Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Oliveira G. de Arruda (Unesp)

Minicurrículo

    Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Unesp. Mestre em Comunicação pela FAAC/Unesp e bacharel em Imagem e Som pela UFSCar.

Ficha do Trabalho

Título

    Contagem Transfer: A Vizinhança do Tigre e o romance coletivista

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho compara a forma do filme A Vizinhança do Tigre (2012) com a forma coletivista dos romances do escritor John dos Passos, citado pelo diretor Afonso Uchôa como uma influência para o filme. Com base na análise da cítrica literária Barbara Foley (1993), exploramos como o filme incorpora a ideia de que o todo é maior que a soma de suas partes, chama a atenção para o artificio narrativo e estabelece vínculos documentais.

Resumo expandido

    A Vizinhança do Tigre estreou em 2012 na Mostra de Cinema de Tiradentes e conquistou os prêmios de melhor filme do júri jovem e da crítica na Mostra Aurora. Também conquistou outros prêmios no Brasil e no exterior, projetando o diretor Affonso Uchôa como um dos nomes de relevo do novo cinema brasileiro. O longa-metragem, concebido em colaboração com João Dumans, Aristides de Souza, Maurício Chagas, Wederson dos Santos, Eldo Rodrigues e Adílson Cordeiro, foi filmado entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2013, em Contagem, cidade vizinha a Belo Horizonte.
    Em A Vizinhança do Tigre, deparamo-nos com uma visão multifacetada da juventude na periferia, que não a reduz a pobreza e a violência. O filme tem lugar no bairro Nacional e acompanha o cotidiano de cinco jovens: Junim (Aristides de Souza), Menor (Maurício Chagas), Neguim (Wederson dos Santos), Eldo (Eldo Rodrigues) e Adílson (Adílson Cordeiro). A narrativa do filme nos convida a comparar e contrastar as personalidades desses personagens, as fases da juventude que atravessam, as escolhas que fazem e o furor que enfrentam. Essas analogias fazem com que o filme seja mais rico e complexo do que seria se tivesse se concentrado em apenas um dos jovens.
    A narrativa do filme opera por aproximações e variações sucessivas em torno do tema da juventude, sem se prender a um único personagem. Essa dispersão do foco de interesse narrativo do filme ecoa a forma como os romances do escrito John Dos Passos são organizados. Em entrevista a Érico Araújo Lima, publicada na revista Sobrecinema, Uchôa comentou a respeito dessa influência: “Desde o princípio quis explorar no cinema algo parecido com a forma com que o escritor norte-americano John dos Passos organizava seus livros. Queria um ‘romance coletivista’, com várias histórias e fragmentos irregulares de vida contando uma história maior, a do seu próprio tempo e país. No Vizinhança, há um pouco disso: passamos por cinco vidas. Por algumas, de modo bem breve, quase episódico. Em outras, nos detemos mais tempo. Em todas, saímos sem a conclusão final: captamos uma passagem, uma fagulha da vida dos personagens.”
    Assim, uma perspectiva promissora para compreendermos o trabalho formal do filme é situá-lo em relação a forma como John dos Passos organizava seus romances, entre os quais Manhattan Transfer (1925) e a trilogia USA, composta por The 42nd Parallel (1930), 1919 (1932) e The Big Money (1936). Considerada sua magnum opus, essa trilogia amalgama a narrativa de personagens fictícios de diferentes classes sociais com manchetes de jornais, letras de música, biografia de figuras históricas e trechos de fluxo de consciência autobiográfico para compor um painel social e político dos EUA.
    Em Radical Representations (1993), Barbara Foley identifica Dos Passos como o principal expoente do romance coletivista, um modo americano de ficção proletária. Segundo a autora, o romance coletivista se distingue por três características principais. Primeiro, o coletivo é um fenômeno maior do que a soma das pessoas que o constitui. Segundo, procedimentos experimentais frequentemente chamam a atenção para o artifício literário, desmistificando a ilusão ficcional. Terceiro, o romance coletivista muitas vezes estabelece vínculos documentais e referenciais com o mundo do leitor.
    Essas características do romance coletivista podem ser identificadas em muitos momentos de A Vizinhança do Tigre e ajudam a explicar parte considerável da sua forma. Desse modo, este trabalho busca comparar a forma do filme de Uchôa com a forma coletivista dos romances de Dos Passos. Partindo do trabalho literário de Foley (1993), procuramos demonstrar como o filme põe em questão as fronteiras entre a ficção e a não ficção, chama a atenção do espectador para a sua construção narrativa e sugere que os seus cinco personagens não devem ser vistos isoladamente uns dos outros, mas sim como membros de um todo maior, representado no filme pelo bairro Nacional.

Bibliografia

    CHIARETTI, Maria Leite; ARAÚJO, Mateus. A periferia reimaginada. Aniki, v. 7, n. 2, p. 192-211, 14 jul. 2020.
    FOLEY, Barbara. Radical Representations: Politics and Form in U.S. Proletarian Fiction, 1929-1941. Durham: Duke University Press, 1993.
    GUIMARÃES, Cesar. Na vizinhança do tigre: lá onde a vida é prisioneira. Revista Eco-Pós, v. 20, n. 2, p. 17-31, 14 set. 2017.
    LIMA, Érico Oliveira de Araújo. Quando o cinema se faz vizinho. Significação, v. 44, n. 47, p. 51-70, 13 jul. 2017.
    UCHÔA, Affonso. Falta coragem para festivais se abrirem a filmes autorais, diz vencedor de Tiradentes. [Entrevista concedida a] Adriano Garret. 2014. Cine Festivais. Disponível em: .
    UCHÔA, Affonso. Conversa com Affonso Uchoa: “Ver a vida e o corpo periférico morando dentro do cinema”. [Entrevista concedida a] Érico Araújo Lima. Revista Sobrecinema, v. 5, n. 1, 25 abr. 2016.