Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    CLOTILDE BORGES GUIMARÃRS (FAAP)

Minicurrículo

    Artista e pesquisadora do campo das Artes Sonoras e do Audiovisual. É professora de som do Curso de Cinema (desde 2010) e no de Produção Audiovisual do Centro Universitário FAAP, São Paulo -SP. Possui graduação em Comunicação Social com habilitação em Cinema pela Universidade de São Paulo (1983), Mestrado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (2008), Doutorado pelo Programa de Pós-graduação Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP (2020)

Ficha do Trabalho

Título

    Vozes femininas nos documentários brasileiros da década de 1960.

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esse trabalho pretende reavaliar questões sobre o uso polifônico da voz nos documentários brasileiros da década de 1960. Polifonia é um termo usado pelo linguista Mikhail Backhtin para definir a relação do autor com outras vozes no romance. Vamos examinar o uso das vozes femininas em dois documentários brasileiro: A Entrevista (Helena Solberg, 1966) e A Opinião Pública (Arnaldo Jabor, 1967). Além do uso polifônico ou monológico dessas vozes, o que mais pode-se observar sobre esses depoimentos?

Resumo expandido

    A chegada do gravador Nagra III ao Brasil, na década de 1960, criou condições para a gravação sonora de modo portátil em documentários, possibilitando a gravação de depoimentos e entrevistas em lugares que antes eram de difícil acesso por causa do peso dos antigos equipamentos.Um novo elemento sonoro é incorporado ao documentário brasileiro: a voz das pessoas entrevistadas. Qual o lugar e o tratamento que foi dado as estas vozes? Percebemos que em alguns filmes a voz over permanecia e continuava sendo a voz que organizava e validava ou não as outras. Para Mikhail Bakhtin (1895-1975), linguista russo estudioso da prosa romanesca, existiam duas modalidades de romance: o monológico e o polifônico. No monológico, o autor concentra em si mesmo todo o processo de criação. Já no polifônico, o autor trabalha com conceitos de realidade em formação e inconclusibilidade, pela utilização de uma multiplicidade de vozes da vida social, cultural e ideológica. Para Bakhtin, a polifonia ultrapassava os limites da prosa romanesca, por isso também utilizamos o termo na análise do uso que fazemos das vozes no documentário. Por utilização polifônica da voz, entendemos o momento no documentário em que a entrevista ou o depoimento se torna um canal de expressão para o ponto de vista daquele indivíduo em relação ao seu lugar no mundo, que não precisa ser necessariamente o mesmo do autor ou autora. Para que isso ocorra é preciso que a/o cineasta estabeleça um canal de comunicação com a pessoa entrevistada, que ela/e queira escutar o que o outro tem a dizer. E por utilização monológica da voz, entendemos seu uso para afirmação das idéias e do ponto de vista do autor, que usa essas vozes de maneira retórica, para justificar suas ideias. Arnaldo Jabor, cineasta ligado o Cinema Novo, dirige A Opinião Pública (1967), um documentário de longa-metragem no qual é apresentado um inventário de comportamentos da classe média carioca e de seu perfil político e psicológico de apoio ao Golpe. Um ano antes (1966), Helena Solberg, cineasta do círculo do Cinema Novo, lança A Entrevista, documentário de 19 minutos, no qual, enquanto acompanhamos a rotina de uma jovem mulher no dia do seu casamento, ouvimos depoimentos de várias mulheres da classe alta carioca. Esses filmes oscilam entre o modo expositivo e o participativo, e em A opinião pública isso é mais evidente pelo uso da voz over do comentário que subordina a maioria das outras vozes como objetos de comprovação de uma tese de seu discurso retórico, portanto monológico. Mas, quando um pequeno espaço para a escuta se abre nos depoimentos de três mulheres, conseguimos perceber outros pontos de vista que não o do autor, e é quando o discurso se torna então polifônico. São esses pequenos momentos de fissura que dão esse caráter híbrido a esse filme. Em A Entrevista, na maior parte do tempo o discurso é polifônico, tanto que ao longo do filme escutamos vários depoimentos de mulheres diferentes e com opiniões diferentes sobre a situação da mulher em relação ao casamento naquela época. Talvez a necessidade da autora se posicionar contra o Golpe de 1964 e fazer uma crítica ao apoio que algumas mulheres da sua classe social deram ao Golpe, fez com que ela terminasse o filme de modo bem distinto de todo o resto. No final, a voz da entrevistada é silenciada por um som de tambor, em seguida uma voz over de comentário masculina nos informa sobre o apoio de organizações femininas conservadoras ao Golpe de 1964. Nesse momento o discurso se trona monológico, é a voz da autora que se impõe sobre as outras. Isso, de forma alguma, não desvaloriza o restante do filme que é um marco e precursor do cinema documentário da subjetividade. Somente demonstra esse momento de hibridismos e experimentações do documentário brasileiro com som sincrônico da década de 1960. Graças às pesquisadoras feministas, o filme A entrevista encontrou seu lugar de destaque nas discussões teóricas sobre o documentário brasileiro da década de 1960.

Bibliografia

    Aristóteles. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ed. Ouro, 1966.
    Bakhtin, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski.Trad. de Paulo Bezerra.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
    Bernardet, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
    Bezerra, Paulo. Polifonia. In: BRAIT, Beth. (Org.) Bakhtin, conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
    Holanda, Karla. Documentaristas brasileiras e as vozes feminina e masculina . São Paulo: Revista Significação, V. 42, N. 44, 2015, p. 339-358.
    _______. Helena Solberg: Entre o pessoal e o político. Belo Horizonte: Revista Devires, V. 14, N. 2, P. 184-203, JUL/DEZ 2017.
    Lins, C.L. Opinião pública (Arnaldo Jabor, 1966), retrato de classe (Gregório Basic, 1977) e Edifício Master (Eduardo Coutinho, 2002): a classe média vai ao paraíso. Intersecções (UERJ), Rio de Janeiro, v1, n.1, p. 127-136, 2003.
    Nichols, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2012.