Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    debora regina opolski (IFPR)

Minicurrículo

    Débora Opolski é doutora em Comunicação e Linguagens, com a tese “A fragmentação da performance vocal do personagem no cinema a partir da perspectiva da edição de diálogos”. Integra o grupo de pesquisa Cinecriare – Cinema: Criação e Reflexão. Autora dos livros “Introdução ao desenho de som” (2013, UFPB) e “Edição de diálogos no cinema” (2021, UFPR). Professora do curso técnico em Produção de áudio e vídeo do IFPR e da Pós-graduação em cinema e artes do vídeo (PPG-CINEAV), da UNESPAR.

Coautor

    Alexandre Rafael Garcia (Unespar)

Ficha do Trabalho

Título

    Textura e estrutura nas conversas do cinema de Eduardo Coutinho

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação apresenta uma análise da performance vocal do filme O fim e o princípio, de 2006. No cinema-conversa de Eduardo Coutinho, temos corpos que falam com palavras, sons e gestos, instituindo a palavra expressiva como elemento sonoramente cênico e estrutural. Como ferramenta metodológica, utilizaremos a análise espectral, para demonstrar as peculiaridades estruturais da performance vocal, estabelecendo a importância do corpo falante na cena.

Resumo expandido

    Ninguém no Brasil filmou conversas tão longas e intensas como o cineasta Eduardo Coutinho. Diretor de uma dezena de longas-metragens documentais, o cineasta se dedicou àquilo que ele chamou de um “cinema de conversação: “escolhi ser alimentado pela fala-olhar de acontecimentos e pessoas singulares, mergulhadas nas contingências da vida” (Coutinho, 2013). De certa forma, o empreendimento do cineasta deu continuidade àquilo que Paulo Emilio Salles Gomes (Gomes; Calil, 2016) reivindicou e estimulou entre as décadas de 1950 e 1960: que o cinema brasileiro se dedicasse mais às falas, aos diálogos, aos dialetos, às prosódias, às texturas sonoras… e quando isso finalmente aconteceu, Paulo Emilio identificou estes trabalhos como filme-conversa e, posteriormente, cinema-conversa, apontando para as obras de Paulo César Saraceni: o documentário Integração racial, de 1964, e a ficção O desafio, de 1965; além de outras produções de Thomaz Farkas.
    A partir destes marcos, apresentamos os filmes de Coutinho como um verdadeiro cinema-conversa. O cineasta subverte a estrutura da entrevista, introduzindo a prática da conversa em situações únicas de encontro. A estética do filme é resultado de um dispositivo cênico em que a câmera atua como um terceiro sujeito participante: o enquadramento é geralmente em plano médio, com foco no corpo falante para evidenciar a voz, as expressões faciais e os gestos corporais, que somados, são índices constituintes da performance e do ser humano que interage com o diretor. A mise en scène é criada inteiramente para explorar e valorizar a sonoridade da fala como um elemento fundamental para a estrutura fílmica.
    A partir da análise de uma cena do filme O fim e o princípio, de 2006, apresentamos elementos que confirmam a total dedicação do projeto estético-cinematográfico de Coutinho à voz e à fala de pessoas ao redor do Brasil. Para aprofundar nossa reflexão, utilizamos a análise espectral (Carreiro; Opolski, 2022), como ferramenta metodológica, para verificar visualmente os elementos expressivos que constituem as performances da fala e estabelecer as relações entre as formas das falas, os gestos e os enquadramentos escolhidos para representar o corpo falante expressivo no audiovisual.
    A cena da conversa com Zefinha, logo no início do filme, tem dois minutos de duração e contém uma fala de características peculiares, que reforça a presença da palavra expressiva como um elemento cênico central do filme. No início, a fala de Zefinha é estruturalmente bem definida (contém frequência fundamental e harmônicos distribuídos uniformemente pelo espectro), porém, já contém aspectos singulares, pois é marcada pela presença de um tremor característico de idade avançada. No momento em que Rosa pede para Zefinha benzê-la, a forma da fala de Zefinha se altera, tornando-se um efeito sonoro expressivo, pois a performance vocal como ato cênico, se torna o elemento mais importante ali.
    Ao utilizarmos a imagem espectral como ferramenta para a análise, identificamos as características do que denominamos como uma estrutura textural do ato da reza: a pouca intensidade sonora, a ausência de articulação (identificada pela supressão de vogais e/ou consoantes) e a constituição do timbre, que contém a frequência fundamental e os harmônicos restritos, no sentido de alocados na região médio grave do espectro. Essas características acústicas são as que geram a percepção sonora da textura da fala, que deixa de comunicar semanticamente e estruturalmente, pois a reza não compreende palavras articuladas e definidas, para comunicar através de uma singularidade, de um efeito.
    Na prática de realização de documentários, Coutinho se interessava especialmente pela oralidade e pelos modos de falar. Com esta comunicação, pretendemos contribuir para a sedimentação do campo de estudos do som no audiovisual, na medida em que unimos percepção, teoria e análise acústica, para propor uma reflexão a partir do cineasta que mais filmou conversas no Brasil.

Bibliografia

    ANDACHT, F.; OPOLSKI, D. A fala no documentário O fim e o princípio (2005) de Eduardo Coutinho. In: Doc On-line, n. 22, p. 122-142, 2017.
    BEZERRA, C. Documentário e performance: modos de a personagem marcar presença no cinema de Eduardo Coutinho. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
    CARREIRO, R.; OPOLSKI, D. O espectro do som como ferramenta de análise fílmica. In: PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 12, n. 24, p. 388–414, 2022.
    COUTINHO, E. O olhar no documentário: carta-depoimento para Paulo Paranaguá. In: OHATA, M. (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac & Naify, 2013.
    GARCIA, A. R. Filmes de conversação: conceito, história e análise de um estilo cinematográfico. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2022.
    GOMES, P. E. S.; CALIL, C. A. (ORG). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016.