Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Reginaldo do Carmo Aguiar (USP)

Minicurrículo

    É psicólogo clínico comportamental pela UFU-MG, especialista em análise do comportamento pelo ITCR-SP, especialista em Neurociência e o futuro sustentado de pessoas e organizações pela Santa Casa de Medicina de São Paulo e mestre pelo programa Multimeios da Unicamp-SP (orientado por Francisco Elinaldo Teixeira) e doutorando pelo programa de Meios e Processos audiovisuais da ECA-USP (orientado por Rubens Machado Júnior). É pesquisador sobre o cinema negro feminino brasileiro e o cinema ensaio.

Ficha do Trabalho

Título

    Ressentimentos e analogias da escravidão em Que horas ela volta?

Formato

    Presencial

Resumo

    A análise fílmica de “Que horas ela volta?” por meio de determinados marcadores (gestos, comportamentos, vozes e enquadramentos) revela estéticas que ressaltam traços da escravidão expressos no tempo presente e sentimentos de ressentimento de classes sociais mais bem favorecidas e intrafamiliar. Este trabalho corrobora com a tradição de pesquisas sobre ressentimento e extratos de tempo de Ismail Xavier sobre o cinema brasileiro e também tensiona questões de pensadores da História contemporânea

Resumo expandido

    Por meio da análise de gestos, comportamentos, vozes e enquadramentos do filme “Que horas ela volta” é possível fazer analogias à escravidão, o passado no presente e o ressentimento de classe social e intrafamiliar. Os seguintes pontos serão explicitados para compreender os traços escravagistas nas relações atuais: enclausuramento ou confinamento; exclusividade alimentar; terceirização de afeto e de orientações e vínculo maternal; múltiplas funções e jornada extenuante de trabalho; espaços delimitados física e simbolicamente; interações restritas e raros momentos de prazer; coisificação, ciclos ou armadilhas e submissão geracional; assédio moral e sexual e punições; diferenças de gênero, raça e classe.
    A maioria dos empregos domésticos, ainda ocupado por mulheres negras ou imigrantes, revela a continuidade do regime escravocrata. Visão naturalizada de classe, raça e gênero que confirma a figura doméstica como objeto produtivo, adjetivado pela submissão e obediência à “casa-grande” dos patrões. Esse filme fornece elementos para pensar o Brasil em seus aspectos de formação e de contemporaneidade, revelando, com isso, determinadas continuidades, como o passado do Brasil colônia no presente.
    Este trabalho acrescenta a também a constante presença da temática do ressentimento e dos distintos extratos de tempo no cinema brasileiro. No filme aqui estudado, a figura do ressentimento aparece na esfera familiar entre mães e filhos e nas relações de igualdade/desigualdade das classes sociais. Este trabalho vai enfatizar o sentimento gerado entre classes sociais distintas e apenas pontuar o ressentimento intrafamiliar.
    Scheler (1994) vai mencionar que o ressentimento nasce da comparação com outrem, no plano do valor. E a igualdade democrática implica comparação. Em virtude de uma dialética da igualdade, as sociedades democráticas impõem uma ideia paradoxal de desigualdades justas e distribui os lugares em função dos méritos que instituem a competição. O ressentimento exprime um sentimento de superioridade social aviltada. No filme, de um lado Jéssica é uma espécie de intrusa, de ovelha negra, de elemento reagente, destoante ou estrangeiro que perturba ou desestabiliza este sistema homogêneo em que os papéis sociais estão rigidamente demarcados e estabelecidos. Ela contesta os valores dos patrões e a submissão da mãe, não aceita ser tratada de forma subalterna e desigual, por isso reivindica direitos e exige igualdade de tratamento. Ela não se mostra disposta a fazer concessões. Ainda foge completamente do estereótipo do desfavorecimento, da desinformação e da vitimização. Ela expressa opiniões contundentes e manifesta desejos e intenções que destoam do estereótipo de sua classe social ou do lugar que lhe seria tradicionalmente reservado na condição de filha da empregada. Ela desnaturaliza, desarranja a relação que ali fora estabelecida. Do outro lado está a classe média alta representada pela reação histérica de Bárbara, que tem o ressentimento de classe social. Classe que se viu, nos últimos anos, perdendo seu poder de compra e constatou a melhora de poder aquisitivo e de oportunidades das classes mais desfavorecidas. O ressentimento e desconforto das elites é fruto das mudanças que vinham ocorrendo no contexto brasileiro das últimas décadas, as quais poderiam comprometer seu estilo de vida e suas formas de distinção social. O ressentimento envolve a idealização moderna de igualdade entre os homens e caracteriza-se pela incapacidade de o indivíduo de agir de forma racional diante de uma interpretação de dano, que o faz agir procurando se vingar, de forma desproporcional, vivendo do passado e direcionando a sua raiva, em geral, ao objeto ou pessoa que teria causado o problema.

Bibliografia

    BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia da Letras, 1997.
    FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2015.
    SCHELER, M. O ressentimento na construção das morais. In: SCHELER, M. Da reviravolta dos valores. Petrópolis: Vozes, 1994.
    XAVIER, I. Figuras do ressentimento no cinema brasileiro dos anos 90. In: RAMOS, F. P.; MOURÃO, M. D.; CATANI, A.; GATTI, J. Estudos de cinema Socine 2000. Porto Alegre: Editora Sulina/FAMECOS, 2018. p.79-98.
    ZAWADZKI, P. O ressentimento e a igualdade: contribuição para uma antropologia filosófica da democracia. In: BRESCIANI, S.; NAXARA, M. (orgs.). Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.