Ficha do Proponente
Proponente
- Bernardo Demaria Ignácio Brum (UERJ)
Minicurrículo
- Bacharel em Jornalismo pelo Centro Universitário Carioca. Mestre e Doutorando em Comunicação Social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Formado em Roteiro Cinematográfico na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Trabalhou como crítico de cinema, videomaker e cinegrafista. Já publicou nas revistas Revista Universitária do Audiovisual – RUA, Divers@! e Culturas Midiáticas e apresentou trabalhos em eventos como SOCINE, INTERCOM e ALCAR e o internacional Children of The Night.
Ficha do Trabalho
Título
- Como narrar o crime: Cidade Nua (1948) e A Tênue Linha da Morte (1988)
Formato
- Presencial
Resumo
- Este estudo propõe uma análise da evolução da narrativa criminal ao longo do século XX a partir do film noir Cidade Nua (1948) e o documentário A Tênue Linha da Morte (1988). Pensa-se como a ficção semidocumental do primeiro e o documentário com influências ficcionais do segundo impactam a forma do texto do popular gênero true crime. Por fim, discute-se a exposição de fatos influenciada pelo romance dentro do conceito de “gênero transicional representativo”, proposto por Steiner (1988).
Resumo expandido
- O documentário true crime surge como um modo de grande sucesso em plataformas de streaming e podcasts, com produtos como Serial (2014), Making a Murderer (2015), Dirty John (2017) e Tiger King (2020). Murley (2008, p. 55) nota que o gênero possui grande influência de A Sangue Frio, romance icônico do New Journalism escrito por Truman Capote em 1966, graças à “modelagem de pessoas reais em personagens literários e a introdução de técnicas de escrita de ficção na escrita de não-ficção”. Capote narra o julgamento de dois condenados por assassinato mesclando objetividade e intimidade através de técnicas como o discurso indireto livre.
Ao comentar a crise do romance, Steiner (1988, p. 105-107) observa a ascensão do que chama de “pós-ficção”, espécie de colaboração entre o factual e o que seria “uma retórica específica de representação vívida”, uma forma nascente influenciada pelo auge romance. No âmbito audiovisual, analisaremos esse tipo de evolução propondo um diálogo entre duas obras de propostas opostas, notando a partir de suas diferenças as convergências que alcançam: Cidade Nua (1948), dirigido por Jules Dassin, influente no cinema policial procedural ao apresentar uma forma semidocumental, e A Tênue Linha da Morte (1988), onde o diretor Errol Morris infunde em seu documentário técnicas estilísticas de ficção.
Para entender a influência de Cidade Nua (1948) no texto da narrativa true crime, interpretamos a análise de Murley (2008) do filme ser prototípico para esse tipo de narrativa a partir do que Ian Punnett (2017) define como “códigos” típicos do texto do gênero: o filme exibe o código “geográfico”, usando a cidade de Nova Iorque como pano de fundo e personagem, representando vários tipos de atividades paralelas dos cidadãos à investigação do crime; também é “forênsico”, detalhando as descrições de crime e representando-os, percebido pela autora como voyeurismo e serialidade da existência do crime e a dificuldade de investigá-lo, bem como os códigos “vocativo” e de “cruzada”, utilizando a voice over autoritária típica dos documentários na narrativa para guiar a apresentação de arquétipos de histórias procedurais, como identificação de cadáveres, interrogatório de suspeitos e análise de cenas de crimes em uma narrativa episódica.
A seguir, analisamos na contramão o documentário feito quatro décadas depois A Tênue Linha da Morte (1988), filme importante para a história do gênero, onde a análise de Murley (2008) repete a percepção de uma influência do film noir. O estilo de filmes policiais americanos que abusa de sombras e ângulos distorcidos para reforçar suas temáticas ambíguas e personagens falhos, que Mascarello (2006) define como uma representação do mal-estar urbano nos Estados Unidos pós-guerra. Nesse sentido, a autora detalha que elementos como a voice over e o cenário “mundano” (ainda que ameaçador) seriam variações desse tipo de cinema. Em forma documental, a obra faz o que Kaymaz (2012, p. 74) chama de “quebrar a realidade com a edição”, questionando a versão oficial que condenou o acusado Randall Dale Adams apresentando múltiplas perspectivas e reconstituições, trazendo como influência do noir a “iluminação sombria, trilha sonora repetitiva e hipnótica, apresentação de personagens estranhos e a vida decadente e invisível das classes baixas americanas” (MURLEY, 2008, p. 98). Entre os códigos de Punnett (2017) podemos indicar o de “Cruzada” e o de “Subversão”, que visa uma campanha de justiça para inocentar uma vítima de acusação.
Assim, o presente trabalho pretende conceituar a importância e o legado dessas obras de ficção e documentário na formação estilística e narrativa de um gênero contemporâneo. Apresentaremos, também, traços semelhantes em obras posteriores de grande expressão, ficcionais ou documentais pensando em como esse “barômetro cultural”, como diz Murley (2008) registra, ao longo dos anos, medos e ansiedades sociais e como tal demanda esmiuça a fronteira entre ficto e fato.
Bibliografia
- MASCARELLO, Fernando (org). “Film noir”. In: História do cinema mundial. Campinas: Papirus Editora, 2015.
PUNNETT, Ian Case. Toward a Theory of True Crime: Forms and Functions of Nonfiction Murder Narratives. Tese (Doutorado em Filosofia) – Arizona State University, 2017.
MURLEY, Jean. The rise of true crime: 20th-century murder and American popular culture. Westport: Praeger Publishers, 2008.
STEINER, George. O Gênero Pitagórico: Uma conjetura em honra de Ernst Bloch. In: Linguagem e Silêncio: Ensaios Sobre a Crise da Palavra. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. cap. 6, p. 100-114.
KAYMAZ, Özlem Tugce. The Thin Blue Line: How can we destroy actuality with editing?. CINEJ Cinema Journal, Pittsburgh, v. 1, ed. 2, 2012.