Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Reinaldo Cardenuto Filho (UFF)

Minicurrículo

    Reinaldo Cardenuto é Professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense e possui doutorado em Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP). Dentre suas publicações, encontra-se o livro “Por um cinema popular: Leon Hirszman, política e resistência” (2020). Em 2016, dirigiu o documentário “Entre imagens (intervalos)” e organizou o livro “Antonio Benetazzo, permanências do sensível”. Atualmente, dedica-se a estudos sobre história, cinema, dramaturgia e teatro.

Ficha do Trabalho

Título

    O futuro a partir do passado: filmes brasileiros no fim da ditadura

Seminário

    Cinema no Brasil: a história, a escrita da história e as estratégias de sobrevivência

Formato

    Presencial

Resumo

    Nos anos 1980, quando o Brasil vivia o fim do regime militar, manifestou-se no cinema nacional uma produção em prol da democracia. Em vários filmes, exprimiu-se o desejo de construir uma nação para além do autoritarismo. Ao olhar o passado, criticando a ditadura e buscando exemplos de luta, as obras projetavam expectativas sobre o futuro. Por meio do humor, Hugo Carvana participou desse processo com a realização de Bar esperança. No filme, a nostalgia move os rumos para se pensar um novo país.

Resumo expandido

    Na primeira metade da década de 1980, quando o Brasil vivia os últimos anos do regime militar, emergiu no cinema nacional uma produção fílmica em defesa da redemocratização política. Em meio ao fim da ditadura, com a censura de Estado perdendo cada vez mais sua força de intervenção, a cinematografia brasileira foi aos poucos desenvolvendo revisões críticas em torno de um passado recente marcado pela brutalidade autoritária. Para pensar o porvir democrático da nação, fazia-se necessário expor os males cometidos pelo regime militar, tornar público aquilo que até então vivia oculto sob o manto cruel da repressão. Em filmes do período, o passado imediato escancarava-se como violência. Tal revisão, em graus variados, atravessa obras como Eles não usam black-tie (1981), de Leon Hirszman; Verdes anos (1984), de Carlos Gerbase; ou Em nome da segurança nacional (1984), de Renato Tapajós.

    Em muitos desses filmes, olhar para o passado significava pensar as questões de uma contemporaneidade na qual a sociedade brasileira vivia fortes expectativas em relação ao futuro. Para diversos cineastas, não se tratava apenas de criticar a ditadura, revisando a política autoritária dos anos anteriores, mas de localizar na história do país eventos que pudessem servir como inspiração para a construção de um novo projeto democrático. Havia, portanto, um olhar duplo sobre o passado: no tempo pretérito, algo a renegar e algo a ser recuperado. No documentário Os anos JK (1980), ao narrar a trajetória do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Silvio Tendler celebrava uma política conciliatória que poderia servir para a fundação da nova democracia. Em Cabra marcado para morrer (1984), mais do que recuperar a identidade e a trajetória de Elizabeth Teixeira, Eduardo Coutinho lançava a voz da líder camponesa em direção à luta política contemporânea. Do passado distante, em Memórias do cárcere (1984) e Quilombo (1984), exemplos de resistência à opressão projetavam-se rumo às questões do tempo presente.

    A dialética negar/retomar o passado para escrever o futuro, crendo no avançar da história para além das heranças autoritárias brasileiras, é também o cerne político do filme Bar esperança, realizado por Hugo Carvana. Dando continuidade ao seu projeto cinematográfico, voltado para o humor popular como leitura crítica e cultural do Brasil, o artista dirigiu em 1983 um longa-metragem cujo desenvolvimento narrativo ocorre sobretudo no interior de um bar. Espaço de sociabilidade fundamental para a esquerda carioca da década de 1960, onde se forjou um sentimento festivo e solidário em resistência aos desmandos iniciais da ditadura, o boteco emerge na obra de Carvana como lugar nostálgico a ser, de algum modo, resgatado do passado. Frequentado por personagens arquetípicos da esquerda, onde a pluralidade de opiniões é capaz de transforma-se em convivência democrática, o bar materializa-se no filme como símbolo de um modo de viver do passado que poderia servir de estímulo para os caminhos futuros da nação. Ainda que tal espaço estivesse desaparecendo da realidade, em consequência da especulação imobiliária e das práticas violentas do regime militar, recuperar nos anos 1980 o seu espírito frentista e celebrativo parecia fazer sentido em um país que tentava pactuar novas formas de conciliação social. Ao seu modo, sempre atravessado pelo carnavalesco e pelo humor escancarado, Carvana se inseria nos debates culturais e nas representações artísticas em torno da redemocratização brasileira.

    Concentrando-se na análise de Bar esperança, a comunicação pretende posicionar o filme de Carvana como exemplar de um processo criativo mais geral relacionado ao que chamarei provisoriamente de “cinema da redemocratização”. Para além disso, a fala propõe reflexões sobre um longa-metragem historicamente marginalizado nos estudos acadêmicos, destacando a dimensão política existente no gênero cinematográfico da comédia. Este estudo é financiado pela FAPERJ, Processo/SEI: 260003/000707/2023.

Bibliografia

    ATTARDO, Salvatore (org.). Encyclopedia of humor studies. California (USA): Sage, 2014.

    CARDENUTO, Reinaldo. A malandragem no país da ditadura: humor, deboche e política no cinema realizado por Hugo Carvana. Antíteses, Londrina, v. 12, n.23, p. 602-630, jan.-jul. 2019.

    KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 1999.

    NAPOLITANO, Marcos. 1964 – História do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.

    PIRANDELLO, Luigi. “O humorismo”. In. GUINSBURG, J. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 41-177.

    SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente. Cine de historia, cine de memoria: la representación y sus limites. Madrid: Cátedra, 2006.

    XAVIER, Ismail. Cinema brasileiro moderno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 200.

    ZAPPA, Regina. Hugo Carvana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005.