Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Emilio Gonzalez Diez Junior (USP)

Minicurrículo

    Bacharel em Audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais pela mesma instituição (bolsista CAPES), onde pesquisa, através de um estudo comparado, os cineastas Glauber Rocha e Rogério Sganzerla.

Ficha do Trabalho

Título

    Câncer: o lado marginal de Terra em Transe

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho busca compreender como Glauber Rocha elabora em Câncer (1972) uma reflexão e retrabalho de elementos de Terra em Transe (1967). A partir da crítica do papel do intelectual em relação à política dominante e as camadas populares, Glauber irá propor em Câncer tratar o outro lado de Terra em Transe, tirando o foco das altas esferas de decisão nacional em favor das figuras marginais.

Resumo expandido

    Ao situar as relações de poder no mundo subdesenvolvido a partir do golpe de estado recém perpetrado, Glauber Rocha iria tecer em Terra em Transe (1967) uma profunda reflexão acerca do papel da esquerda, da intelectualidade e do artista. O filme iria causar grande impacto dentro da vida cultural brasileira, suscitando um grande debate dentro das artes no Brasil. Crenças e práticas da esquerda da época seriam postas em xeque pelo filme. No âmbito cultural, a visão paternalista diante das classes populares seria também questionada, dando lugar a formas mais abertas, dispostas a radicalizar certos procedimentos formais. O filme, além do impacto externo, obrigou o próprio diretor à reflexão. Em carta a pesquisadora Raquel Gerber, Glauber afirma que Câncer (1972) é um apêndice de Terra em Transe (BENTES, 1997, p.527), impondo uma conexão entre as obras.
    A segunda sequência de Câncer ilustra muito bem essa ponte entre os filmes. O sobrevoo feito do mar em direção aos morros acaba por criar uma metáfora em Terra em transe: no filme, Glauber procura situar as relações do mundo subdesenvolvido através das grandes figuras simbólicas de poder, situadas no que podemos chamar de alto mundo. Em Câncer, a sequência que estabelece o diálogo com esta cena se inicia do alto de um morro. Em vez da exuberância da mata virgem temos o urbano. A câmera, no interior de um automóvel, faz um mergulho dentro desse ambiente, revelando um lado que havia sido suplantado no filme anterior. Se em Terra em Transe as decisões políticas de Eldorado ficavam confinadas entre os palácios e a natureza, em Câncer Glauber nos mostra que entre estes dois espaços havia a cidade. E com ela uma série de figuras marginais que, não tendo voz no processo político, vivem dentro de uma lógica de atomização.
    Câncer será o primeiro filme de Glauber a adotar o uso do som direto, está mudança técnica irá possibilitar uma liberdade necessária ao diretor. No filme, que Ismail Xavier classificou como “laboratório” (XAVIER, 2001, p.135), Glauber rompe com a estrutura do roteiro e do controle da dramaturgia, a dinâmica das cenas se dará pela lógica de um jogo onde o diretor propõe algumas regras iniciais e deixa, a partir daí, para que os atores/participantes improvisem e criem dentro deste espaço. É importante notar que ao incorporar o som direto, não faz da forma convencional, escondendo o dispositivo, pelo contrário, tenta escancarar com frequência o aparato que é visto invadir o quadro em diversas cenas. No uso convencional o som direto bloqueia a intervenção do diretor na cena, sob pena da quebra do efeito de imersão, já em Câncer o som direto ressalta o caráter do jogo e escancara a própria dinâmica na construção das cenas.
    Ao se centrar nas figuras marginais, Glauber aponta que a presença de Hélio Oiticica em Câncer é maior que sua participação como ator. Oiticica vê, diante da sociedade violenta e autoritária vigente, o marginal emergir como figura de ruptura. Glauber irá compartilhar também dessa visão, e o desafio de apresentar os excluídos do processo político fará o diretor movimentar novas formas de representação.
    A partir dessa breve apresentação, propomos um trabalho comparado que permita compreender os mecanismos usados por Glauber em Câncer na articulação das referências provenientes de Terra em Transe e da arte de vanguarda brasileira. Buscaremos compreender como a apresentação do mundo subdesenvolvido, através da perspectiva dos excluídos, exige uma articulação formal nova. Uma que escapa de estruturas rígidas em favor de formas mais abertas, que expressem melhor o sentimento de incompletude e frustração do ser subdesenvolvido em sua impotência frente ao mundo. Observaremos, então, que apesar de formas muito distintas, é a violência que conecta a Eldorado de Terra em Transe ao Rio de Janeiro de Câncer.

Bibliografia

    BENTES, Ivana, (org.) Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das letras, 1997
    DUARTE, Theo Costa. Marcas do experimental no cinema: um estudo sobre Câncer. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2012.
    FERNANDEZ, Alexandre Agabili. Os delírios do obscurantismo: Diálogos com Terra em Transe. Dissertação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1991
    FONSECA, Paulo Yasha Guedes da. “quatro dias para filmar, quatro anos para montar e sincronizar.” O Problema da temporalidade em Câncer de Glauber Rocha. Dissertação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. 2ª Edição. São Paulo: Brasiliense, 2013
    _____________ O Cinema brasileiro Moderno. 2ª Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2001
    _____________ Sertão Mar: Glauber Rocha e a Estética da fome. 2ª Edição. São Paulo: Cosac Naif, 2007