Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Danielle Bertolini da Silva (UFMT)

Minicurrículo

    Lésbica, mãe de Francisco e Gabriel, documentarista, produtora, roteirista e curadora desde 2000, agora mestranda em Estudos de Cultura Contemporânea, onde pesquisa o imaginário de mulheres negras de Vila Bela da Santíssima Trindade sobre Tereza de Benguela. Atua politicamente no audiovisual e tem se destacado na produção de curtas e telefilmes. Já produziu para os cineastas Joel Pizzini e João Moreira Salles, entre outras pessoas. Finaliza seu primeiro longa documentário “Plantadoras de Água”.

Coautor

    Andrea Ferraz Fernandez (UFMT)

Ficha do Trabalho

Título

    Um Giro decolonial na história amefricana: Tereza Benguela imaginada

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    A pesquisa mergulha na figura de Tereza de Benguela, ou a Rainha do Quariterê. A Enciclopédia Negra, lançada recentemente no Brasil, afirma que muito pouco se sabe sobre essa mulher africana escravizada, que chegou à região em torno de 1730. Neste contexto, a pesquisa busca examinar o imaginário das mulheres de Vila Bela da Santíssima Trindade em relação a Tereza e ao quilombo, destacando sua influência na cultura local. Pretende-se realizar um longa metragem como parte do resultado da mesma.

Resumo expandido

    Tereza de Benguela, uma figura lendária, emergiu como a líder do Quilombo do Quariterê, desafiando as estruturas opressoras da época e defendendo a liberdade de seu povo.
    Vila Bela da Santíssima Trindade foi a primeira capital de Mato Grosso, ainda no Brasil Colônia, e foi escolhida por ser um local estratégico, na divisa do Tratado de Tordesilhas..
    O Quilombo do Quariterê, um dos mais longevos existente àquela época, era liderado primeiro por José Piolho, marido de Tereza, e depois por ela própria quando ficou viúva.Tereza de Benguela é até os dias atuais uma referência muito forte para as mulheres de Vila Bela, cidade que hoje tem aproximadamente 11 mil habitantes, e é considerada a cidade mais negra de Mato Grosso.
    Esta pesquisa de mestrado aborda especificamente uma examinação da memória imaginada das mulheres de Vila Bela em relação a Tereza e ao Quilombo do Quariterê, destacando a influência duradoura desse período histórico na cultura local.
    O que pretendemos é que esta pesquisa, que é uma pesquisa acadêmica e artística, resulte em um filme longa metragem intitulado Somos Tereza. Na etapa da defesa da dissertação, entregarei a pesquisa de campo, personagens e o estudo da narrativa audiovisual em um dispositivo cinematográfico que resulte em um filme híbrido entre documentário e ficção.
    Mas como contar uma história de alguém que teve sua memória apagada pelos registros oficiais? Como escrever e filmar algo que não seja transformado em mais dor, além da dor já causada pela escravidão? Como contar a história de pessoas escravizadas? Como humanizá-las quando no passado arrancaram-lhe a humanidade através da escravidão?
    “Somos Tereza” propõe uma jornada cinematográfica que conecta a história de Tereza de Benguela com a realidade das mulheres de Vila Bela da Santíssima Trindade nos dias de hoje. Através de uma narrativa que oscila entre ficção e documentário, a obra explora as diferentes interpretações e representações de Tereza, revelando o legado que persiste nas mulheres que a evocam.
    O dispositivo fílmico criado para “Somos Tereza” dialoga com os princípios e metodologias da fabulação crítica de Saidiya Hartman, ao enfrentar os desafios de narrar a vida de pessoas escravizadas, como Tereza de Benguela, cuja humanidade foi sistematicamente negada pela escravidão.
    A construção do dispositivo fílmico em “Somos Tereza” envolveu um grupo de mulheres vilabelenses, que desempenharam papel crucial na pesquisa, podendo ser denominadas tanto como atrizes sociais ou personagens. O objetivo foi que essas mulheres imaginassem como era Tereza de Benguela, como seria a vida no quilombo que existiu na região onde elas vivem hoje, e como Tereza se faz presente nas vidas delas. A partir desses questionamentos, foi solicitado que elas indicassem cenas que não poderiam estar fora de um filme sobre a vida de Tereza de Benguela. Pretende-se com este processo de co-criação conjunta originar uma narrativa híbrida, um pêndulo oscilando entre a ficção e o documentário, e que também incorpora performances das mesmas, bem como de atrizes, tendo a participação especial da atriz Zezé Motta.
    Não se trata simplesmente de contar a história de Tereza de Benguela, mas de reescrevê-la de maneira não linear e criativa, ao invés de falar “sobre Tereza” ou “falar com” as mulheres envolvidas no projeto, busquei criar um ambiente de escuta próxima e colaborativa. O objetivo foi que a narrativa construída se tornasse mais genuína, a partir da perspectiva delas, evitando ao máximo qualquer tipo de imposição.
    A ética da pesquisa, central na metodologia de Hartman, também desempenha um papel crucial ao lidar com uma história tão sensível. Essa pesquisa pode ser vista como uma oportunidade de dar uma nova chance ao que foi apagado ou encoberto pela história oficial, ao mesmo tempo em que desafia o presente, colocando-o em crise e exigindo reflexão e elaboração.

Bibliografia

    FARIAS JÚNIOR, Emmanuel de Almeida. Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas. UNICAMP, 2011.
    GOMES, Flávio dos Santos. Enciclopédia Negra. Companhia das Letras, 2021.
    HARTMAN, Saidiya. Vidas rebeldes, belos experimentos: histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. Fósforo, 2022
    KOPENAWA, Dani; ALBERT, Bruce. A Queda do céu: Palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras, 2015.
    LEITE, José Carlos. Quilombolas do Vale do Guaporé: modos de conhecimento e territorialidade / José Carlos Leite, Verone Cristina da Silva. Cuiabá: EdUFMT; Ed. Sustentável, 2014.
    Mestre das Periferias: o encontro de Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Nêgo Bispo e Mariele Franco (in memorian)/ Jailson de Souza e Silva … [et al] – EDUNIperiferias, 2020.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus Editora, 2016.
    RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Mórula, 2019.