Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Miranda da Silva (UAM)

Minicurrículo

    Marcelo Miranda tem graduação em Comunicação Social/Jornalismo (UFJF, 2004) e é mestre em Comunicação Social (UFMG, 2018). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Jornalista, crítico e curador de cinema. Colaborador de diversas publicações impressas e virtuais, como “Folha de S.Paulo”, “Quatro Cinco Um” e “Cinética”. Coeditor da revista eletrônica “Abismu”. Presidente da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) entre 2021 e 2023.

Ficha do Trabalho

Título

    Gótico nas telas: assombros, traumas e o Mal no cinema brasileiro

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    O cinema brasileiro, desde a metade do século 20, utiliza, em muitos filmes e de variadas formas, elementos das chamadas “poéticas do mal”, nascidas na literatura gótica, e transfigura tais elementos em expressão audiovisual vinculada ao cenário, contexto e histórico do Brasil em termos políticos, econômicos e sociais. Esta pesquisa surge a partir de estudos sobre “literatura de medo” que podem ser expandidas ao audiovisual brasileiro através das décadas, configurando um “cinema de medo”.

Resumo expandido

    A pesquisa se baseia na percepção de que o cinema brasileiro, desde principalmente a metade do século 20, utiliza, em muitos filmes e de variadas formas, elementos da chamada “literatura gótica” e transfigura tais elementos em expressão audiovisual vinculada ao cenário, contexto e histórico do Brasil em termos políticos, econômicos e sociais. O cinema brasileiro de gêneros ligados às expressões negativas (horror, terror, suspense, crime, violência) se vale, ao longo das décadas, de elementos reconhecidos da literatura gótica para, em muitos casos, legitimar-se enquanto forma de expressão. Sendo rotineiramente tratados como produtos de segunda linha ou de irrelevância diante de cinemas mais vinculados ao social, ao cotidiano do trabalho, ao naturalismo e questões ditas “urgentes” da vivência brasileira média, tais filmes encontraram outras formas de se imporem enquanto criação.
    O professor Julio França (UFRJ), em estudos sobre “literatura de medo” no Brasil, percebeu que a produção literária do país mais vinculada ou interessada às estéticas negativas – várias delas originadas no gótico, a partir do século 18 – foi sendo desvalorizada ao longo de décadas por professores, críticos e pesquisadores. A exceção do livro “Noite na taverna” (1855) de Álvares de Azevedo, é sintomática. Seu reconhecimento foi por anos tratado quase como um caso clínico de saúde mental, algo fora da curva tradicional da literatura brasileira, “sinônimo de uma patologia psicológica, legitimado pela influente leitura psicanalítica de Mário de Andrade” (FRANÇA, 2022). Quando aplicam-se princípios similares ao audiovisual brasileiro, é possível identificar traços muito aproximados, no que nos fez apresentar o seguinte problema de pesquisa: a partir dos anos 1950, teria parte do cinema brasileiro se utilizado, mesmo de forma não deliberada, das estéticas negativas do gótico literário para se integrar às singularidades das questões e contradições do país (escravidão, violência doméstica, pobreza, opressão sexual, conservadorismo, má consciência de classe, entre outras) sem para isso deixar de ser, essencialmente, expressão audiovisual de medo e apreensão. Teria o cinema brasileiro um recorte possível de filmes “negativos” (terror, suspense, horror, macabro) que se sustentam em elementos góticos para falarem dos sentimentos de ser brasileiro e criar assim um “cinema de medo”? A pesquisa parte inicialmente do lançamento de “Caiçara” (1950), da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, como disparador de um cinema brasileiro que se permitiu impregnar por elementos estéticos identificáveis às características do gótico na literatura para falar de mazelas e sentimentos expressivamente negativos relativos ao país. Tais características identificam o gótico em basicamente três elementos que necessariamente estão contidos nos enredos, mesmo que em presenças ou pesos variáveis: 1) locus horribilis: o ambiente, seu peso, contexto e atmosfera. Seriam os “espaços narrativos que são caracterizados como ‘lugares maus’ que determinam o comportamento das personagens ou são por elas determinados” (FRANÇA, 2022, p. 41); 2) passado fantasmagórico: eventos aterrorizantes do passado que invadem o presente. Seriam os “eventos pretéritos traumáticos que interferem no comportamento das personagens no presente e o condicionam” (FRANÇA, 2022, p. 41); 3) personagem monstruosa: corporificação metafórica dos medos, dos desejos e das ansiedades de uma época e de um lugar (COHEN, 1996).
    A compreensão do gótico combina ideias de outros autores, como Jeffrey Jerome Cohen, Fred Botting, Noël Carroll e Edmund Burke, e entende-o não como fenômeno temporal restrito ao século 18 na literatura, e sim de forma mais ampla, universal e expressiva, numa noção poética da modernidade. “O gótico, justamente pela força de suas convenções, é um template, uma estrutura narrativa vazia a ser preenchida com os medos, as angústias e os horrores de cada local e de de cada momento histórico” (FRANÇA, 2022, p. 41).

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 2008.
    BOTTING, Fred. Gótico. São Paulo: Clepsidra, 2024.
    CÁNEPA, Laura Loguércio. Medo de quê?: Uma história do horror nos filmes brasileiros. Campinas, SP: [s.n.], 2008. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Campinas, São Paulo, 2008.
    CÁNEPA, Laura Loguércio. “O Anjo da Noite, horror gótico e tensões sociais brasileiras na década de 1970”. Revista Latinoamericana de Comunicación, núm. 134. Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina 2017
    CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou Paradoxos do coração. Campinas, SP: Papirus, 1999.
    FRANÇA, Julio; COLUCCI, Luciana (org.). Matizes do gótico: Três séculos de Horace Walpole. São Paulo: Clepsidra; Rio de Janeiro: Dialogarts, 2020.
    FRANÇA, Julio; SILVA, Daniel Augusto P. (org.). Poéticas do mal: A literatura de medo no Brasil (1830-1920). Rio de Janeiro: Acaso Cultural, 2022.