Ficha do Proponente
Proponente
- Cíntia Langie Araujo (UFPel)
Minicurrículo
- Cineasta, pesquisadora e professora de Cinema. Docente no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desde 2007. Atualmente coordena o projeto Circuito, para realização de roteiros em parceria com a comunidade. Mestre em Comunicação Social (2006) e Doutora em Educação (2020), com tese premiada pela CAPES. Atua na pesquisa acadêmica com ênfase nas questões relativas a cinema brasileiro, experiência estética e roteiro audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- TRANSCRIAÇÃO COMO DISPOSITIVO PARA ESCRITA DE ROTEIROS
Seminário
- Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- A pesquisa apresenta o dispositivo da transcriação como ferramenta didática para escrita de roteiros. A ideia é pensar acerca de processos de criação (Deleuze, 2005) inspirados por repertório de situações e estruturas (Rodrigues, 2014), em vias de transpassar marcadores narrativos de referências que vazem as estruturas clássicas. O termo transcriação advém de leituras dos irmãos Campos, e o prefixo trans é também inspirado nas provocações de Preciado (2019) acerca de novos modos de desejo.
Resumo expandido
- A presente comunicação apresenta o dispositivo da transcriação como estratégia didática para aulas de roteiro: escrever transcriando com marcadores narrativos de uma obra já pronta. Para tanto, a pesquisa agencia ideias e conceitos da poesia (irmãos Campos, 1968); da filosofia (Deleuze, 2005 & Preciado, 2019) e do cinema (Rodrigues, 2014). Tal proposta surge do desejo de pensar o processo de criação a partir de uma prática de transpassar obras de referência, com um arredor de diferença, por isso chamamos “transcriar”.
O prefixo TRANS remete ao contemporâneo, a vontade de fazer poesia com os corpos – a ideia de inventar outros modos de existir para além das normatividades. Para Preciado (2019), a fabricação de um outro regime do desejo inicia com a desconstrução. É isso que nos interessa no ensino de cinema: inaugurar uma condição de possibilidade de fazer variações. Transitar entre moldes e singularidades, numa fabricação de outros modos: modos de desejo – modos de escrita.
O dispositivo da transcriação, inaugurado por nós nas disciplinas de Roteiro da UFPel, pressupõe inicialmente uma curadoria atenta, que vasculhe curtas-metragens de ficção com algum aspecto inovador em sua estrutura narrativa. Curadoria atenta também a filmes de temáticas emancipatórias, com inspiração nas provocações de hooks (2019) e Davis (2017). Depois, investe em realizar a engenharia reversa: analisar a obra com os estudantes e elencar esses marcadores narrativos disruptores, principalmente algumas modulações frente ao padrão clássico de contar histórias. Dessa varredura, surgem as balizas, os limites e a proposta de uma escrita – uma tradução – dentro dessa mesma singularidade estética.
Um ponto motivador de tal dispositivo advém de lecionar em um Centro de Artes, junto às áreas de Música e Teatro, nas quais costuma-se começar transcriando com outras obras e artistas. No cinema, comumente, já partimos para histórias originais, sem às vezes beber de repertórios ou sem construir um arcabouço de referências. Desse modo, a pesquisa rodeia a cerne questão: como um processo criativo desencadeado pela análise de obras com estruturas inovadoras pode oferecer caminhos de aprendizagem no que se refere a escrita de roteiros?
Transcriação é um termo bastante utilizado no campo da poesia concreta, sobretudo nas teorizações de Haroldo de Campos (2004), para designar um processo de tradução que se caracteriza por ser criativo. “Traduzir é reinventar. Sua meta é criação” (Campos, A. & Campos, H., 1968, p. 3). A transcriação, para os irmãos Campos, se refere a um processo que se subdivide em três aspectos: trata-se de uma crítica, uma criação e uma tradução. Na nossa proposta, trata-se de crítica – análise e engenharia reversa -; também uma espécie de tradução – recriar a mesma estrutura – e uma criação – preencher essa estrutura com nova temática, novos personagens e eventos.
Quando fala especificamente do cinema, Deleuze (2005) diz que a criação pressupõe um certo vazamento – criar é também inventar um novo jeito de resolver problemas, encadear imagens e sons, contar histórias a partir de um mundo inconfundível. Este mundo é criação da(o) artista, mas para gerar a engrenagem que faz o motor da trama funcionar, muitas vezes, é possível roubatilhar e transcriar com estruturas de referência.
A roteirista e escritora Sonia Rodrigues (2014) defende que uma autoria em roteiro tem a sua disposição um repertório de situações e estruturas. Para ela, o processo de desenvolvimento de uma história precisa de técnica, e esta pode surgir da inspiração em outras obras. A escolha pelo livro de Sonia deriva da vontade de arejar a bibliografia, transgredir os manuais de roteiro escritos por homens brancos estadunidenses. De toda essa mistura conceitual, surgem exercícios livres de aula. Alguns resultados desse processo de aprendizagem serão compartilhados durante a apresentação no congresso, com uma análise mais aprofundada sobre a experiência prática do transcriar.
Bibliografia
- Campos, A., & Campos, H. Traduzir & trovar (poetas dos séculos XII a XVII). São Paulo: Papyrus, 1968.
CAMPOS, Haroldo de. Da Tradução como Criação e como Crítica. In: Metalinguagem e outras metas São Paulo: Perspectiva, 2004.
DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2017.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2005.
_________. O ato de criação. Tradução: José Marcos Macedo. In. Folha de São Paulo, 27/06/1999. Transcrição de conferência realizada em 1987.
hooks, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.
PRECIADO, Paul B. Multidões queer: notas para uma política dos anormais. In HOLLANDA, Heloisa Buarque (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019.
RODRIGUES, Sonia. Como escrever séries: roteiro a partir dos maiores sucessos da TV. SP: Aleph, 2014.