Ficha do Proponente
Proponente
- Christiane Quaresma Medeiros (Unicap)
Minicurrículo
- Christiane Quaresma é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Formada em Design pela UFPE. Mestre em Comunicação pela UFPE com pesquisa na área de história e teoria da animação, com foco no experimental. Doutora em Comunicação pela UFPE, onde desenvolveu pesquisa nas áreas de animação, corpo e gesto na perspectiva batailleana do informe. Atualmente, se detém sobre os desdobramentos da tese sobre outros artefatos do campo das imagens, como o audiovisual de horror.
Ficha do Trabalho
Título
- O mal nos limites da razão: Diálogos entre Bataille e o audiovisual
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- O texto lança olhar sobre as representações do sobrenatural no audiovisual de horror a partir da dualidade entre o dispêndio improdutivo e o princípio da utilidade, na acepção de Georges Bataille. Discute como a mobilização dessas instâncias molda nossa experiência de fruição dos elementos do horror, e como o processo de racionalização do mal a partir do princípio da utilidade cumpre domesticá-lo, tornando-o menos ameaçador e mais palatável.
Resumo expandido
- Partindo da perspectiva socioantropológica de que imaginamos através do cinema (LE BRETON, 2013), a ficção no audiovisual é entendida como veículo de projeção de desejos e medos coletivos, e onde damos forma a entidades e espaços que se fundam no campo religioso, como o inferno e outros lugares para a sobrevida dos mortos. Por vezes, esses espaços se apresentam misteriosos e aterrorizantes, como o “Further” em Insidious (2010). Em outras ocasiões, assumem uma tonalidade mais leve e próxima do riso, como o purgatório em Beetlejuice (1988), retratado como uma repartição onde a morte é organizada sob uma rígida e utilitária máquina burocrática. Sobre a potência que uma imagem do mundo dos mortos tem de horrorizar ou de fazer rir, obviamente competem os recursos da gramática cinematográfica. No entanto, numa ótica socioantropológica, esta seria apenas uma resposta parcial. Assim, propõe-se observar as representações do sobrenatural no audiovisual de horror a partir da dualidade entre o dispêndio improdutivo e o princípio da utilidade, na acepção de Georges Bataille, identificando como o princípio da utilidade cumpre racionalizar e domesticar o mal, tornando-o menos ameaçador e mais palatável.
Para tanto, dialogamos com a teoria da religião de Bataille (2016), bem como com outros textos do autor que desenvolvem certa noção a respeito do Mal, como A parte maldita (BATAILLE, 2020b) e A literatura e o mal (BATAILLE, 2020a). Para o autor, o desejo humano de durar, que organiza a experiência social em torno das atividades úteis à conservação da vida, depara-se com um contraponto, uma parte que escapa ao programa da conservação, dirigida à violência e aos prazeres improdutivos. Residiria aí tanto o alicerce das práticas sacrificiais das sociedades arcaicas, quanto da festa coletiva, como momento de escape para logo voltar ao programa da conservação, bem como da guerra, quando a pulsão violenta é sistematicamente direcionada para outra comunidade. Também se formulam a partir disso aspectos chaves da dualidade entre o Bem e o Mal. O primeiro se funda no interesse da conservação. O segundo, por outro lado, não se opõe em objeto de interesse, mas justamente na ausência de interesse. Mediado apenas por pulsão e vontade do instante presente, a atração que o mal tem pela violência só pode ser desinteressada. Assim formulado no tecido social, também reverbera no campo das representações. No audiovisual, a tensão entre o dispêndio improdutivo e o princípio da utilidade molda nossa experiência de fruição dos elementos do horror.
Por um lado, o excesso gratuito de violência, como vemos em Southbound (2015), quando um homem é orientado por entidades a torturar brutalmente uma jovem até a morte enquanto acredita estar ajudando-a. Aí, como em diversos outros filmes, o mal é praticado com vista ao deleite da entidade, não se prestando a um propósito utilitário. Na direção contrária, temos o demônio em Demon 79 (2023, episódio 5 da temporada 6 de Black Mirror), que liga para uma espécie de call center do inferno para saber por que um talismã que contabiliza sacrifícios humanos não registrou um dos assassinatos. A entidade é motivada pelo interesse de conservar o status quo de sua existência. Segundo a narrativa, ao ser acionado pelo talismã, o demônio precisa orientar um humano a realizar três sacrifícios. A não observação da regra impõe o martírio da entidade, bem como desencadeia o apocalipse na Terra. Assim partindo do campo do inferno os mecanismos que têm por finalidade última preservar a vida humana, e toda a violência praticada no filme é útil a este propósito.
Assim, pretende-se observar, a partir de um corpus amplo, como, sob a égide do utilitarismo e da racionalidade, os elementos sígnicos do mal são encerrados em uma fronteira limitada de possibilidades transgressivas, que vulgariza o mal na mesma medida em que nos aproxima, pois que reconhecemos ali os mesmos princípios que guiam nosso cotidiano, tornando-o, por conseguinte, mais leve.
Bibliografia
- BATAILLE, Georges. Teoria da religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Belo Horizonte: Autêntica, 2020a.
BATAILLE, Georges. A parte maldita. Belo Horizonte: Autêntica, 2020b.
BATAILLE, Georges. A pura felicidade: ensaios sobre o impossível. Belo Horizonte: Autêntica, 2024.
BELTING, Hans. An anthropology of images: Picture, medium, body. Princeton: Princeton University Press, 2014.
LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2013.