Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Raphael Castilho Bueno Silva (UFMG)

Minicurrículo

    Raphael Castilho Bueno Silva é mestrando em Comunicação Social do PPGCOM/UFMG. O tema da sua dissertação, em desenvolvimento, é o impacto do cinema nas lutas sociais a partir de autores como Axel Honneth e Susan Sontag. Seu interesse pela área surgiu durante a graduação em Comunicação Social -Jornlismo na UFSJ, onde se formou no ano de 2022. Atualmente, também atua como pesquisador no projeto “O Carnaval de BH: Organização e Resultantes Socioeconômicos” (FACE/UFMG).

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema como “ponte semântica”: a aids retratada em “Califórnia”

Formato

    Presencial

Resumo

    Visando a relação entre cinema e práticas sociais, este trabalho propõe uma análise do filme “Califórnia”, da diretora Marina Person. O objetivo é decupar as dizibilidades sobre a aids presentes no filme e observar simbolicamente a associação entre o vírus e a homossexualidade: conexão marcada pela homofobia inerente à “epidemia discursiva”. Este estudo leva em consideração as teorias do reconhecimento e o conceito de “ponte semântica”, extraídos da obra do sociólogo alemão Axel Honneth.

Resumo expandido

    Califórnia é um filme de 2015, dirigido por Marina Person, que acompanha a relação de uma jovem chamada Estela (Aren Gallo) com o seu tio Carlos (Caio Blat) durante a década de 1980. O sonho de Estela é visitar o tio na Califórnia, mas seus planos são interrompidos quando Carlos volta para o Brasil diagnosticado com a aids.
    Para começarmos nossa discussão, recorremos ao conceito de cinema como “ponte semântica”, fenômeno que ocorre quando a obra reitera padrões de reconhecimento intersubjetivos ou, pelo contrário, representa experiências de desrespeito que servem de combustível para as batalhas sociais.
    Esta abordagem é intrínseca ao conceito elaborado pelo sociólogo Axel Honneth (2009), que afirma que os seres humanos só se sentem plenamente realizados a partir do momento que são reconhecidos como sujeitos de valor pelos seus parceiros de interação .
    Se não é reconhecido, os indivíduos se estabelecem em condição de vulnerabilidade, um conceito que está comumente associado ao comprometimento da autonomia humana, impedindo que o individuo estabeleça uma compreensão positiva de si mesmo.
    Inserindo o cinema nessa equação, a partir do já apresentado conceito de “ponte semântica”, é importante ressaltar a potencialidade política das narrativas, algo que, para Sontag (2003), acontece devido a capacidade das histórias de serem revisitadas a qualquer momento, sem perder o universo contextual nas quais estão inseridas.
    Além disso, consideramos o cinema como aquilo que Hall (2016) chama de sistemas de representação. Para Turner (1997), os filmes são capazes de produzir e reproduzir significados culturais que se inserem, inevitavelmente, nos discursos e nas práticas de sociedade em que vivemos.
    Logo, um filme com temática sobre a aids movimenta, nos circuitos onde são exibidos, o campo simbólico-cultural de uma dinâmica que – ainda hoje – é moldada pelas semânticas e metáforas perversas sobre a doença, produzidas durante a “epidemia discursiva”.
    Epidemia discursiva é um conceito de Bessa (1997) que retoma as décadas de 1980 e 1990, quando diversos atores sociais produziam semânticas que relacionavam a aids à dizibilidades negativas, que iam da culpabilização do paciente soropositivo até a associação do vírus à metáfora da peste.
    Partindo para os aspectos metodológicos dessa pesquisa, observaremos o filme a partir de uma análise que contempla os discursos sociais inseridos pela diretora Marina Person em sua obra. Segundo Penafria (2009), a análise fílmica se estabelece a partir da decomposição do que se pretende observar e da interpretação dos elementos decompostos.
    Norteados pela perspectiva de Turner (1997) que encara o cinema como uma prática social, iremos – a partir de duas cenas – decompor as formas como a diretora descreve a aids, contrastando essas representações com as orientações simbólicas produzidas no contexto da epidemia discursiva.
    Entre os resultados obtidos nessa observação, focaremos no espaço delimitado por este resumo expandido, na associação entre a aids e aos considerados “grupos de risco”. Essa semântica se amparou nas estruturas heteronormativas vigentes na época que excluía a homossexualidade da gama de vivências possíveis no tecido social.
    Em uma das cenas analisadas, Estela diz para um amigo: “cara, se cê for gay, cê vai pegar aids”. Ao retomar esse pensamento comum durante a década de 1980, a diretora representa as experiências de desrespeito simbólico que existiam na época e que, por muito tempo, fez com que esse grupo pessoas tivessem sua relação consigo abalada.
    A importância de um filme, produzido na década de 2010, relembrar essas experiências de desrespeito é a de suscitar nos espectadores a possibilidade de observar as mudanças culturais ocorridas no período e a de, percebendo que ainda existem resquícios desse comportamento na atualidade, cumprir o papel de “ponte semântica” e se apresentar como combustível para a mobilização e as lutas sociais.

Bibliografia

    BESSA, M. S. A epidemia discursiva. In: Histórias positivas: a literatura (des)construindo a Aids. Rio de Janeiro: Record, p. 19-32, 1997.
    CALIFÓRNIA. Direção de Marina Person. Produção de Mira Filmes. Brasil: Vitrine Filmes, 90 min., cor, 2015.
    CARVALHO, C. A. de. Cinema e aids no mundo da vida: representações de vida e morte. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação. Covilhã: v. 1, p. 1-11, 2008.
    HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 260 p., 2016.
    HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 296 p., 2009.
    PENAFRIA, M. Análise de filmes: conceitos e metodologia(s). Anais do VI Congresso SOPCOM. Lisboa: p. 1-9, 2009.
    SONTAG, S. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 112 p., 2003
    SONTAG, S. Doença como metáfora e a aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 168 p., 2007.
    TURNER, G. Cinema como prática social. São Paulo: Summus Editorial, 176 p., 1997.