Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Andrea França Martins (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e da graduação em Estudos de Mídia da PUC-Rio. Doutorado em Comunicação pela UFRJ e pós-doutorado na Universidade de Reading (Reino Unido). Líder do grupo de Pesquisa Imadis/Cnpq. Autora de livros e artigos sobre cinema contemporâneo. Realizadora dos curtas (disponíveis online) da Galeria Rio Cinético do Museu Virtual Rio Memórias (Ressaca, Estiva, Vermelho Guanabara, Bambambã, entre outros).

Ficha do Trabalho

Título

    Refletindo sobre processos de criação: Dálmata

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Apresentar o processo de realização do curta Dálmata (2024) que roteirizei e dirigi. Trata-se de um projeto selecionado em oficina do Cpdoc da FGV com apoio técnico e operacional da instituição. O curta é feito a partir do arquivo do ex-presidente militar Ernesto Geisel doado para o Cpdoc por sua filha Amália Lucy. Para esse S T, interessa refletir sobre a presença do cachorro pastor alemão e como ele age sobre a construção do roteiro e a relação que acabo por estabelecer com o arquivo Geisel.

Resumo expandido

    Dálmata (2024) é feito a partir dos arquivos da família do ex-presidente militar Ernesto Geisel (1974–1979). Ele extrai dos documentos iconográficos e dos cinejornais do Arquivo Nacional uma personagem específica, a filha do ex-presidente, Amália Lucy Geisel. Na lida com as imagens do acervo do Cpdoc (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas) , vendo, revendo e selecionando imagens e episódios históricos, me chamou atenção que Amália Lucy, uma mulher na faixa dos 30 anos, buscava se apagar nos registros públicos e políticos do governo de seu pai: de costas para o fotógrafo, na lateral da imagem, de cabeça baixa ou até mesmo agachada ao lado do pai e da mãe. A reiteração desse “motivo visual” funcionou como primeiro gatilho para o roteiro. Trabalhar a montagem do arquivo Geisel de modo a extrair essa mulher do fundo da cena – história, documental e iconográfica – para trazê-la para o primeiro plano cinematográfico. Ela tornou-se a personagem do filme.

    Porém, o curta não se propõe a contar histórias sobre a personagem Amália Lucy, fazer uma espécie de biografia a partir de suas entrevistas, mas criar novos sentidos para o lugar dela ( Johann, p. 43, 2015) enquanto filha de militar, professora e mulher dedicada ao trabalho no setor cultural. Por meio de sons, imagens, documentos escritos, edição e perguntas lançadas à personagem, o curta busca extrair de uma massa de documentos ‘sem imaginação’ (Claude Lanzmann citado por Didi-Huberman, 2020), histórias de uma mulher envolta no esquecimento e no silenciamento (Solnit, 2021).

    Como fazer um filme das “mulheres na história” a partir de arquivos militares? No meio do processo de pesquisa/roteiro/montagem, entendo que o curta é também sobre a realizadora, filha de militar. É uma fotografia da família Geisel com os cachorros pastor alemão e dálmata que funciona como o segundo gatilho do roteiro. Uma imagem que dispara memórias da infância em Curitiba, das vilas militares do sul do Brasil, dos cães, do quartel, das casas perfiladas. Os gestos de roteirizar e de montar o material vão se revelando não apenas simultâneos mas, sobretudo, um modo de descobrimento – e não apenas de conhecimento fruto da pesquisa. Um modo de descobrimento, vale enfatizar, que tem a ver com o material investigado, o detalhe imperceptível que ganha pregnância (Arasse, 2019), o desejo que mobiliza a feitura do curta, as memórias em jogo (do material de arquivo trabalhado e da realizadora).

Bibliografia

    Arasse, Daniel. Nada se vê: seis ensaios sobre pintura. São Paulo: ed 34, 2019.
    Castro, Celso (org.). A família militar no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2018.
    Didi-Huberman, Georges. Imagens apesar de tudo. São Paulo: ed 34, 2020
    Johann, Ana. A construção do poético no roteiro cinematográfico. Curitiba: UTP, 2015.
    Solnit, Rebecca. Recordações da minha inexistência. SP: Co. das Letras, 2021