Ficha do Proponente
Proponente
- Marcel Gonnet Wainmayer (PPGCine-UFF)
Minicurrículo
- É Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense – PPGCine-UFF (2020). Possui Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense – PPGCOM-UFF (2017). Possui Licenciatura em Jornalismo – Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina (2004). Dirigiu 5 longas documentários, e integra a Asociación de Documentalistas Argentinos (DOCA) e Directores Argentinos Cinematográficos (DAC).
Ficha do Trabalho
Título
- O filme como oficina artesanal: La Commune de Peter Watkins
Formato
- Presencial
Resumo
- O filme La Commune (Paris, 1871) de Peter Watkins dedica-se aos eventos que culminaram com a Semana Sangrenta em Paris, e também põe em cena o próprio trabalho de produção e circulação de imagens, num processo comunitário de realização audiovisual. O filme permite vasculhar o que poderíamos considerar a oficina/ateliê artesanal no âmbito do cinema, a partir das noções de Richard Sennett sobre a oficina medieval, a guilda e os espaços de produção e aprendizagem no artesanato.
Resumo expandido
- O filme La Commune (Paris, 1871), do inglês Peter Watkins, reconstrói a insurreição parisiense de 1871, ao mesmo tempo que questiona os meios massivos de comunicação de massas. Filmado nos antigos estúdios de Georges Méliès nos subúrbios de Paris, o filme dedica-se não somente aos eventos que culminaram com a Semana Sangrenta em Paris, senão que também põe em cena o próprio trabalho de produção e circulação de imagens, num processo comunitário de realização audiovisual.
Proponho-me a considerar a dimensão artesanal do filme, no sentido que Richard Sennett deu ao termo para referir-se ao âmbito da oficina medieval, da guilda e dos antigos espaços de produção e transmissão de saber no artesanato (SENNETT, 2009, p. 68). Ainda que não possamos aplicar a categoria “artesanal” a todo cinema comunitário ou de autoria coletiva, a qualidade artesanal pressupõe, segundo Sennett, um saber comunitário, que no filme de Watkins ocupa um lugar central.
A carreira de Watkins, ganhador do Oscar ao Melhor Documentário em 1966 por The War Game, é marcada pelas suas críticas à indústria cinematográfica, em particular aos seus formatos e “narrativas totalitárias”, as quais chama de “Monoforma” (WATKINS, 2017, p. 45). Também é reconhecido pela experimentação no âmbito do documentário, tanto formal quanto nos modos de produção, contra os cânones da indústria e os meios massivos.
No longo plano-sequência inicial de La Commune, realizado com câmera na mão, atravessamos uma pequena porta para dar com um set de filmagens, ao qual a câmera acessa por detrás. Pode-se ver o diretor, os técnicos de som e os assistentes sentados frente a dois atores, que agora miram para a câmera. Os atores se apresentam como o que são: atores representando jornalistas de TV durante os episódios da Comuna, entre março e maio de 1871. A câmera mostra os cenários nos quais, segundo nos informa um dos atores, foram filmadas as cenas do filme de Watkins durante as últimas três semanas. A sua colega explica que as filmagens acabam de terminar, e o plano sequência continua introduzindo os espaços e alguns dados históricos. A câmera chega até um grupo de atores, na primeira “entrevista” da televisão. Um pai com seu filho adolescente explica a sua situação de desemprego. O microfone passa rapidamente para uma mulher, que relata a falta de alimentos na cidade, tomada pela fome.
O anacronismo de colocar em cena o dispositivo do noticiário de televisão, num registro “ao vivo” em meio a cenários e vestuário teatral de 1871, é o que primeiro ressalta no filme. No entanto, a proposta de Watkins vai muito além: “A nossa forma distingue-se pela utilização de longos planos-sequência, e pela duração completamente inusual do filme, tal e como resulta do processo de montagem. O mais importante, em particular num filme como La Commune, é que os limites entre ‘forma’ e ‘processo’ se diluem: a forma permite que o processo se desenvolva: mas, sem processo, a forma por sim mesma não faria nenhum sentido” (WATKINS, 2017, p. 224, tradução nossa).
O filme, com uma duração de 5 horas e 45 minutos, coloca em cena o discurso da TV Nacional de Versailles, que apoia o antigo regime, e a TV Comuna, que apoia a revolução. O filme foi feito junto com a companhia de teatro La parole errante, cujos atores participaram das pesquisas e de discussões para a preparação de suas intervenções, num exercício de realização audiovisual comunitária.
A Comuna de Paris como cenário para a dissolução entre formas e processos na produção do filme de Watkins permite vasculhar o que poderíamos considerar a oficina/ateliê artesanal no âmbito do cinema, e aportar uma definição do chamado “cinema artesanal”, cuja menção nos estudos de cinema poucas vezes é acompanhada de definições ou delimitações conceituais. O trabalho se propõe continuar com a pesquisa sobre as relações entre o campo dos estudos do cinema e a teoria do artesanato.
Bibliografia
- BRATU HANSEN, Miriam. Cine y Experiencia. Siegfried Kracauer, Walter Benjamin y Theodor W. Adorno. Trad. Hugo Salas. Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2019.
CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
COMOLLI, Jean-Louis e SORREL, Vincent. Cine, modo de empleo: De lo fotoquímico a lo digital. Buenos Aires: Manantial, 2016.
MICHAUD, Philippe-Alain. Filme: por uma teoria expandida do cinema. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
MIGLIORIN, Cezar. Por um cinema pós-industrial. Notas para um debate. Revista Cinética. Cinema e Crítica. Fevereiro de 2011.
SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015.
SOLOMON, Matthew. Méliès Boots. Footwear and Film Manufacturing in Second Industrial Revolution Paris. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2022.
WATKINS, Peter. La crisis de los medios. Logroño: Pepitas de calabaza, 2017.