Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Giancarlo Backes Couto (PUCRS)

Minicurrículo

    Bolsista de Doutorado M e D CNPq em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, na linha de pesquisa Cultura e Tecnologias das imagens e dos imaginários, com período sanduíche na Université Paul-Valéry, Montpellier 3. Mestre na mesma área e Programa, com bolsa CAPES/PROSUC. Graduado em Jornalismo pela Universidade Feevale (2016), e Filosofia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL.

Ficha do Trabalho

Título

    O Estranho Mundo de Zé do Caixão e os alunos do Curso de Censura

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta apresentação investiga 23 relatórios de censura produzidos por alunos do Curso de Censor Federal, realizado em 1968, em exercício de análise do filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, de José Mojica Marins. A metodologia de análise dos documentos coletados no Acervo da DCDP no Arquivo Nacional parte de Michel Foucault (2001) para examinar os discursos, destacando a produção de um discurso sobre o anormal e criação de uma técnica censória que visava aprimorar os mecanismos de controle.

Resumo expandido

    Essa apresentação objetiva analisar 23 pareceres censórios produzidos por alunos do Curso de Censor Federal da Academia Nacional de Polícia, no dia 31 de julho de 1968. Esta documentação, coletada no Acervo da DCDP no Arquivo Nacional, fez parte de um exercício de aula, no qual os alunos assistiram ao filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, de José Mojica Marins, e escreveram seus relatórios sobre este. Essa foi a primeira turma do curso e nossa hipótese é que, ao analisar tais objetos, podemos entender alguns dos discursos que circulavam na censura produzida pela Ditadura Civil-Militar. Como Carneiro (2013) mapeia, foram 12 cursos para Censor Federal produzidos durante o governo militar, além de seminários, palestras e encontros para o aprimoramento da censura. Esses cursos visavam a formação de censores, visto que estes recebiam muitas críticas por parte de setores da sociedade (STEPHANOU, 2004). Desse modo, os pareceres produzidos se mostram como fecunda fonte de análise desses discursos e técnicas censórias.
    Ao analisar esses relatórios notamos que se sobressaem o que classificamos como dois tipos de categorias discursivas diferentes, o discurso sobre o anormal e uma incipiente técnica censória. O primeiro advém majoritariamente de discursos produzidos pela imprensa e pelo próprio Mojica desde o lançamento de À Meia-Noite Levarei sua Alma (1964), já o segundo demonstra a crescente preocupação de estabelecimento de um saber censório dentro da divisão. Assim, trataremos deles de maneira a salientar que esses documentos se mostram importantes por serem produzidos justamente em um momento de mudança nos discursos dos censores acerca da figura de Mojica e seus filmes, destacando um período de dobra na censura, demarcado por diferentes fases. Como Stephanou (2004) aponta, a censura pode ser dividida em três fases durante o governo militar: uma censura policial, nos anos 1960, uma censura técnica nos anos 1970 e uma censura moralizadora nos anos 1980. Nesse limiar de 1968, notamos a permanência de um discurso policial, que ainda tutela sobre personagens em tela e alguns indícios da busca por uma censura mais técnica e burocrática que será constantemente aprimorada na década seguinte. Além disso, cada relatório possui uma nota classificatória pelo professor, do “muito bom”, passando por “bom” até o “satisfatório”. Este ponto possibilita vislumbrar também como os exercícios foram classificados pelo tutor, a partir de critérios que identificam o que seria um relatório de censura ideal.
    Nossa metodologia parte da análise dos discursos produzida por Michel Foucault (2001), assim priorizamos aqui os documentos pela economia dos discursos, a saber, a maneira pela qual certos sujeitos produzem e fazem circular determinados enunciados. Logo, partimos também da relação saber/poder, entendendo que determinados discursos que são estabelecidos na sociedade como norma estão ligados diretamente a estratégias e controle de poder. Deste modo, acreditamos que quando os censores estabeleciam um discurso sobre um censurado estavam conduzindo e não apenas suprimindo a linguagem. Daí acreditarmos na importância de analisar o conteúdo desses exercícios de aula, pois eles podem nos indicar as técnicas de produção de um saber censório, utilizado assim como um dispositivo de poder do governo.
    Nossas conclusões versam sobre as maneiras pelas quais a censura federal estabelecida durante a Ditadura Civili-Militar se organizou através da produção de diversos discursos a fim de tutelar sobre sujeitos vistos como desviantes. Além disso, notamos diferentes técnicas de censura produzidas a partir de saberes das Ciências Humanas, de modo a revestir a censura de um caráter técnico, buscando capacitar seus funcionários, diminuir críticas externas e aprimorar o controle sobre a cultura.

Bibliografia

    CARNEIRO, Ana Marília. Signos da Política, representações da subversão: a Divisão de Censura de Diversões Públicas na Ditadura Militar brasileira. 2013, 244 p. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
    FAGUNDES, Coriolano de Loyola Cabral. Censura & liberdade de expressão. 1. ed. São Paulo: Editora do Autor, 1975.
    FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). 1. ed. São
    Paulo: Martins Fontes, 2001.
    KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. 1. ed. rev. São Paulo: Boitempo, 2012.
    STEPHANOU, Alexandre Ayub. O procedimento racional e técnico da censura federal brasileira como órgão público: um processo de modernização burocrática e seus impedimentos (1964-1988). 2004, 358 p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.