Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Morgana Gama de Lima (UFBA)

Minicurrículo

    Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas (UFBA) com estágio doutoral na Universidade da Beira Interior (Portugal). Possui Mestrado em Cultura e Sociedade (UFBA, 2014) com graduação nos cursos de Relações Públicas (UNEB, 2008) e Produção Cultural (UFBA, 2009). Atualmente é membro do grupo de pesquisa Laboratório de Análise Fílmica (LAF/UFBA), com pesquisa pós-doutoral sobre tradições orais em cinemas de África e suas diásporas.

Ficha do Trabalho

Título

    Tradições orais nos cinemas africanos: narrar entre tempos

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    Dos diferentes modos de aproximação da tradição oral na narrativa de filmes africanos, uma das primeiras a ser estudada, foi a presença de um personagem representando o griot. Se de um lado, a inclusão de tais personagens na narrativa permitia aos cineastas africanos um retorno ao passado das tradições africanas e, de outro servia para apontar, figuradamente, para problemas e questões relativas ao momento histórico no qual o filme era feito.

Resumo expandido

    Dos diferentes modos de aproximação da tradição oral na narrativa de filmes africanos, uma das primeiras a ser estudada, foi a presença de um personagem representando o griot justamente, por se tratar de um símbolo dessa tradição e seu principal difusor no antigo Império Mali. Se de um lado, a inclusão de tais personagens na narrativa permitia aos cineastas africanos um retorno ao passado das tradições africanas e, de outro servia para apontar, figuradamente, para problemas e questões relativas ao momento histórico no qual o filme era feito. Com isso, posteriormente surgiram filmes africanos que, embora não apresentassem um personagem griot, de forma literal, passaram apresentavam personagens que exerciam o seu papel: contavam histórias no interior da narrativa. Ao utilizar essa estratégia era possível organizar o filme a partir de uma narrativa central, sustentada por uma unidade espaço-temporal de representação, e ao mesmo tempo construir pontes com questões extra fílmicas a partir da fala e da performance dessas “personagens-griots”. Ao inserir outras histórias, tais personagens permitem ao filme uma progressão em narrativas simultâneas que, embora em níveis diferentes, estão inter-relacionadas na medida em que a história contada pela personagem serve para reinterpretar a história da diegese e vice-versa.
    Entre os filmes que o personagem griot introduz a narrativa e insere outra história, através do seu papel de narrador, destacamos três produções: Toula ou le gènie des eaux, de Moustapha Alassane (Níger, 1975), Jom ou l’histoire d’un peuple, de Ababacar Samb-Makharam (Senegal, 1982) e La nuit de la rois, de Philippe Lacôte (Costa do Marfim, 2020). Em Toula ou o espírito das águas (Níger), filme adaptado do romance escrito pelo nigeriano Boubou Hama, a história tem início em uma cena contemporânea em que um jovem, que trabalha como controlador de vôo em aeroporto, conversa com os anciãos sobre como a tecnologia pode ajudar com as intempéries da natureza. A partir dessa provocação, os anciões lhe contam a história de uma comunidade que, diante de uma seca devastadora, propõe o sacrifício de uma jovem princesa (Toula), a fim de apaziguar a ira dos deuses, no entanto, nem sempre tudo sai conforme o planejado. Já em Jom ou l’histoire d’un peuple, o conselheiro Khaly fala a um grupo de pessoas, entre eles, trabalhadores que discutem a possibilidade de fazer greve em protesto às más condições de trabalho. Diante do iminente conflito, ele traz à memória a história de Dieri, um príncipe africano que após assassinar um administrador da colônia francesa, mata a si mesmo para não perder a sua “jom” (dignididade em uólofe). A associação entre a opressão vivida pelos trabalhadores e a antiga administração francesa no período colonial torna-se evidente. Por fim, em La nuit de la rois, cohecemos a prisão de Maca e o seu ritual de escolher um prisioneiro para contar histórias, trazendo à memória dos encarcerados o triunfo e a glória de seus antepassados.
    Essa investigação, embora ancorada no campo de estudos sobre cinemas produzidos em África e suas diásporas, também parte do fato de que produção teórica no âmbito da análise fílmica e estudos cinematográficos é largamente fundamentada em parâmetros de fruição e interpretação provenientes da tradição literária escrita. Logo, o aspecto da oralidade tende a ser um elemento estético associado apenas determinadas filmografias “periféricas” (cinemas africanos, cinemas indígenas, etc.). No entanto, a presença de tais personagens e o relato oral que emana delas constitui uma espécie de código extracinematográfico capaz de interferir, tanto na construção enunciativa do filme (narrativa), quanto em sua recepção (Bamba, 2020). Logo, as tradições orais antes de ser um traço predominante em tais filmografias, mais do que um “dever de memória” também deve ser vista como uma estratégia retórica que mobiliza as audiências a olhar de forma crítica para o presente a partir da lembrança do passado.

Bibliografia

    BAMBA, M. Reflexão sobre a dimensão espectatorial dos filmes africanos: ou como os Cinemas Africanos pensam de outra forma em seus públicos. In. ESTEVES, Ana Camila; OLIVEIRA, Jusciele (orgs.). Cinemas africanos contemporâneos: abordagens críticas. São Paulo: Sesc, 2020. p. 77-94.

    CHAM, M. B. Structural and thematic parallels in oral narrative and film: Mandabi and two African oral narratives. In. OKPEWHO, Isidore (org.). The oral performance in Africa. Ibadan: Spectrum Books, 1990. (p. 251-270)

    LIMA, M. G. Griots modernos: por uma compreensão do uso de alegorias como recurso retórico em filmes africanos. Tese (Doutorado), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2020.

    THACKWAY, M. Africa shoots back. Bloomington: Indiana University Press, 2003.

    UKADIKE, N. F. Black African Cinema. Berkeley: University of California Press, 1994.