Ficha do Proponente
Proponente
- Rodrigo Faustini dos Santos (USP)
Minicurrículo
- Rodrigo Faustini é pesquisador, doutorando em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo, com período de estágio na King’s College London. Seus temas de pesquisa dialogam com cinema e vídeo experimentais, found footage e materialidade de meios analógicos, eletrônicos e digitais. Também atua como realizador, com trabalhos exibidos no Festival de Animação de Annecy, Ars Eletronica, Festival de Havana, Experiments in Cinema, entre outros.
Ficha do Trabalho
Título
- Entre tremor e tremeluzir: movimentos aberrantes no filme experimental
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Formato
- Presencial
Resumo
- Propõe-se apresentar uma “teratologia” dos movimentos cinematográficos, ou seja, suas má-formas suprimidas, excluídas ou retificadas pelos padrões técnicos e normas estéticas vigentes no circuito industrial do meio. O filme experimental amplamente emprega e abarca tais “movimentos aberrantes”, tal como Jean-François Lyotard (e GIlles Deleuze, de quem emprestamos o termo) localiza no modus operandi do campo – inspirando-nos a repertoriar suas modalidades, tal como o “tremor” e o “tremeluzir”.
Resumo expandido
- Em sua discussão sobre a “economia libidinal” do cinema enquanto dispositivo – ou seja, enquanto um arranjo de mecanismos reguladores e parâmetros de controle formal – Jean-François Lyotard (1994) acaba por dar atenção a tudo aquilo que o sistema exclui, rejeita e subestima enquanto má-forma: não só as imagens estáveis, mal tiradas, ruidosas, mas também as intensidades de movimento que entram em desalinho com a mediação técnica “verossímil” da realidade, tal como buscada pelo meio. Aos dois pólos extremos do que vê excluído das telas – a viscosidade do tableau vivant e a agitação extrema da pirotecnia, em seus termos – o filósofo concede a categoria de um “acinema”, domínio que observa voluntariamente perseguido pelo cinema dito underground ou experimental.
Posteriormente a tais elaborações, Gilles Deleuze (2018), ao realizar seus cursos de filosofia do cinema – que culminaram na publicação de dois livros que apresentam o que identificou como duas fases (ou modos de operar) do meio (idem, 1983; 1985) – também veio a enfatizar as intensidades de movimento em desalinho com o arranjo hegemônico do dispositivo (o “esquema sensório-motor”, em seus termos). Emprestando uma terminologia da astronomia, encontraria ali o que nomeia de “movimentos aberrantes”: anomalias de registro e percepção que, ao serem promovidas das margens ao centro do aparato, seriam fatores catalisadores da mudança de fase que sua filosofia enxerga na imagem cinematográfica – esquematicamente o da passagem da representação do movimento à apresentação de um tempo internamente gestados no cinema. Embora o filósofo concentre no dito cinema moderno francês as suas referências indicativas de tal fenômeno, em seus cursos e (mais pontualmente) em seus livros há o reconhecimento de que o cinema experimental já operava com tais “aberrações”, primeiro detectadas nas teorias de Jean Epstein (1974a; 1974b), em meio a suas menções ao “veneno sutil” e aos diabos de ilógica e desrazão impregnados no maquinário.
Inspirando-se por essas considerações teóricas, junto de uma pesquisa própria que vêm traçando e analisando diversos “ruídos” técnicos e comunicacionais do meio cinematográfico, serão apresentados aqui algumas “aberrações do movimento” que manifestam-se no cinema – identificáveis enquanto tais por sua categórica supressão técnica e estética pela indústria audiovisual – que vão além dos pólos extremos identificados por Lyotard e que fornecem mais espessura às sugestões de Deleuze. Teremos aqui: o tremor (movimentos demasiadamente trêmulos e/ou emperradas); o tremeluzir (ou flicker); a estocasticidade (movimentos aleatórios, como aquele gerado pelos grãos de película); o falseamento de frequências (ou aliasing); o alheamento (como qualificamos aqui o efeito phi e afins) e o escoamento ou écoulement, tal como identificado por Isidore Isou (1999), que nomeiam aqui as flutuações de emulsões e corrimento de imagens perceptíveis principalmente ao se imobilizar uma imagem ao longo da projeção, ou removendo as usuais divisões de fotogramas numa película fotoquímica.
Partindo de exemplos diversos do cinema experimental que singularizam e exploram a fundo tais fenômenos, principalmente ao acentuar mecanismos e materiais particulares ao cinema ou a períodos de seu desenvolvimento (como no caso do tremeluzir e do “escoamento” de imagens) busca-se apontá-lo como o campo que dá vazão, e mesmo coesão, a essas “teratologias” da percepção e da mediação – constituindo não tanto um cinema à parte do cinema quanto um modo de criação que opera através de (e solapando) suas fronteiras. “A deformação […] traz consigo toda uma filosofia visual ao cinema” já sugeria Germaine Dulac (2018, p. 55) nos anos 1920, especulando um campo de reflexão ainda a se mapear e constituir, ao qual o cinema experimental vem a fornecer amplo repertório.
Bibliografia
- BALTRUSAÎTIS, J. Aberrations: essai sur la légende des formes. Paris: Flammarion, 1983.
DELEUZE, G. Cinéma 1: L’image mouvement. Paris: Minuit. 1983.
___________. Cinema 2: L’image-temps. Paris: Minuit. 1985.
___________. Cine III: verdad y tiempo: potencias de lo falso. Buenos Aires: Cactus, 2018.
DULAC, G. Writings on cinema. Paris: Paris Expérimental, 2018.
EPSTEIN, J. Écrits sur le cinema – tome I (1921-1947). Paris: Éditions Seghers, 1974a.
_________. Écrits sur le cinema – tome II (1946-1953). Paris: Éditions Seghers, 1974b.
ISOU, I. “Esthetique du cinéma”. In: Ion (facsimile). Paris: Jean-Paul Rocher, 1999, pp. 7-158.
LYOTARD, J-F. Des dispositifs pulsionnels. Paris: Éditions Galilée. 1994.
RESNIKOFF, H. L. The Illusion of Reality. Nova Iorque: Springer-Verlag. 1989.