Ficha do Proponente
Proponente
- Agnes Cardoso Gonçalves (UFSCar)
Minicurrículo
- Mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. Estuda as possibilidades de relações entre teorias queer e cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Em Busca de uma Análise Fílmica Queer em Titane
Formato
- Presencial
Resumo
- A apresentação busca encontrar caminhos possíveis para a produção de análises fílmicas que tenham como interesse a exploração do olhar queer nas obras cinematográficas. Dessa forma se busca compreender o que dizem os autores queers e o que podemos entender de suas análises sobre a realidade social/sexual quando confrontadas com teorias cinematográficas acerca da produção analítica.
Resumo expandido
- Os processos de transformações do corpo e, sobretudo, do corpo inscrito como biologicamente feminino, são centrais no cinema de Julia Ducournau. Em sua curta, porém premiada filmografia, a diretora francesa apresenta um universo cinematográfico conciso e rico de problematizações acerca de sexualidade, corpo e gênero. Como nas outras obras da diretora, no mais recente de seus filmes, Titane, lançado em 2021, o corpo das personagens ganha protagonismo. No filme acompanhamos Alexia, que após cometer uma série de assassinatos e engravidar de um carro tem de fugir da polícia se passando por Adrien, um menino que havia desaparecido a 10 anos. Dessa forma, Alexia/Adrien passa a viver com o pai do menino, Vincent, um bombeiro que enfrenta uma crise em sua masculinidade por estar envelhecendo. Ao mesmo tempo a/o protagonista tenta esconder as mudanças que seu corpo passa em decorrência da gravidez. Com esse brevíssimo resumo da narrativa já podemos perceber como as categorias de gênero, sexualidade e corpo são constantemente tensionadas ao longo da obra, sempre fugindo de uma noção de “naturalidade”.
Estas categorias apresentadas são também caras as teorias queer. Os teóricos queer buscam corpos, indivíduos e práticas que foram colocados à margem de uma vivência sexual hegemônica, a da heterossexualidade. Um sistema que é maior do que a prática sexual exclusiva entre homem/mulher, mas sim uma organização social que engloba as nossas relações interpessoais e obriga “a reduzir a superfície erótica aos órgãos sexuais reprodutivos e a privilegiar o pênis como único centro mecânico de produção de impulso sexual” (Preciado, 2017. p.26), utilizando dessa visão para dar a dinâmica entre corpos e grupos sociais. Os pensadores desta vertente buscam desconstruir a ideia de naturalidade dos corpos, dos desejos e acima de tudo dos sujeitos, defendendo que esse “natural” não passa de uma construção social, cultural e histórica.
A partir dos apontamentos questiono como compreender o pensamento queer dentro da análise fílmica, tendo em vista de diversas obras, tal qual Titane, apresentam as mesmas problemáticas que são caras ao queer. Busco, então, construir conexões entre as teorias do cinema acerca da análise de filmes e as teorias queer que fazem o mesmo com o sujeito. Para isso devemos abarcar alguns preceitos de análise, pois o pensamento queer não se propõe a dar respostas únicas e fechadas em relação aos seus objetos, mas sim de produzir críticas das posições sociais estabelecidas e reforçadas ao longo do tempo, fazendo um recorte das relações sociais/sexuais para instigar a seu questionamento radical. Como afirma Alós (2020, p.3) “Os estudos queer rejeitam as perspectivas universalistas e celebram o local e o ‘glocal’ (tudo está localizado em temporalidades e espacialidades, na história e na geografia, em especial quando estamos lidando com ‘corpos’, ‘desejos’, ‘prazeres’ e ‘afetos’)”. Dessa forma, assumindo a posição estabelecida por Aumont e Marie (2019, p. 39) de que “não existe um método universal de análise de filmes, pois cada análise é singular e adaptada ao seu objeto” e que é “interminável, pois haverá sempre mais elementos a analisar num filme (com risco de mudar de ponto de vista); também é um ato pessoal, baseado na invenção do analista.” (idem, p. 37).
Por fim, é preciso também assumir as características de ironia e blasfêmia essencial a estes textos (Haraway, 2019). Como diz Preciado (2017, p.40) “A contrassexualidade [teoria estabelecida pelo autor em seu manifesto], […], apela por uma queerização urgente da ‘natureza'”, devemos então seguir suas palavras e também queerizar a análise fílmica. Isso de forma nenhuma significa um abandono do rigor científico da análise, mas sim que ao deixar de lado uma certa severidade e sacralidade em relação ao objeto e as práticas teóricas, podemos desvelar outras posições e discursos que a priori poderiam não estar visíveis.
Bibliografia
- ALÓS, Anselmo Peres. Traduzir o queer: uma opção viável?. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 2, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/fJ96m3tkRTTB8vBfS68Jg7v/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 25 out. 2023.
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A análise do filme. Nova edição, inteiramente reescrita. Lisboa: Texto & Grafia, Lda. 2019.
HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (org). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.
PRECIADO, Paul B.. Manifesto contrassexual: Práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: N-1 edições, 2017.