Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Érico Oliveira de Araújo Lima (UFMG)

Minicurrículo

    Professor do Departamento de Comunicação da UFMG. Doutor em Comunicação pela UFF, em regime de cotutela com a Paris 3. Foi professor no Programa de Audiovisual da Escola de Cultura e Artes do Centro Cultural Bom Jardim e professor substituto no ICA-UFC. Foi coordenador pedagógico do Curso “O cinema e a experiência da vizinhança” (2017) e integrou equipes curatoriais (FestCurtasBH 2021; BEIRA Porto Velho, 2022). Fez parte da equipe pedagógica do Curso em Comunicação Social para Assentadas e Assentados da Reforma Agrária (UFC/Pronera, 2011).

Ficha do Trabalho

Título

    Poéticas e políticas de retomadas: imaginação, memória, território

Formato

    Presencial

Resumo

    Serão cotejados dois filmes, em discussão sobre retomadas de terras: “Nuhu Yag Mu Yog Ham: Essa Terra É Nossa!” (Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero, 2020) e “Nove Águas” (Gabriel Martins e Quilombo dos Marques, 2019). A comparação será atravessada pelo núcleo “Retomadas” (Sandra Benites e Clarissa Diniz), da exposição “Histórias Brasileiras” (MASP, 2022). Entre imaginação e testemunho, serão focadas ações expressivas de aliança com lutas por justiça e reparação.

Resumo expandido

    No Brasil, a história social e cosmológica das retomadas de territórios ancestrais pelos povos indígenas é atravessada por processos de autoafirmação coletiva, no vínculo entre terra e modos de existência. São táticas diversas, discutidas a cada contexto pelas lideranças, organizadas em assembleias e rituais (BENITES, 2014). Essa luta enfrenta as violências movidas por diversos empreendimentos de expropriação, na perpetuação do genocídio histórico inaugurado pela invasão colonial.

    Em 2022, a exposição Histórias Brasileiras (MASP) abrigou o núcleo “Retomadas”, proposto pelas curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz. No texto de abertura desse eixo, lemos: “trata-se de tomar de volta o que foi roubado pela colonização: o pleno direito a habitar e a pertencer aos seus territórios e às relações que conformam o tekoha” (BENITES; DINIZ, 2022, p.160). As curadoras operam um alargamento da própria concepção de retomada e propõem uma leitura transversal para processos de luta por justiça e por reparação. Enfatizar esse “tomar de volta” seria uma atitude que ajuda a pensar a vizinhança entre diferentes movimentos sociais, que confrontam uma “violência colonialmente acumulada sobre grupos minorizados” (idem, p.162).

    Examinarei, nesta comunicação, o ato curatorial de Benites e Diniz e alguns dos materiais organizados por elas, com destaque para as fotografias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e do próprio movimento indígena, numa iconografia de lutas distintas, mas aproximáveis. Farei esse primeiro movimento para, em seguida, cotejar dois filmes brasileiros recentes: “Nuhu Yag Mu Yog Ham: Essa Terra É Nossa!” (Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero, 2020) e “Nove Águas” (Gabriel Martins e Quilombo dos Marques, 2019).

    Em “Essa terra é nossa!”, acompanhamos caminhadas extensas por zonas de fronteiras conflituosas, percorridas pelos Tikmu’un, com gestos largos, na afirmação do pertencimento a essas terras e no testemunho da luta por retomada. Feito como um mapa audiovisual das terras dos Tikmu’un, o longa é introduzido por um prólogo que anuncia uma espécie de contra-história do Brasil, a partir do ponto de vista de povos originários, que rememoram a chegada dos invasores europeus e interrogam os arquivos coloniais produzidos pelos brancos sobre as terras que foram tomadas naquela época.

    Com “Nove Águas”, a parceria entre Martins e o Quilombo dos Marques permite recriar, por meio da ficção, a história de consolidação da comunidade quilombola em seu território e os processos de tensão com as empresas e com o Estado, que assediam os modos de vida do quilombo e tentam produzir expropriações. No processo fílmico e na luta a que se alia, trata-se de retomar uma história, mediar sua contação pelo cinema, para justamente garantir a permanência em território ancestral.

    Nesses processos, o cinema tenta se articular, na chave documental ou ficcional, com a reivindicação por direitos, envolvidos na ocupação da terra e na sustentação de modos de vida. Como já disse André Brasil, ao analisar outro contexto de alianças entre filmes e lutas, “o cinema prolonga a retomada e, ao mesmo tempo, permite que ela se crie como cena” (BRASIL, 2020, p.130). Trata-se de reivindicar memórias e historicidade, seja no confronto com a invasão colonial e seus ecos, seja na recuperação das resistências à escravidão, que ecoam nos modos de vida quilombolas.

    Entre imaginação e testemunho, a reunião das obras fornece elementos para uma heterogênea paisagem de retomadas. Aproximá-las será um movimento, a um só tempo, de afirmar caminhos singulares e de propor “solidariedades translocais” (GILROY, 2001, p.10). Juntas, elas indicam caminhos de leituras, perspectivadas, sobre modos de “tomar de volta”. A abordagem comparativa, como o movimento curatorial, é também um ato propositivo lançado às obras, para pensar, com elas, a formação brasileira, fraturada por violências e atravessada pelas lutas por justiça.

Bibliografia

    BENITES, T. Recuperação dos territórios tradicionais guarani-kaiowá. Crônica das táticas e estratégias. Journal de la Société des américanistes. T. 100, n.2, 2014.
    BENITES, S.; DINIZ, C. Retomadas. In: MASP Histórias Brasileiras. Org.: Pedrosa, A.; Rjeille, I. São Paulo: MASP, 2022.
    BRASIL, A. Rumo à terra do povo do raio: retomada das imagens, retomada pelas imagens em “Martírio” e “Ava Yvy Vera”. In: Furtado, B.; Parente, A.; Brasil, A. (Org.). Imagem e exercício da liberdade: cinema, fotografia e artes. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2020.
    GILROY, P. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: U. C. Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
    SOUTO, M.; ARAÚJO LIMA, É. Curadoria como exercício de cinema comparado. In: Crítica e curadoria no cinema: múltiplas abordagens (Org.: Rodrigues,L.). Belo Horizonte: Selo PPGCOM/UFMG, 2023.
    TUGNY, R. Escuta e poder na estética Tikmu’un. Rio de Janeiro: Museu do Índio Funai, 2011.