Ficha do Proponente
Proponente
- NINA VELASCO E CRUZ (UFPE)
Minicurrículo
- Professora do curso de cinema e audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE. Possui diversas publicações nas áreas de fotografia, cinema e artes visuais.
Ficha do Trabalho
Título
- Rosto e rostidade em Perfect Days
Formato
- Presencial
Resumo
- Perfect Days (2023), de Wim Wenders, será analisado aqui, a partir do que tem sido alvo de críticas, mas também é visto como seu grande trunfo: a centralidade do protagonista no filme e o silêncio praticamente constante do mesmo. Para tal, buscaremos tratar da maneira como o filme coloca o rosto como um elemento central em sua construção estética, resgatando a importância desse elemento no cinema (AUMONT, 1993), assim como os conceitos imagem-afeção e rostidade (DELEUZE, 1996).
Resumo expandido
- Perfect Days (2023) marca o retorno do diretor Wim Wenders à produção de longas metragens de ficção voltado às salas de cinema e a um público relativamente grande, após mais de uma década dedicado a documentários, curtas metragens e programas televisivos. O filme obteve reconhecimento de grande parte da crítica internacional, tendo recebido o prêmio melhor ator em Cannes (para Koji Yakusho) e sido indicado a melhor filme internacional no Oscar de 2024, assim como tem alcançado bons números de bilheteria no mundo inteiro. No entanto, uma parte do público cinéfilo e dos críticos não reconhece no filme um trabalho à altura dos grandes momentos do diretor. Não se trata aqui de propormos uma crítica no sentido de uma avaliação positiva ou negativa da obra, mas de colocar algumas potencialidades e particularidades do filme, especialmente no que concerne o que causa incômodo em alguns e também é visto como o grande trunfo por outros: a centralidade do protagonista no filme (e, consequentemente, a atuação de Koji Yakusho) e o silêncio praticamente constante do mesmo. Para tal, buscaremos tratar da maneira como o filme coloca o rosto como um elemento central em sua construção estética, resgatando a importância desse elemento no cinema desde seus primórdios (AUMONT, 1993), assim como conceitos provenientes da relação rosto/primeiro plano/cinema, como imagem-afeção e rostidade (DELEUZE, 1983).
O filme, que foi concebido como uma encomenda de documentário sobre um conjunto de banheiros públicos de Tóquio, cuja arquitetura foi planejada por uma série de artistas, parte de uma narrativa bastante simples e singela, centrada no cotidiano de Hirayama, um funcionário encarregado da limpeza dos sanitários municipais da metrópole. Estruturado pela repetição dos hábitos regrados de Hirayama, a cada dia acompanhamos sua rotina solitária, desde o acordar ao som de uma vassoura, até o momento em que sonha com as reminiscências de seu dia. Somos tentados a ver nesse dispositivo de repetição e variação uma referência aos filmes experimentais da geração americana da década de 1970, da qual Wenders faz parte, e à música minimalista que foi sua inspiração, como observou o crítico Richard Brody (2024). No entanto, o filme possui alguns elementos narrativos que fogem ao rigor dessa tradição, como uma montagem que vai se tornando mais rápida a cada dia repetido (com as elipses temporais tornando menos monótona a estrutura), e os poucos momentos em que o personagem tem interações sociais inesperadas.
Essas interações, no entanto, não levam a consequências ou mudanças, como em um arco narrativo clássico. Elas formam micro-narrativas que se interconectam tendo como centro a vida austera de Hirayama, cujo passado e pensamento (não há voz off) não são acessíveis ao espectador. Pouco sabemos sobre o personagem para além do que é mostrado através de seu cotidiano, praticamente não há diálogos. No entanto, nos aproximamos cada vez mais desse corpo, cuja centralidade se faz nos gestos de acordar, levantar, lavar o rosto, cortar os bigodes e fazer a barba, sair de seu pequeno apartamento, olhar para o céu e dar um leve sorriso antes de ir trabalhar. Esse é o primeiro momento em que vemos a máquina da rostidade (DELEUZE, 1996, p. 30) funcionar. A transformação do corpo em rosto, que cria uma tela/muro branco com buracos negros subjetivantes é exatamente, para Deleuze, o que caracteriza a imagem-afecção no cinema – que corresponde ao primeiro plano, seja ele de um rosto ou de um objeto inanimado (DELEUZE, 1983, p. 104). Mas, aqui, de que tipo de rosto se trata? Um rosto intensivo, para o qual podemos perguntar: em que você pensa? Ou um rosto expressivo, para o qual perguntaríamos: o que você sente, ressente?
Buscaremos tratar dessa questão indo além da referência deleuziana, buscando em autores como COURTINE, HAROCHE (2016) e AUMONT (1993), outras maneiras de entender a história do rosto, especialmente no que diz respeito à sua importância na linguagem cinematográfica.
Bibliografia
- AUMONT, J. Du visage au cinema. Pris: Éditions de L´étoile, 1992
BRODY, Richard. Perfect Days and the perils of minimalism. The New Yorker, 30 de março de 2024. Di
COURTINE; HAROCHE. História do rosto: exprimir e calar as emoções. Petrópolis: Editora Vozes, 2016
DELEUZE, G. Imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
_____________. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1996.
ROBERT, V. Archeologie du visage au cinema. In: GUIDO, ROCHERE, Visages, histoires, répresentations, créations. Paris: Éditions BHMS, 2017.