Ficha do Proponente
Proponente
- Renato Beaklini (PPGCOM/UFRJ)
Minicurrículo
- Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCINE/UFF) e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM/UFRJ). Graduado em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Foi bolsista de Iniciação Científica PIBIC-UFRJ de 2018 a 2020. Rio de Janeiro (RJ). Brasil.
Ficha do Trabalho
Título
- Arquivando a TV: repetição e interrupção em “Um dia na vida”
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho buscará perscrutar a montagem do filme “Um dia na vida” (Eduardo Coutinho, 2010) a partir de seu viés formal, mas também político. Argumentamos que o projeto estético de retomada das imagens da televisão aberta brasileira da obra se adequa aos conceitos agambianos de “parada” e “repetição”. E veremos como, assentado por essas noções, o projeto experimental de desvio das imagens televisivas empreendido pelo longa-metragem invoca a noção contemporânea de arquivo no campo audiovisual.
Resumo expandido
- Composto inteiramente de imagens da programação televisiva aberta brasileira, “Um dia na vida” (2010) é objeto estranho na filmografia de Eduardo Coutinho. Como sugere Lins (2010), trata-se do “negativo do cinema do diretor, uma espécie de reverso do que ele frequentemente fez, e também o que emerge nos interstícios das imagens e sons dos seus filmes” (p. 135-136). A técnica composicional pouco comum utilizada por Coutinho em “Um dia na vida” nos demanda, portanto, uma abordagem distinta daquela aplicada ao restante de sua filmografia, marcada por entrevistas e escassa presença de imagens de arquivo.
Beaklini e Leandro (2023), aproximam, esteticamente, os mecanismos de composição de Coutinho em “Um dia na vida” aos de Debord, ao longo de sua filmografia. Formulado em 1956 por Debord e Wolman (2014), o conceito de desvio surge como projeto político de intervenção sobre imagens já existentes, a fim de esvaziá-las de seu sentido primeiro. Para Debord, estratégia política, para Coutinho, ferramenta circunstancial. Todavia, ambos os desvios demarcam posições estéticas que desviam a trajetória das imagens do espetáculo, “colocando-as na contracorrente de um fluxo que as faria […] atravessar o nosso tempo rápido demais, quase imperceptíveis” (Beaklini; Leandro, 2023, p. 7).
Com base nessa aproximação de gestos de montagem aparentemente distintos, retomamos a leitura de Agamben (1998) sobre o cinema de Guy Debord. Mais especificamente, sobre as “duas condições transcendentais da montagem, a repetição e a parada” (p. 69, tradução nossa)¹. Ainda segundo Agamben, condições que Debord não inventou, mas fez aflorar, como também fez Godard em suas “História(s) do cinema”. Nossa hipótese é que Coutinho e Jordana Berg, montadora de “Um dia na vida”, fazem o mesmo em seu projeto experimental.
Agamben (1998) esboça um nexo entre a sua parada e a interrupção benjaminiana, assim como Beaklini e Leandro (2023) aproximam o método de montagem proposto por Berg e Coutinho ao “princípio da interrupção” (Benjamin, 1987, p. 133). Argumentamos, com efeito, que a repetição agambiana também é encontrada na retomada das imagens televisivas em “Um dia na vida”. Para Agamben (1998), “a força e a graça da repetição, a novidade que ela traz, é o retorno à possibilidade do que foi” (p. 70, tradução nossa)². Não seria esse retorno à possibilidade do que foi a restituição, em “Um dia na vida”, da “experiência da primeira vez que vimos televisão, sem a inocência da primeira vez” (Leandro, 2012, p. 12)?
A montagem de “Um dia na vida” se designa não só na perspectiva das noções agambianas de parada e repetição, mas, sob a égide delas, como um gesto político e histórico de democratização das imagens televisivas. Certeau (1982) argumenta que, tratando-se de história, o primeiro trabalho é o de uma nova distribuição cultural. Isto é, “transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira […], pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto” (p. 73).
Repetimos, nessa perspectiva, o questionamento de Beaklini e Leandro (2023): “não poderíamos ver, na retomada das imagens da televisão por parte de Coutinho, um gesto de natureza histórica, […] com vistas a uma historicização das imagens de nossa época” (p. 6)? Frente aos valores elevados cobrados pelas concessionárias pelos direitos de uso de tais imagens, mesmo estas sendo provenientes de concessões públicas, “Um dia na vida” se apresenta como material de arquivo “a ser, finalmente, apropriado pelo espectador” (Beaklini; Leandro, 2023, p. 22-23). Afinal, como podemos “falar de uma ‘comunicação dos arquivos’ sem tratar primeiramente do arquivo dos ‘meios de comunicação’” (Derrida, 2001, p.8)?
¹No original, “il y a deux conditions transcendantales du montage, la répétition et l’arrêt”.
²No original, “la force et la grâce de la répétition, la nouveauté qu’elle apporte, c’est le retour en possibilité de ce qui a été”.
Bibliografia
- AGAMBEN, Giorgio. Image et mémoire. Paris: Éditions Hoëbeke, 1998.
BEAKLINI, Renato; LEANDRO, Anita. A transformação das imagens em Um dia na vida: do fluxo televisivo ao arquivo audiovisual. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 1-25, 2023.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
CERTEAU, Michel De. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
DEBORD, Guy; Wolman, Gil. Mode d’emploi du détournement. Inter, Quebec, n. 117, p. 23-26, 2014. Originalmente publicado em 1956.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
LEANDRO, Anita. Desvios de Imagens. E-Compós, Brasília, n. 1, p. 1-17, 2012.
LINS, Consuelo. Do espectador crítico ao espectador-montador: Um Dia na Vida, de Eduardo Coutinho. Devires, Belo Horizonte, n. 2, p. 132-138, 2010.