Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristian Borges (USP)

Minicurrículo

    Professor Associado do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ECA-USP, com auxílio FAPESP. Doutor pela Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 (CAPES) e mestre pela Universidade de Bristol (CAPES), realizou pós-doutorado na Columbia/ NYU (FAPESP). Cineasta e curador de mostras, dirigiu o CINUSP e presidiu a SOCINE. Publicou EM BUSCA DE UM CINEMA EM FUGA (Perspectiva/ Fapesp, 2019), além de artigos e capítulos de livros no Brasil e na França.

Ficha do Trabalho

Título

    Criaturas (nem tão) solitárias assim

Seminário

    Tenda Cuir

Formato

    Presencial

Resumo

    Três filmes recentes tratam, invariavelmente, da “condição gay”: CLOSE, MONSTER e TODOS NÓS DESCONHECIDOS. Mas o que une obras tão distintas, para além do fato de abordarem a sempre espinhosa existência de homens que amam outros homens? Por um lado, o fato de se encontrarem, cada uma à sua maneira, sob a égide da morte. Por outro lado, o fato de a solidão retratada nelas estar intimamente atrelada a uma forte conexão que chega a ser, nos três casos, paradoxal e altamente redentora: o amor.

Resumo expandido

    Numa trajetória que leva do campo à cidade e da infância tardia à idade adulta – ou nem tão adulta assim (Winnicott) –, acompanhamos em três filmes recentes a evolução da “condição gay” – no sentido filosófico (Arendt) e não patológico do termo –, enquanto um registro mais naturalista (CLOSE, Bélgica, 2022) dá lugar a outro, fantástico (TODOS NÓS DESCONHECIDOS, Reino Unido, 2023), passando pela tortuosidade de uma narrativa que se desdobra em vários pontos de vista (MONSTER, Japão, 2023). Trata-se de filmes habitados por criaturas solitárias (Sousa; Brandão) que enfrentam crises e traumas através de desvios fílmicos que conduzem à mesma redenção contraditória de uma solidão (talvez) insolúvel (Hobbes): o inescapável “poder do amor” (aqui em alusão à canção “The Power of Love”, da banda Frankie Goes to Hollywood, que encerra o filme britânico).
    Os antigos gregos e romanos empregavam várias palavras ou conceitos para designar diferentes tipos de amor e encontramos alguns deles nesses três filmes: philia (φιλία), o amor fraterno, e xenia (ξενία), o amor hospitaleiro, em CLOSE; agape (ἀγάπη), o amor incondicional, e ludus (lūdus), o amor lúdico, em MONSTER; storge (στοργή), o amor parental ou familial, e eros (ἔρως), o amor romântico e sexual, em TODOS NÓS DESCONHECIDOS. Enquanto o filme de Lukas Dhont explora a descoberta da perda e do luto no seio de uma sociedade rural belga, o de Kore-eda investe nos contratempos e mal-entendidos provocados pela incomunicabilidade própria de uma sociedade urbana japonesa sufocada pela autorrepressão. Já no filme de Andrew Haigh, personagens fantasmagóricas transitam num mundo espectral em busca de afeto e alívio como única saída possível do limbo ou purgatório em que se encontram.
    E como “um filme é um fio e só, mas um fio que nunca se move só” (Sousa; Brandão), veremos como filmes distintos também podem se conectar – ou serem conectados, a partir de uma audiovisão sensível – a fim de compor uma macronarrativa ou uma “constelação fílmica” (Souto) que os atravesse transversalmente – podendo aludir, de passagem, a outras obras que extrapolem o escopo inicial, tais como Gerry (Gus van Sant, 2002), Tabu (Nagisa Oshima, 1999) e Weekend (Andrew Haigh, 2011), entre outras.

Bibliografia

    ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
    BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
    HOBBES, Michael. “Together alone. The epidemic of gay loneliness”, in Highline, março de 2017.
    PATTON, Cindy; SÁNCHEZ-EPPLER, Benigno (ed.). Queer diasporas. Durham: Duke University Press, 2000.
    PLATÃO. O banquete. São Paulo: Editora 34, 2016.
    SOUSA, Ramayana Lira de; BRANDÃO, Alessandra Soares. Por um cinema de criaturas. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2023.
    SOUTO, Mariana. “Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema”, in Galáxia n. 45, 2020.
    WINNICOTT, Donald W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 4a ed., 2005.