Ficha do Proponente
Proponente
- Karen Barros da Fonseca (PUC-Rio)
Minicurrículo
- Mestre em Letras com grau em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, onde defendeu a dissertação “Godard em Moçambique: projeto fantasma, imagens sobreviventes” sob orientação do curador Prof. Dr. Luiz Camillo Osorio. Atualmente é doutorando no mesmo programa, onde desenvolve pesquisa sobre as relações entre cinema e política em contextos de descolonização. Tem graduação em Cinema pela UFF e forte atuação profissional no mercado audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- Godard em Moçambique: rastros de um projeto frustrado
Formato
- Presencial
Resumo
- Em 1978, Godard, através da sua produtora Sonimage, assinou um contrato com o governo de Moçambique para a filmagem de uma série e a implementação de uma rede de TV no país. Nunca concretizado, o projeto será revisitado nos filmes Changer d’Image (1982), Histoire(s) du Cinéma (1988) e Khan Khanne (2013), de onde pode-se traçar um percurso crítico do cineasta sobre a experiência, levantando questões acerca do cinema como instrumento de ação política e as formas estéticas derivadas desta busca.
Resumo expandido
- A partir da análise dos filmes Changer d’Image (1982), um trecho de Histoire(s) du Cinéma (1988) e Khan Khanne (2013), propomos um caminho crítico percorrido por Jean-Luc Godard sobre a sua passagem por Moçambique em 1978, para a realização de um projeto em conjunto da sua produtora Sonimage e o governo da FRELIMO.
O projeto, cuja primeira etapa consistia na filmagem de uma série audiovisual intitulada Nascimento (da Imagem) de uma Nação, previa desde uma formação técnica a cidadãos moçambicanos até reuniões com autoridades, e tinha, como objetivo final, a implementação de uma rede de televisão independente no país recém-saído do domínio colonial português. A proposta estava em consonância com as investigações sobre a comunicação de massa empreendidas por Godard e Anne-Marie Miéville desde 1973, e também carregava reflexos da práxis militante de Godard junto ao extinto Grupo Dziga Vertov ao acompanhar movimentos revolucionários pelo mundo. Mas, no entanto, o projeto nunca saiu do papel e foi cancelado ainda nos primeiros meses: Godard não realizou filme algum em Moçambique e a televisão foi implementada alguns anos depois, sem nenhuma ingerência do cineasta.
A despeito do fracasso, ou mesmo por conta deste, é possível encontrar rastros desta experiência em sua obra, que aparecem nos três filmes acima citados de formas diferentes, direta ou indiretamente. No filme de 1982, uma encomenda para a televisão francesa sobre a chegada de Mitterrand ao poder, apresenta-se como uma narração em off, de forma cifrada. No episódio 2A da série Histoire(s), como imagens de arquivo, com a reutillização de fotografias feitas em Moçambique. No curta de 2013, um filme-carta enviado ao Festival de Cannes para a apresentação do longa Adeus à Linguagem, a referência aparece somente em um intertítulo onde se lê FRELIMO em letras garrafais, sem nenhuma outra palavra ou imagem.
A proposta desta comunicação é pensar nestas “citações”, procedimento tão comum no cinema godardiano, como uma forma onde o cineasta, ao revisitar sua passagem por Moçambique, coloca-a em perspectiva, tanto da sua própria trajetória, quanto da relação entre o cinema e a política. O projeto moçambicano, facilmente capturável por um olhar dicotômico que opõe um projeto de investigação estética de um cineasta europeu a um processo político de descolonização no continente africano, estava envolto em impasses. O principal talvez estivesse mesmo no cerne do projeto: seria possível criar em África uma televisão completamente independente da indústria audiovisual do Ocidente? Como Godard poderia realmente contribuir neste processo? Em jogo, estava a procura estética de uma imagem revolucionária, da intenção de uso do audiovisual como um instrumento de emancipação política, e os limites envolvidos nesta busca. Outro ponto, não menos importante, era (im)possibilidade de adesão de Godard a um projeto oficial de cultura: para um cineasta que afirmava que onde há governo não pode haver criatividade, trabalhar para a FRELIMO não era uma contradição?
E são a estes impasses que Godard parece tentar responder nestas obras separadas pelo tempo. Vistos em perspectiva comparada, é possível imaginar um caminho, que parte de uma nova proposição estética, a “mudança de imagem” que dá nome ao curta de 1982; segue para uma reflexão política sobre o colonialismo europeu e sua produção imagética, nas história(s) do cinema uma década depois; e chega à inclusão da experiência no processo que o leva ao “adeus à linguagem”, 35 anos após a viagem a Moçambique. Analisaremos cada um dos filmes em seu contexto material – tipos de plano, uso do som, montagem, etc., em relação ao contexto de sua realização, identificando pontos de contato e divergências. Assim talvez seja possível pensar a passagem de Godard em Moçambique como um passo, ainda que em falso, determinante de sua trajetória.
Bibliografia
- Mestre em Letras com grau em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, onde defendeu a dissertação “Godard em Moçambique: projeto fantasma, imagens sobreviventes” sob orientação do curador Prof. Dr. Luiz Camillo Osorio. Atualmente é doutorando no mesmo programa, onde desenvolve pesquisa sobre as relações entre cinema e política em contextos de descolonização. Tem graduação em Cinema pela UFF e forte atuação profissional no mercado audiovisual, como roteirista, diretora, montadora e curadora de festivais e mostras. Escreveu e dirigiu seis curtas metragens, apresentados nos festivais mais importantes do Brasil; montou mais de 20 filmes, entre curtas, médias e longas; foi uma das idealizadoras do cineclube Cachaça Cinema Clube, importante espaço de exibição e formação de público para o cinema brasileiro; e hoje é coordenadora da mostra Première Brasil no Festival do Rio e produtora criativa na Raccord Produções.