Ficha do Proponente
Proponente
- Angelita Maria Bogado (UFRB)
Minicurrículo
- Docente do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFRB/PPGCOM. Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Pós-doutorado no Departamento de Artes e Comunicação da UFSCar (DAC/UFSCar). Coordena o Grupo de Estudos em Experiência Estética: Comunicação e Artes (GEEECA)-UFRB/CNPq. Atualmente se dedica aos estudos dos cinemas periféricos com a pesquisa intitulada “Recôncavo da Bahia em imagens umbigadas: corpos da cena/em cena afeto e futuro”.
Coautor
- Scheilla Franca de Souza (PPGCOM/UFRB/CAPES)
Ficha do Trabalho
Título
- As Naturezas do Canto de Arlete no Mugunzá da Rosza
Seminário
- Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas
Formato
- Presencial
Resumo
- São muitas as naturezas do canto que brotam de Arlete, em Mugunzá (Rosza Filmes, 2022). A obra transita por diferentes estratégias narrativas, incorporando à cena o musical. O som mexe de maneira muito fluida, orgânica, e ao mesmo tempo crítica os corpos da cena/em cena. Mugunzá pode ser lida como o fim do patriarcado. A obra pulsa na vibração de Xangô, por operações artísticas/estéticas convoca a força quente e transformadora do orixá a transcender os limites: é hora de fazer mugunzá.
Resumo expandido
- São muitas as naturezas do canto que brotam da personagem Arlete no filme Mugunzá (Rosza Filmes – Ary Rosza e Glenda Nicácio, 2022). Uma delas, já guardada/revelada pela própria palavra escolhida no título deste trabalho: canto. Para além da voz que ecoa do ato de cantar, “canto” remete ao lugar-no-mundo, pertencimento, espaço. Arlete, protagonista do filme, entoa, nos seus múltiplos cantos: seu corpo, seu bar, sua casa, sua cidade. Na 25º Mostra de Tiradentes Mugunzá recebeu o prêmio Vitrine Filmes. Na edição seguinte, em 2023, Ary Rosza e Glenda Nicácio foram os homenageados da Mostra, Mugunzá foi exibido na abertura do evento. A mostra de Tiradentes é considerada um dos pólos do cinema independente no Brasil, entre o independente e o experimental, historicamente há uma relação. Mugunzá vem de um histórico de produção e realizações da Rosza Filmes, em diálogo com outras produtoras e outras linguagens do território do Recôncavo baiano (as festas populares, a arquitetura, as danças, as religiões, a culinária, e tantas outras manifestações culturais), uma terra marcada pela luta e a responsabilidade de viver e resistir. Mugunzá foi filmado coletivamente no Cine Theatro Cachoeirano, na rua 25 de junho. Não é qualquer rua. A rua 25 de junho em Cachoeira-BA é um espaço constantemente ressignificado desde o período colonial (com o fluxo de mão-de-obra escravizada), ao longo dos tempos (com a luta por liberdade – a data que a rua celebra é importante para a independência do Brasil na Bahia) e hoje é um conglomerado de bares, hotéis e restaurantes. Mugunzá, ainda não foi lançado oficialmente nos cinemas, é um audiovisual que foge aos enquadramentos dos gêneros e formatos clássicos. O filme transita por diferentes estratégias narrativas como o teatro épico de Bertolt Brecht, incorporando à cena o musical. São treze canções autorais, todas compostas por Moreira, a musicalidade mexe de maneira muito fluida, orgânica, e ao mesmo tempo crítica os corpos da cena/em cena (SOUZA, BOGADO, ALVES JUNIOR, 2020) e engrossa o caldo do preparo de Arlete. A ideia de corpos da cena e corpos em cena traz em si, dentre outras questões, um desejo de enfrentamento, no campo da experiência estética, como forma de desafiar o imaginário do projeto colonial e seus desdobramentos sociais e ambientais. Mugunzá, com naturezas que dançam e sonham entre “dádiva e oferenda”, como afirma Leda Maria Martins (2021) acerca da arte de raiz afrodiaspórica, se lança no desafio de, por meio das tradições do território, ocupar o palco e expulsar da cena o hegemônico, com armas que as estruturas de poder muitas vezes têm dificuldade de escutar, reconhecer e legitimar. Fazer circular experiências como as de Mugunzá à luz da relação experimentação/ancestralidade é um gesto estético/político. O patriarcado tem dificuldade de imaginar os efeitos do mungunzá de Arlete, por não saber seus códigos, suas gramáticas, seus comportamentos. Percebendo a falha na percepção do algoz, a personagem faz do seu canto, como mulher negra e brasileira, sua força – ou seja, seu lugar, potência na escassez, encruzilhada (RUFINO, 2019) – e recorre à iguaria que nomeia a obra em uma oferenda, própria do lugar, que vai conjurar, incorporar, fundir, transmutar corporalidades de múltiplos universos e naturezas artísticas, espirituais, históricas, territoriais. A história de Mugunzá pode ser lida como uma narrativa do fim de uma governança patriarcal. A obra, cuja energia pulsa na vibração vermelho e branca de Xangô, orixá associado à Justiça, por operações artísticas/estéticas convoca a força quente e transformadora do orixá a transcender o limite dos corpos: é hora de fazer mugunzá.
Bibliografia
- BOGADO, Angelita; ALVES JUNIOR, Francisco; DE SOUZA, Scheilla Franca. Um estudo sobre performance, dispositivos de regulagem entre formas de vida e formas de imagem no documentário contemporâneo. In. ALMEIDA, Gabriela; CARDOSO FILHO, Jorge. Comunicação, estética e política: epistemologias, problemas e pesquisas. Editora Appris, Curitiba, 2020. p. 265-280.
MARTINS, Leda. Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela.Rio de Janeiro: Ed. Cobogó, 2021.
RANCIÈRE, Jacques. O fio perdido: ensaios sobre a ficção moderna. Ed. Martins Fontes, 2017.
RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Mórula, Rio de Janeiro, 2019.
SOUZA, Scheilla Franca de. BOGADO; Angelita; ALVES JUNIOR, Francisco. Ela, Ele e Person: Invisibilidades e Resistência no Cinema Brasileiro Contemporâneo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÂO, 43., 2020, Virtual. Anais..Virtual: Intercom, 2020. Disponível em