Ficha do Proponente
Proponente
- Régis Orlando Rasia (UFMS)
Minicurrículo
- Doutor em Multimeios pela UNICAMP e Mestre pela mesma instituição.
Dedica-se ao ensino de graduação no bacharelado em Audiovisual da UFMS, ministrando as disciplinas de animação, edição, montagem e pós-produção audiovisual. Concentra projetos de pesquisas sobre o cinema brasileiro, cinema experimental e filme-ensaio.
Ficha do Trabalho
Título
- Refrações da presença no filme-ensaio “Guaxuma” de Nara Normande.
Mesa
- Intersecções de linguagens no cinema, nos quadrinhos e na animação
Formato
- Presencial
Resumo
- “Guaxuma” (2018) de Nara Normande é analisada sob a perspectiva do filme-ensaio, já que o solo movediço das fronteiras entre ficção e documentário parece não dar conta de compreender a obra analisada. A ideia, então, é tentar compreender como a animação emerge como um dispositivo potente para lidar com diversas questões, incorporando o material de arquivo, o fotográfico e as materialidades da sua subjetividade no processo de concepção da obra, como a areia, por exemplo.
Resumo expandido
- Como diretora expoente da produção cinematográfica brasileira contemporânea, Nara Normande dirigiu o curta-metragem animado “Dia Estrelado” (2011), realizado com a técnica de Stop Motion. Recentemente, lançou seu primeiro longa-metragem, “Sem Coração” (2023), título homônimo a um de seus curtas-metragens anteriores, co-dirigido com Tião. Com forte ligação com o litoral nordestino, a diretora apresenta em suas obras diversos elementos e acontecimentos característicos desses espaços. Em “Guaxuma” (2018), nome da praia de sua infância, mergulha em um trabalho multifacetado enquanto técnica animada capaz de retratar uma escrita de si.
A abordagem do filme-ensaio ganhou destaque nos debates acadêmicos do final do século XX e com grande relevância em obras da virada do século XXI, sendo considerado como um novo domínio (TEIXEIRA 2022, WEINRICHTER, 2015, CORRIGAN, 2015). Os filmes-ensaios revelam não apenas a presença inconteste do corpo e da voz de uma realizadora, mas também a sua “ocultação” ou invisibilidade. Daí chamar de refrações da presença os processos de revelamento, mas também os desvelamentos da presença da realizadora, que se comporta de maneira fragmentada, dispersa, refletida ou difundida através de diferentes meios ou perspectivas, criando uma multiplicidade de formas de perceber ou interpretar sua existência.
Teixeira (2022, p.143) aborda o processo de inscrição de realizadores e realizadoras em filmes-ensaios como “modos de subjetivação”, especialmente quando o “ensaísta parte de si, compõe-se a partir de seu entorno, inscreve-se na cena, mas não para permanecer aí fechado, enclausurado, e sim para sair de si, ir além de si, abrir-se ao mundo e ao devir de suas forças”. Neste sentido, Normande plasma sua presença em uma obra de alto teor biográfico, mas reporta, também, a uma memória coletiva das perdas ao falar questões sobre sua identidade firmada como diretora na obra. Ela compartilha sua própria história e convida o espectador a refletir sobre temas universais como a perda, o luto e o amadurecimento.
Os processos de criação de filmes-ensaio se intensificaram na cultura audiovisual contemporânea, com um traço característico sendo a inscrição da subjetividade do ensaísta enquanto modo de singularização de seu próprio ato de pensamento. A presença é basilar, porém, Teixeira (2022, p.143) destaca que o ensaísmo fílmico recorre a “intercessores”, “personagens conceituais” ou até “figuras estéticas”. Esse modo de inserção indireta da presença subjetiva “pode prescindir da imagem visual em corpo e da imagem sonora em voz do ensaísta”.
A perspectiva da auto representação se revela no filme animado de Normande como forma para o ensaio, ao escancarar o processo de criação que conjuga a construção de uma atmosfera que imiscui sua subjetividade pensante para o filme. A abordagem poética e simbólica da animação perfaz o ensaio como forma, permitindo que os temas centrais do filme sejam explorados de maneira metafórica e evocativa, além de aliar elementos poéticos e simbólicos, como reinterpretação da compreensão da realidade da diretora.
Em “Guaxuma”, a utilização da voz em primeira pessoa desempenha um papel significativo, mas não primordial na narrativa, complementando-se com o processo inscrito da diretora em seus fluxos de criação. Ou seja, a presença também se manifesta de maneira indireta, na condução do relato, ou na organização e montagem dos materiais e, sobretudo, na materialidade da animação. Tais aspectos fundamentam a figuratividade do desenho, da escultura e da pintura, criando uma experiência sensorial e reflexiva com largas intersecções entre o pessoal e o universal, o subjetivo e o coletivo, em um filme cuja praia que dá nome ao filme é o cenário onde memórias individuais e histórias compartilhadas se entrelaçam, formando uma teia de significados latentes.
Bibliografia
- BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da Animação: Técnica e Estética Através da História. 2. ed. São Paulo, SP: Ed. Senac, 2005. 456 p.
CORRIGAN, T. O filme-ensaio: Desde Montaigne e depois de Marker. Tradução de Luís Carlos Borges. Campinas: Papirus, 2015. 223 p.
DENIS, Sébastien. O cinema de animação. Lisboa: texto e grafia, 2010, 222 p.
SERRA, Jennifer Jane. O documentário animado e a leitura não-ficcional da animação. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Instituto de Artes, Universidade de Campinas. 2011, Campinas. 196 p.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Arqueologia do ensaio no cinema-audiovisual brasileiro (formações e transformações). São Paulo: Hucitec, 2022. 255 p.
WEINRICHTER, Antonio. Um conceito fugidio: Notas sobre o filme-ensaio. In: TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). O ensaio no cinema: Formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. São Paulo: Hucitec, 2015. p. 42-91.