Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Marília de Orange Uchôa da Fonseca (UFPE)

Minicurrículo

    Professora, fotógrafa e pesquisadora pernambucana. Graduada em Fotografia (UNICAP), especializada em Estudos Cinematográficos (UNICAP), mestre em Comunicação (UFPE) e doutoranda do PPGCOM/UFPE. Profissional com ênfase na área da fotografia, do cinema e das artes buscando estabelecer e compreender suas relações com aspectos estéticos, políticos e sociais. Atualmente dedica-se ao projeto de pesquisa que busca compreender a estética do audiovisual Afro-Surreal.

Coautor

    Libia alejandra castañeda lopez (UFPE)

Ficha do Trabalho

Título

    Egum (2020) e o Afro-Surreal como catarse da realidade

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho apresenta o estudo de caso de Egum (2020), curta-metragem brasileiro Afro-Surreal dirigido por Yuri Costa. É de interesse da comunicação apresentar alguns elementos constitutivos do Afro-Surrealismo à luz da literatura crítica, da perspectiva decolonial (Andrade, Alves, 2020) e do terror intrarreal, termo criado por Bruno Galindo (2020).

Resumo expandido

    Um homem negro retorna ao lar de sua infância após anos de afastamento. O regresso é ocasionado pelo adoecimento de sua mãe por uma enfermidade – aparentemente – desconhecida. Numa noite, dois estranhos – brancos – batem na porta em busca do seu pai. Esse encontro faz brotar o medo de que uma nova tragédia acometa sua família e acende uma desconfiança de que algo sobrenatural se abateu sobre a sua mãe. Esse é o enredo de Egum (2020), curta-metragem brasileiro – abertamente vinculado ao Afro-Surrealismo – dirigido por Yuri Costa, que procura dar visibilidade – através do terror e do insólito – a uma temática historicamente invisibilizada: o traumático sensível experienciado por pessoas negras.

    Tradicionalmente, o terror é um gênero que parte da amplificação e exploração dos medos pessoais e traumas que habitam o imaginário coletivo. Importante ressaltar que esse quimérico é majoritariamente branco – reflexo do sistema-mundo colonial –, marcado por desvalorizar e tornar inumano os corpos que habitam a margem – como é o caso dos corpos negros e racializados (Coleman, 2019). Nesse contexto, há quem procure subverter essa lógica, usando o terror como uma ferramenta crítica frente à realidade da desigualdade social, do racismo e das violências, como é o caso do Afro-Surrealismo, uma forma de revelar o ocultado.

    Essa busca por tornar visível o invisível (Miller, 2009) é um dos pilares estruturais do Afro-Surrealismo, abordagem artística inserida no universo da ficção especulativa negra, que percebe no insólito uma ferramenta de dar visibilidade às violências invisibilizadas. Consideramos assertivamente que podemos defini-lo e pensá-lo não como se fosse uma cópia substituta do clássico surrealismo, mas como um gênero próprio num mundo que se move entre as consequências desastrosas do capitalismo e o legado colonial.

    Dessa forma, norteamos o estudo de caso de Egum (2020) utilizando o termo terror intrarreal cunhado por Bruno Galindo (2020). Segundo o autor, nessa categoria se representam experiências singulares e marginalizadas – muitas vezes incomunicáveis – com o intuito de torná-las de alguma forma inteligíveis. Ainda Galindo:

    (A) dimensão de experiências específicas […] e que, ao serem transformadas em modelos de terror, amplificam, não a catarse, menos ainda as epifanias, mas as contradições e rupturas, os fantasmas bem no meio da sala que nem todo mundo quer ver (Galindo, 2020).

    Egum (2020) demonstra como o Afro-Surrealismo está alinhado à perspectiva de utilizar o “terror” e o insólito como ferramentas de “estudo sobre o racismo, exotismo e neocolonialismo para pessoas negras que são excluídas das imagens ocidentais” (Coleman, 2019, p. 319). Ele está inscrito a partir das memorias traumáticas sofridas pelos corpos negros.

    Sugerimos, portanto, que o terror intrarreal é um recurso que se relaciona com a literatura decolonial. A “imagem” na perspectiva da decolonialidade “é o lugar de uma conjugação do sensível e do inteligível, e pode também ser investida de virtualidades imaginárias oriundas daqueles e daquelas que procuram existir e re-existir” (Andrade, Alves, 2020, p. 81). O luto, a saúde mental e emocional, o apagamento sistemático da memória, são trabalhadas e transformadas em modelos de terror que revelam questões sociais históricas da desigualdade fundamentada na raça.

    Vale ressaltar que, a principal delas, a doença da mãe – que se conecta com o título da obra –, é materializada na presença dos eguns. Egum, no culto aos orixás, designa a “alma de uma pessoa morta”. Ao explicar a doença através das lentes da cultura iorubá, colocando vários eguns ao lado da mulher em crise, o curta-metragem apresenta a questão: como um corpo lançado à margem pode se manter saudável enquanto os seus ancestrais não encontram a paz?

Bibliografia

    ANDRADE, Catarina Amorim de Oliveira. ALVES, Álvaro Renan José de Brito. O cinema como cosmopoética do pensamento decolonial. 2020.
    COLEMAN. Robin R. Means. Horror Noire: a representação negra no cinema de terror. DarkSide, 2019.
    GALINDO, Bruno. Terror Colonial | Terror Suprarreal | Terror Intrarreal. Sessão Aberta, 2020.
    MILLER, D. Scot (org). “Manifesto Afro-Surreal: Preto é o novo preto – Um manifesto do século XXI”. San Francisco Bay Guardian, v. 43, n. 34, 2009. Tradução de Yuri Costa.
    SPENCER, Rochelle. Afro-Surrealism: The African Diaspora’s Surrealist Fiction. Routledge, 2020.