Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Matheus Batista Massias (UNICAMP)

Minicurrículo

    Graduado em Letras – Língua Inglesa pela UEPA (2014), mestre em Inglês: Estudos Linguísticos e Literários, com ênfase em cinema, pela UFSC (2016), e doutorando em Multimeios pela UNICAMP (2022-2026). Pesquisa atualmente sobre os dez curtas-metragens (1954-1959) do diretor italiano Vittorio De Seta partir das fronteiras do documentário e do filme-ensaio. Além disso, faz parte do grupo de pesquisa do CNPq Audioensaio e atua como bolsista CAPES.

Ficha do Trabalho

Título

    Constelação Fílmica do Trabalho nas Minas: Gesto, Estética e Política

Formato

    Presencial

Resumo

    Se o trabalho e trabalhadores têm sido pouco retratados no cinema, a representação deles em minas (de carvão, enxofre ou tungstênio) permite um estudo comparativo a partir de uma constelação fílmica que busca analisar a representação do trabalho. Partindo da defesa de Agamben de que o gesto, e não a imagem, é o elemento do cinema e que, por isto, ele está inscrito nas esferas estética e política, a noção de partilha do sensível de Rancière é considerada a fim de compreender o trabalho no cinema.

Resumo expandido

    “Documentário ou não,” Comolli (1998) observa, “o cinema raramente filmou o trabalho. Por uma série de razões. Sem dúvida, o amor ou a sedução, filmados com tanta frequência por ele, foram algumas delas.” Essa provocação é o ponto de partida deste estudo que é um desdobramento do trabalho “De Seta e Olmi: As Vicissitudes do Documentário Italiano dos Anos 1950” que apresentei no XXVI Encontro SOCINE em 2023. Nele, buscava cotejar uma parte da obra desses dois diretores italianos a fim verificar representações distintas de trabalho e de paisagem no sul e no norte da Itália e, ao fim do itinerário, oferecia duas constelações fílmicas, uma dedicada à paisagem e a outra, ao trabalho. A “Constelação dos Trabalhos nas Minas” é, portanto, o conjunto de filmes formado cronologicamente por: Misère au Borinage (1934, Ivens & Storck); Cara de Carvão (1935, Cavalcanti); Surfarara (1955, De Seta); Manon: Finestra 2 (1956, Olmi); Wolfram, a Saliva do Lobo (2010, Pimenta & Torgal); e Dal profondo (2013, Pedicini). A presença de filmes de diferentes décadas e países permite-nos abordar a constelação de maneira tanto sincrônica quanto diacrônica, ou seja, de modo isolado, específico, e ao longo do tempo, observando não a evolução do documentário, mas seu desenvolvimento, respectivamente. A constelação fílmica, método comparatista sistematizado por Souto (2020), concede-nos a possibilidade de percorrer trajetos sem uma ordem definida de forma que essas abordagens não são ilícitas.
    Embora Comolli mantenha uma postura pessimista diante do ato de filmar o trabalho – a câmera, ela mesma uma máquina cinematográfica, quase sempre aperfeiçoa o trabalho de outras máquinas, é atraída, seduzida por elas; filmar o trabalho é invisibilizá-lo, uma vez que ele é resumido, acelerado, suavizado, em suma, idealizado; “Pela estetização do gesto e da postura, pela mecanização lúdica do corpo, representar o trabalho equivale a irrealizá-lo, virtualizá-lo” – filmar o trabalho dos corpos lhe interessa mais do que filmar o trabalho das máquinas, na medida em que “O corpo no trabalho é ao mesmo tempo ator (como sempre), agente (deste trabalho específico) e sujeito de uma violência social e técnica que o regula e o subjuga.” Há, contudo, duas forças em jogo: a relação contratual, a do trabalho em si, “forçada e sofrida,” e a relação cinematográfica que, ao contrário, é “construída e escolhida,” e que subentende uma auto-mise-en-scène. Subtraídos os truques do cinema, o maior desafio então para quem filma o trabalho: “filmar contra o cinema.”
    Filmar contra o cinema talvez implique entender o cinema de modo distinto e é então a partir da defesa de Agamben (2008) que afirma que “O elemento do cinema é o gesto e não a imagem” que uma porta parece se abrir. Ao aproximar Varrão, que “inscreve o gesto na esfera da ação, mas o distingue claramente do agir (agere) e do fazer (facere),” e Aristóteles, que diferencia o agir (da praxis) do fazer (da poieis), Agamben observa que “O que caracteriza o gesto é que, nele, não se produz, nem se age, mas se assume e suporta.” Assim, um terceiro gênero da ação é identificado: “se o fazer é um meio em vista de um fim e a práxis é um fim sem meios,” Agamben conclui que “o gesto rompe a falsa alternativa entre fins e meios que paralisa a moral e apresenta meios que, como tais, se subtraem ao âmbito da medialidade, sem por isso tornarem-se fins.” Se o trabalho implica, sem dúvida, um fim, o trabalho no cinema, por outro lado e paradoxalmente, pode ser entendido como um gesto onde tem-se “a esfera não de um fim em si, mas de uma medialidade pura e sem fim que se comunica aos homens.”
    A conclusão de Agamben, “Uma vez que tem o seu centro no gesto e não na imagem, o cinema pertence essencialmente à ordem da ética e da política (e não simplesmente àquela da estética),” traz à baila a partilha do sensível de Rancière (2009), noção que estabelece relações entre política e estética e que pode ser útil para tentarmos compreender o trabalho no cinema.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. “Notas Sobre o Gesto.” Artefilosofia, Ouro Preto, n. 4, 2008, p. 9-14.
    BLÜMLINGER, Christa. “Le travail du geste: Formes documentaires.” In: BLÜMLINGER, Christa; LAVIN, Mathias (ed.). Geste filmé, gestes filmiques. Paris: Éditions Mimésis, 2018, p. 341-360.
    BRENEZ, Nicole. On the Figure in General and the Body in Particular: Figurative Invention in Cinema. Trad.: Ted Fendt. Nova Iorque: Anthem Press, 2023.
    COMOLLI, Jean-Louis. “Corps mécaniques de plus en plus célestes…” Images Documentaires, Paris, n. 24, Filmer le travail, 1996, p. 39-48.
    DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo: Cinema 2. Trad.: Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Braziliense, 2005.
    RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: Estética e Política. Trad.: Mônica Costa Netto. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
    SOUTO, Mariana. “Constelações Fílmicas: Um Método Comparatista no Cinema.” Galáxia, São Paulo, n. 45, 2020, p. 153-165.