Ficha do Proponente
Proponente
- Pedro Oliveira G. de Arruda (Unesp)
Minicurrículo
- Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Unesp. Mestre em Comunicação pela FAAC/Unesp e bacharel em Imagem e Som pela UFSCar.
Ficha do Trabalho
Título
- Contagem Transfer: A Vizinhança do Tigre e o romance coletivista
Formato
- Presencial
Resumo
- Este trabalho compara a forma do filme A Vizinhança do Tigre (2012) com a forma coletivista dos romances do escritor John dos Passos, citado pelo diretor Afonso Uchôa como uma influência para o filme. Com base na análise da cítrica literária Barbara Foley (1993), exploramos como o filme incorpora a ideia de que o todo é maior que a soma de suas partes, chama a atenção para o artificio narrativo e estabelece vínculos documentais.
Resumo expandido
- A Vizinhança do Tigre estreou em 2012 na Mostra de Cinema de Tiradentes e conquistou os prêmios de melhor filme do júri jovem e da crítica na Mostra Aurora. Também conquistou outros prêmios no Brasil e no exterior, projetando o diretor Affonso Uchôa como um dos nomes de relevo do novo cinema brasileiro. O longa-metragem, concebido em colaboração com João Dumans, Aristides de Souza, Maurício Chagas, Wederson dos Santos, Eldo Rodrigues e Adílson Cordeiro, foi filmado entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2013, em Contagem, cidade vizinha a Belo Horizonte.
Em A Vizinhança do Tigre, deparamo-nos com uma visão multifacetada da juventude na periferia, que não a reduz a pobreza e a violência. O filme tem lugar no bairro Nacional e acompanha o cotidiano de cinco jovens: Junim (Aristides de Souza), Menor (Maurício Chagas), Neguim (Wederson dos Santos), Eldo (Eldo Rodrigues) e Adílson (Adílson Cordeiro). A narrativa do filme nos convida a comparar e contrastar as personalidades desses personagens, as fases da juventude que atravessam, as escolhas que fazem e o furor que enfrentam. Essas analogias fazem com que o filme seja mais rico e complexo do que seria se tivesse se concentrado em apenas um dos jovens.
A narrativa do filme opera por aproximações e variações sucessivas em torno do tema da juventude, sem se prender a um único personagem. Essa dispersão do foco de interesse narrativo do filme ecoa a forma como os romances do escrito John Dos Passos são organizados. Em entrevista a Érico Araújo Lima, publicada na revista Sobrecinema, Uchôa comentou a respeito dessa influência: “Desde o princípio quis explorar no cinema algo parecido com a forma com que o escritor norte-americano John dos Passos organizava seus livros. Queria um ‘romance coletivista’, com várias histórias e fragmentos irregulares de vida contando uma história maior, a do seu próprio tempo e país. No Vizinhança, há um pouco disso: passamos por cinco vidas. Por algumas, de modo bem breve, quase episódico. Em outras, nos detemos mais tempo. Em todas, saímos sem a conclusão final: captamos uma passagem, uma fagulha da vida dos personagens.”
Assim, uma perspectiva promissora para compreendermos o trabalho formal do filme é situá-lo em relação a forma como John dos Passos organizava seus romances, entre os quais Manhattan Transfer (1925) e a trilogia USA, composta por The 42nd Parallel (1930), 1919 (1932) e The Big Money (1936). Considerada sua magnum opus, essa trilogia amalgama a narrativa de personagens fictícios de diferentes classes sociais com manchetes de jornais, letras de música, biografia de figuras históricas e trechos de fluxo de consciência autobiográfico para compor um painel social e político dos EUA.
Em Radical Representations (1993), Barbara Foley identifica Dos Passos como o principal expoente do romance coletivista, um modo americano de ficção proletária. Segundo a autora, o romance coletivista se distingue por três características principais. Primeiro, o coletivo é um fenômeno maior do que a soma das pessoas que o constitui. Segundo, procedimentos experimentais frequentemente chamam a atenção para o artifício literário, desmistificando a ilusão ficcional. Terceiro, o romance coletivista muitas vezes estabelece vínculos documentais e referenciais com o mundo do leitor.
Essas características do romance coletivista podem ser identificadas em muitos momentos de A Vizinhança do Tigre e ajudam a explicar parte considerável da sua forma. Desse modo, este trabalho busca comparar a forma do filme de Uchôa com a forma coletivista dos romances de Dos Passos. Partindo do trabalho literário de Foley (1993), procuramos demonstrar como o filme põe em questão as fronteiras entre a ficção e a não ficção, chama a atenção do espectador para a sua construção narrativa e sugere que os seus cinco personagens não devem ser vistos isoladamente uns dos outros, mas sim como membros de um todo maior, representado no filme pelo bairro Nacional.
Bibliografia
- CHIARETTI, Maria Leite; ARAÚJO, Mateus. A periferia reimaginada. Aniki, v. 7, n. 2, p. 192-211, 14 jul. 2020.
FOLEY, Barbara. Radical Representations: Politics and Form in U.S. Proletarian Fiction, 1929-1941. Durham: Duke University Press, 1993.
GUIMARÃES, Cesar. Na vizinhança do tigre: lá onde a vida é prisioneira. Revista Eco-Pós, v. 20, n. 2, p. 17-31, 14 set. 2017.
LIMA, Érico Oliveira de Araújo. Quando o cinema se faz vizinho. Significação, v. 44, n. 47, p. 51-70, 13 jul. 2017.
UCHÔA, Affonso. Falta coragem para festivais se abrirem a filmes autorais, diz vencedor de Tiradentes. [Entrevista concedida a] Adriano Garret. 2014. Cine Festivais. Disponível em: .
UCHÔA, Affonso. Conversa com Affonso Uchoa: “Ver a vida e o corpo periférico morando dentro do cinema”. [Entrevista concedida a] Érico Araújo Lima. Revista Sobrecinema, v. 5, n. 1, 25 abr. 2016.