Ficha do Proponente
Proponente
- Victor Guimarães Loturco (Unicamp)
Minicurrículo
- Mestrando em Multimeios na Unicamp. Graduado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (2019). Possui ênfase na área de Fotografia e Áudio, tendo atuado na captação e direção de som e trilha musical de curtas-metragens durante a graduação. Atualmente é editor de vídeos no Stoodi. Foi editor de vídeo e operador de câmera, áudio e GC na Record News Araraquara e TVE São Carlos. Foi editor de vídeo na Em Cena Produções.
Ficha do Trabalho
Título
- As insólitas figuras do “perpetrador” e do “porão” em “E agora, José”
Formato
- Presencial
Resumo
- “E agora, José?” é um filme renegado pela crítica e academia, havendo algumas poucas tentativas de análises mais profundas que sua nomeação como “esquisito pornodrama pseudo-engajado”. Propomos analisar os aspectos insólitos das figuras do perpetrador e do “porão da ditadura”, nesse filme. Essa análise busca evidenciar diferentes caracterizações que abrem o escopo dessas figuras tão suscitadas para compreender-se a violenta repressão política no passado ainda latente da ditadura no Brasil.
Resumo expandido
- O filme “E Agora, José?” , dirigido por Ody Fraga em 1979, é uma obra que, apesar das críticas negativas e de toda a sua polêmica e contradições, é uma das primeiras a representar os porões da ditadura militar brasileira e os horrores que aconteceram nesses espaços, dentro do contexto de abertura pós-1978.
O protagonista, José Zurin, é um administrador de empresas, supostamente apolítico, ligado fraternalmente a um militante de um grupo político subversivo. José se vê levado por obscuros agentes a uma prisão-porão e é, consequentemente, torturado até a morte para revelar informações – das quais diz não saber nada. Nesse contexto, três mulheres com as quais José se envolveu sexualmente são também arrastadas para os mesmos porões, destinadas à tortura.
A produção de “E agora, José?” se deu na transição entre os governos Geisel e Figueiredo, precedido por um relativo recuo da censura e da ascensão do tema dos “desaparecidos” na opinião pública (NAPOLITANO, 2014). Assim, na linha de filmes produzidos sob esse contexto: “Repressão e tortura logo invadem a produção, diante dos primeiros sinais de relaxamento da censura.” (ORTIZ ; AUTRAN, 2018). Simultaneamente, o filme de Ody Fraga é inscrito ao contexto de produção da Boca do Lixo, unindo erotismo e tortura numa representação pitoresca dos crimes perpetrados durante o período mais violento e obscuro do regime militar brasileiro.
Vemos nesse panorama que construímos aqui, uma espécie de representação de tudo aquilo que consideramos insólito e que está atrelado à memória da repressão da ditadura militar brasileira. É um filme que lança laços estranhíssimos em direção à história, à memória e tudo aquilo que resta entre as duas – algo como os “trapos” de Walter Benjamin. Portanto, acessamos esse universo histórico do filme através da violência e do erotismo, principalmente.
Se a convenção seria a do cuidado extremo com a representação de temas tão sensíveis, de forma contraventora, não há muitos “não-me-toques” em relação à representação dos porões da ditadura no filme. Ainda que seja uma representação bastante teatral, vemos a operação do pau-de-arara na mesma tonalidade das cenas voltadas ao erotismo. Nessas imagens, o insólito é explícito – dentro das limitações teatrais e orçamentárias do filme – e os afetos são confusos. O que o filme movimenta em seu interior que nos leva a sentir um mal-estar tão confuso em relação à nossa própria história?
A dimensão política desse filme parece se relacionar àquela aparente “esquizofrenia” do período de transição Geisel-Figueiredo apontada por Napolitano (2014). Porém, além dessa primeira aparência, pode-se tentar analisar na obra outras possíveis camadas discursivas. Mais além, uma indefinição constante parece rondar as personagens de “E agora, José?”: Os torturadores não são exatamente militares, mas apresentam uma hierarquia e seu líder é chamado de “Capitão”; José Zurin se considera apolítico e cita freneticamente trechos de Drummond, Shakespeare, talvez usando a literatura em falas disruptivas para despistar seus perpetradores e passar códigos a possíveis infiltrados; um cenário que parece improvisado, voltado ao realismo, ainda que seja acompanhado de uma iluminação por vezes dramática, além do real.
A caracterização feita em “E agora, José?” toca em muitos pontos sensíveis à memória hegemônica da ditadura brasileira – nem sempre com clareza – voltando-se principalmente à representação de seus perpetradores e aquilo que os envolve. Erotismo e tortura são as formas escolhidas no filme para dar vazão a temas como a abjeção das vítimas ou a operação de estruturas com fins destrutivos. O insólito se torna, então, mobilizador – na narrativa – de relações e representações voltadas à complexidade da figura dos perpetradores. Em nossa análise, mais que rotular, focamos nas ações e na caracterização dessas figuras insólitas.
Bibliografia
- FRAGA, O. Entrevista ao Jornal da Semana, n.63, abril de 1980.
NAPOLITANO, M. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.
ORTIZ, J. M. ; AUTRAN, A. “O cinema brasileiro das décadas de 1970 e 1980”. 2018
SÁNCHEZ-BIOSCA, V. “The Perpetrator’s mise-en-scène”. Journal of Perpetrator Research 2.1 (2018), 65–94.
SARMENTO-PANTOJA, T. “A narrativa do perpetrador no brasil: memórias quase póstumas de um ex-torturador e memórias de uma guerra suja”. Literatura e Cinema de Resistência, Santa Maria, n. 32: Manifestações estéticas dissidentes. 2019.
STIGGER, H. “A representação da ditadura militar nos filmes brasileiros longa metragem de ficção: de 1964 a 2010”. Tese de doutorado. PUC-RS. Faculdade de comunicação social. 2011.
NAPOLITANO, M. ; SELIPRANDY, F. “Uma leitura de Paula, a história de uma subversiva (Francisco Ramalho Jr., 1979)”.
JOSÉ, A. “Cinema marginal, a estética do grotesco e a globalização da miséria”. 2007