Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Cláudia Cardoso Mesquita (UFMG)

Minicurrículo

    Cláudia Mesquita é professora do Departamento de Comunicação e do PPGCOM/UFMG, onde integra os grupos de pesquisa Poéticas da Experiência e Poéticas Femininas, Políticas Feministas. Co-autora, com Consuelo Lins, de Filmar o real, sobre o documentário brasileiro contemporâneo, e co-organizadora, com María Ramia, de El otro cine de Eduardo Coutinho, publicado no Equador.

Ficha do Trabalho

Título

    “A maternidade golpeada”: modulações de uma forma histórica

Mesa

    Retomar e remontar: arquivos de maternidade na obra de Coutinho

Formato

    Presencial

Resumo

    Junto ao potente arquivo de mulheres-mães que nos oferece a filmografia de Eduardo Coutinho, buscamos elaborar a experiência do que chamamos de “maternidade golpeada” – a separação forçada ou perda violenta dos filhos –, tal como performada e narrada por uma série de personagens, inscritas em diferentes filmes: Dona Djanira (Babilônia 2000), Marina D´Elia (Jogo de Cena) e Marta (A família de Elizabeth Teixeira), entre outras mulheres.

Resumo expandido

    Quando Elizabeth Teixeira, protagonista de Cabra marcado para morrer, teve que se separar da maioria de seus filhos, em 1964, por força do golpe militar, sua filha caçula, Marinês, tinha apenas dois anos. Encontrada por Eduardo Coutinho no Rio de Janeiro, em 1982, aos 20 anos, Marinês já aparece à porta, na cena de Cabra, acompanhada de dois filhos pequenos. Sua irmã Marta também é filmada, no bar onde trabalhava, em Duque de Caxias (RJ), às voltas com suas crianças, de quem cuidava sozinha. Outras são as circunstâncias e motivações, certamente, mas a imagem da mulher só, cercada de filhos, se atualiza entre os registros de Elizabeth (imagens feitas por um fotógrafo do Jornal do Brasil), após o assassinato de João Pedro Teixeira, na Paraíba, em 1962, e as filmagens de Marta e Marinês, mães solitárias na periferia de um grande centro urbano, no começo dos anos 1980.
    Histórias de maternidade solitária, perda, abandono e violência de gênero pontuam os testemunhos das irmãs Marta e Marinês Teixeira (filmadas novamente por Coutinho em 2013, no documentário A família de Elizabeth Teixeira), assim como as narrativas de muitas mulheres inscritas na filmografia de Coutinho. Suas trajetórias performam vivências, opressões e resistências características da experiência das mulheres, em uma sociedade patriarcal moderna-colonial, nos termos de Rita Segato (2021). A vivência da maternidade – atravessada e modulada por opressões de classe, raça etc. – é uma delas. Como nos lembra Cynthia Sarti, o vínculo entre mãe e filhos torna a mulher particularmente vulnerável e suscetível à dor (2001, p.35), já que a despolitização do espaço doméstico, “encapsulado na família nuclear e encerrado na privacidade” (Segato, 2021: 114), vulnerabiliza e fragiliza as mulheres-mães, destinando-as ao trabalho reprodutivo, não mais vivido coletivamente (Idem: 31).
    Em seu testemunho em 2013, Marta Teixeira rememora o passado e conta sobre a perda de dois dos cinco filhos que teve: Leno e Marcelo foram assassinados em episódios tragicamente recorrentes nas vidas de jovens pobres, periféricos, racializados, em grandes cidades brasileiras. Aspecto extremo da vivência da maternidade, a perda violenta do(s) filho(s) é recorrente nas narrativas de outras mulheres que protagonizam a filmografia de Coutinho, a começar por Elizabeth. Em nossa apresentação, propomos montar e analisar as aparições de uma série de personagens coutinianas que – tendo, não raramente, criado os filhos sozinhas, ou dividindo-se entre cuidados e provisão – vivenciaram dolorosamente a sua perda: Dona Djanira (Babilônia 2000), Marina
    D´Elia (Jogo de Cena) e a própria Marta (A família de Elizabeth Teixeira), entre outras.
    Em Jogo de cena (2007), por exemplo, filme que justapõe testemunhos de diferentes mulheres e encenações (com atrizes) de relatos de histórias de vida recolhidos durante o processo, uma das narrativas mais marcantes é repetida rigorosamente por duas personagens: Lana Guelero e Marina D´Elia. Em diferentes momentos do filme, cada uma delas conta sobre o assassinato de um filho e sobre a longa travessia do luto. Quem terá vivido a experiência narrada? – não importa. Nesse filme que desestabiliza a relação entre fala e expressão subjetiva, “é como se”, nas palavras de Coutinho, “a mesma história pudesse ser encarnada em outros corpos e transformar-se em coletiva” (2013).
    Junto ao potente arquivo de mulheres-mães que nos oferece a filmografia do diretor, buscaremos elaborar modulações da experiência que chamamos de “maternidade golpeada” – a separação ou perda violenta dos filhos –, tal como performada e narrada por diferentes mulheres.

Bibliografia

    Coutinho, Eduardo. “Não quero saber como o mundo é, mas como está”. Entrevista a Maria Campaña Ramia. In: OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 318.

    Mesquita, Cláudia. A ferida que começou a abrir para nunca mais fechar: Elizabeth Teixeira, militância e maternidade no redemoinho da história. In R. Almeida et al (org.), Cabra marcado para morrer. São Paulo: FEUSP, 2023

    Mendes, Ana Carolina Nicolau. Por um cinema da diferença – um estudo sobre a presença feminina nos filmes de Eduardo Coutinho. Monografia de conclusão do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG: Belo Horizonte, 2019.

    Rocha, Ayala. Elizabeth Teixeira: Mulher da Terra. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009.

    Sarti, Cynthia. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. Cadernos Pagu 16. Campinas: Unicamp, 2001.

    Segato, Rita. Crítica da colonialidade em oito ensaios – e uma antropologia por demanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo,