Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas Procopio de Oliveira Tolotti (ESPM)

Minicurrículo

    Doutor em Artes (USP). Mestre em Estética e História da Arte (USP). Professor dos cursos de Cinema e Audiovisual e Comunicação e Publicidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP). Curador independente de artes visuais.

Ficha do Trabalho

Título

    O queer e a carne no romance radical de Fever Ray

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir da visualidade queer articulada à estética da carne, serão analisados três videoclipes do projeto Fever Ray, idealizado pela cantora sueca Karin Dreijer. Os três produtos audiovisuais – What They Call Us (2022), Kandy (2023) e Shiver (2024), dirigidos por Martin Falck e integrantes do último álbum de estúdio da artista sueca, Radical Romantics (2023) – permitem pensar lugares e desvios outros por meio de visualidades não hegemônicas, adensando a ideia de estranheza e corporalidade.

Resumo expandido

    A estética Queer, nas artes e no audiovisual, desenha-se como uma proposição contra hegemônica ao permitir a configuração visual e narrativa de corpos e existências outras, em que formas de existência e afetos não cisheteronormativos constroem radicalidades visuais que reinventam, reimaginam e recontam subjetividades a partir de cenas que, ao colocarem em movimento uma lógica descentralizadora do poder e da estética vigente, estabelecem círculos de afetos onde o corpo é possibilidade de entrada e saída múltipla.

    As visualidades queer, que têm seu expoente no audiovisual relacionadas ao New Queer Cinema da década de 1990, com nomes atuantes como Derek Jarman, Todd Haynes, Gus van Sant entre outros, vêm se reconfigurando e adensando sua complexa teia estética, graças à manifestação da pluralidade envolvendo discussões decoloniais e de gênero, permitindo uma profundidade que não as concentre, ou resuma, em visualidades gays masculinas.

    Perquirindo a etimologia da palavra queer, encontra-se a ideia de algo estranho e, por muito tempo, o termo foi utilizado como uma maneira de reprimir e discriminar indivíduos que não se encaixavam em uma lógica cisheteronormativa. O termo passa, então, por uma ressignificação e, para além de uma possibilidade estética, é uma partilha política e ética.

    A presente proposta propõe o adensamento desta visualidade a partir do conceito de estética da carne, proposição cada vez mais corrente dentro da filosofia, arte e audiovisual contemporâneos. Retomando em sua maioria conceitos da fenomenologia e psicanálise, esta estética pretende pensar a questão do corpo a partir de uma relação densa com o seu interior e com o outro a partir tanto da metáfora quanto da literalidade da carne. Dessa maneira, a estética da carne se refletirá, muitas vezes, em obras de arte e produtos audiovisuais que apresentem alguma visceralidade – podendo ou não estreitarem relações com o terror e a violência, por exemplo, ainda que estas abordagens não sejam imprescindíveis.

    O que se dispõe em cena é, mais do que uma visceralidade já vista, contada e recontada, uma possibilidade de pensar aquilo que é estranho, porém ao mesmo tempo familiar, o unheimlich de Freud, estreitando laços com o abjeto (Kristeva, 1982). Dessa maneira, é possível pensar em relações entre o queer e a carne. Estes termos serão articulados nesta comunicação a partir do exemplo de três videoclipes de Fever Ray: What They Call Us (2022), Kandy (2023) e Shiver (2024), dirigidos por Martin Falck e integrantes último álbum de estúdio da artista sueca, Radical Romantics (2023).

    Projeto musical e audiovisual da sueca Karin Dreijer, Fever Ray se constitui como uma espécie de alter ego de Dreijer, tendo lançado o álbum homônimo Fever Ray em 2009, refletindo sobre a maternidade a partir de influências visuais nórdicas. Oito anos depois, é lançado o álbum Plunge (2017), já se apropriando de uma estética queer – frente à não-binaridade de Dreijer. O último álbum até então, Radical Romantics, continua a exploração da identidade queer da artista.

    Os três videoclipes analisados constituem uma trilogia na qual a personagem interpretada por Dreijer transita entre diferentes espaços relacionados à normalidade e a estranheza: o videoclipe de What They Call Us se passa em um escritório de trabalho; já o de Kandy determina a ação em um clube noturno onde uma figura monstruosa canta. Por fim, Shiver desce a um subterrâneo cirúrgico e sadomasoquista.

    A partir da análise destes videoclipes, a relação entre queer e carne poderá ser evidenciada como uma maneira de pensar estes lugares e desvios outros propostos pelas visualidades não hegemônicas, adensando a ideia de estranheza e corporalidade frente à própria existência e sua relação com os outros – o contato, o romance, o desejo.

Bibliografia

    BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
    ENSSLIN, Felix; KLINK, Charlotte (Org.). Aesthetics of the Flesh. Londres: Sternberg Press, 2014.
    FREUD, Sigmund. O Inquietante. In: FREUD, Sigmund. Obras completas (v. XIV, pp. 328-376). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
    GREINER, Christine. Corpos Crip: instaurar estranhezas para existir. São Paulo: n-1 edições, 2023.
    FOSTER, Hal. O retorno do real. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
    KRISTEVA, Julia. Powers of horror: an essay on abjection. Nova York: Columbia Press, 1982.
    MARTINS, Alessandra Affortunati. Breve história da carne. São Paulo: Iluminuras, 2023.
    MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2014.
    PRECIADO, Paul B. Um apartamento em urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
    RAVENS, Chal. Fever Ray’s Karin Dreijer on romance, ageing and kink: ‘There is always the dangerous route’. The Guardian, Manchester, 17 fev. 2023.