamentos estéticos e políticos desse estilo para burilar os seus próprios. Ou seja, Huillet-Straub exprimem sua estética por meio da estética dos outros, o que, à primeira vista, apresenta-se como “um ensaísmo dos outros”, segundo Mateus Araújo.
No artigo Straub, Huillet e o ensaísmo dos outros (2013), Araújo começa por distinguir a ênfase dos cineastas na articulação argumentativa dos textos preexistentes com as imagens e sons por eles captados, isto é, uma práxis eminentemente cinematográfica (trabalho de preparação dos textos adaptados, escolha de locação, decupagem, direção de atores e recitação, montagem etc.) que produz em si sentido (na acepção de entendimento, mas igualmente de sensação), em detrimento da utilização do filme enquanto suporte para expor verbalmente (muitas vezes em voz over, outras em letreiros) o pensamento do autor do filme. Por outro lado, Araújo diz que, obviamente, há uma autoria por trás dessa articulação argumentativa ou escrupulosa artesania construtiva de Huillet-Straub, de modo que seria possível substituir a ideia de ensaísmo dos outros pela ideia de ensaísmo compartilhado.
Algo que Pummer também afirma: “essa técnica de incorporação de outro autor sob a forma de seu material artístico nos filmes huillet-straubianos é central para a concepção de autoria colaborativa de Straub-Huillet.” Para justificar esta afirmação, Pummer lança mão da seguinte citação de um trecho de uma carta a Straub de Franco Fortini, escritor que, no filme Fortini/Cani (1977), frente à câmera, lê trechos de seu livro de juventude Os cães do Sinai (1967): “[Seu] ‘trabalho’ lembra a definição de amor de Brecht: a arte de produzir algo com as capacidades do outro. […] Os limites de sua subjetividade diz respeito a você apenas (e Danièle…). Mas se pode ver como você se apropria, precisamente por causa desses limites, do direito de tratar as coisas e o sujeito de seus filmes enquanto material.”
Em parte da minha tese, intitulada Realismo negativo: estética e política no cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub (2023), parto dessa discussão sobre a prática intertextual ou intermidiática huillet-straubiana, demonstrando que se trata, mais do que de uma coletivização da autoria ou autoria colaborativa, do que defini como “primado do material”. Ao que se subentende, na verdade, uma crítica à autoria, a qual fulgura de extrema relevância uma vez que o contexto inicial de produção de Huillet-Straub era o cinema moderno europeu com suas políticas dos autores. Minha comunicação, portanto, versará sobre o conceito de primado do material, por meio de comentários teóricos, contextualizações históricas e da análise do curta Introdução à “Música de acompanhamento para uma cena de cinema” de Arnold Schoenberg (1972), o qual questiona o controle de um artista sobre sua obra.
Bibliografia
- ARAÚJO, Mateus; DUMANS, João (org.). Straub e Huillet. Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, v. 10, no 1, jan./jul. 2013.
ASPAHAN, Pedro. Composição musical e pensamento cinematográfico: a estética do serialismo no cinema de Straub-Huillet. (tese de doutorado) Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017.
BÖSER, Ursula. The art of seeing, the art of listening: the politics of representation in the work of Jean-Marie Straub and Danièle Huillet. Frankfurt: Lang, 2004.
BYG, Barton. Landscapes of resistance – the german films of Danièle Huillet and Jean-Marie Straub. Berkeley: University of California Press, 1995.
MARTINS, Dalila C. Realismo negativo: estética e política no cinema de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. (tese de doutorado) São Paulo: Universidade de São Paulo, 2023.
PUMMER, Claudia A. Elective affinities: the films of Danièle Huillet and Jean-Marie Straub. (tese de doutorado) Iowa: University of Iowa, 2011.