Ficha do Proponente
Proponente
- Paulo Souza dos Santos Junior (UFPE)
Minicurrículo
- Analista da área de programação do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, programador do cinema da instituição. Doutor em mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE. Especialista em Fotografia e Audiovisual pela UNICAP. Graduado em Fotografia também pela UNICAP. Pesquisador, fotógrafo documental e realizador audiovisual de Recife. Tem interesse acadêmico nos estudos ligados sobretudo aos efeitos do real no cinema, experiência estética, cinema de gênero e fotografia.
Ficha do Trabalho
Título
- A desinvenção do Nordeste
Seminário
- Estética e plasticidade da direção de fotografia
Formato
- Presencial
Resumo
- Partimos de um pequeno grupo de filmes independentes do Nordeste para discutir como o capitalismo influencia a produção cinematográfica hegemônica, promovendo conteúdos lucrativos e homogeneizando narrativas e a ponta a concentração de mídia como limitadora de diversidade. Buscamos evidenciar que mesmo autores como Glauber Rocha, reproduzem estereótipos regionais. Por fim, buscamos refletir sobre caminhos para contornar as imposições estruturais ditadas pelo modo de produção capitalista.
Resumo expandido
- Um jovem bailarino reflete sobre as dificuldades da vida artística, mas declara seu sonho de deixar uma marca na terra e seu amor ao teatro. Um rapaz escreve uma saudosa carta enquanto memórias de um dia especial na praia inundam a tela. Foliões explodem em êxtase travestidos e com maquiagens extravagantes, vivendo a fantasia do carnaval. Essas três imagens pertencem, respectivamente, aos filmes Perequeté (Bertrand Lira, 1981), Closes (Pedro Nunes, 1982) e Era Vermelho Seu Batom (Henrique Magalhães, 1983), presentes na mostra “A onda de filmes Queer em Super-8 na Paraíba” que reuniu obras em Super-8 produzidas a partir dos Ateliers Varan, iniciativa de Jean Rouch e Jacques d’Arthuys, para formar jovens cineastas em países e regiões com menor acesso aos regimes formais de produção cinematográfica.
Esses filmes me tocaram por uma característica em comum: poucas vezes havia visto imagens tão antigas do Nordeste em que não foram representadas a seca, a miséria e o sertão. Era óbvio e assustador que aquele era o Nordeste a ser mostrado em 1980, em uma cidade litorânea e efervescente em cultura. Mas as imagens técnicas nos mostraram, e ainda mostram, outra representação, a de uma região inventada por um imaginário coletivo construído no Sul e Sudeste do país.
Conforme discute Holte (1984, p.1), as imagens que vemos e produzimos obedecem a convenções formais e temáticas que referenciam com muito mais frequência outras imagens preexistentes que o próprio mundo fora dos enquadramentos. No contexto da produção de imagens na indústria do entretenimento, o capitalismo tende a promover conteúdos que são comercialmente viáveis e lucrativos. Isso pode levar à simplificação e estereotipagem de narrativas e personagens para atender às demandas do mercado, em vez de refletir com precisão a diversidade e complexidade da experiência humana. Como argumentado por Herman e McChesney (1997, p. 45), com os estúdios assumindo riscos financeiros tão altos, as implicações para a produção cinematográfica tendem a ser homogeneização de conteúdo e menos tomada de riscos.
As forças do mercado muitas vezes incentivam a produção de conteúdo que é mais provável de atrair audiências massivas, o que pode resultar na perpetuação de estereótipos e na homogeneização cultural. O capitalismo também está intimamente ligado à concentração de propriedade de mídia, onde um número relativamente pequeno de conglomerados controla a maior parte dos meios de comunicação e entretenimento. Essa concentração de propriedade pode limitar a diversidade de vozes e perspectivas representadas nas imagens produzidas, conforme discutido por Chomsky e Herman (2008). O alto custo das produções cinematográficas produzidas em um regime convencional sempre foi uma barreira de entrada para novos realizadores, que frequentemente buscam vias fora do regime hegemônico para construir seus projetos.
Para elucidar a gravidade do problema, não vamos nos debruçar sobre a Globo Filmes, ou sobre as históricas Atlântida ou Vera Cruz, locais em que os estereótipos surgem até como algo natural no regime produtivo. Propomos analisar a obra de Glauber Rocha, militante de esquerda e emblemático nome do Cinema Novo, mas que reproduziu e reforçou muitas imagens estereotipadas: a seca, o gado morto, o vaqueiro, o beato, a reza pela chuva. Como reflete Durval Muniz de Albuquerque Jr (2011, p. 327), “Glauber não consegue romper com a imagem do regional, com suas fronteiras, porque termina por atualizar os mitos, os temas, os enunciados e as imagens que construíram a região”, apresentando “características de imagem e som que se põem como respostas a demandas que vêm da esfera da formação discursiva dominante e às relações sociais e de poder que a enformam” (2011, p. 312-313). A construção da imagem se mostra estrutural, alcançando mesmo aqueles que pensam em combatê-la.
Seriam as produções independentes, ou mesmo amadoras, uma resposta política as violências e intervenções do modo de produção capitalista?
Bibliografia
- DE ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Cortez editora, 2011.
HERMAN, Edward S.; MCCHESNEY, Robert W. The global media: The new missionaries of corporate capitalism. Londres: Cassell, 1997.
HERMAN, Edward S.; CHOMSKY, Noam. Manufacturing Consent: The Political Economy of the Mass Media: London: The Bodley Head. 2008.
HOLTE, James Craig. Unmelting images: Film, television, and ethnic stereotyping. Melus, v. 11, n. 3, p. 101-108, 1984.