Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    YANET AGUILERA VIRUEZ FRANKLIN DE MATOS (UNIFESP)

Minicurrículo

    Professora de História do Cinema do Departamento de História da Arte da Unifesp. Fundadora do Colóquio de Cinema e Arte na América Latina

Ficha do Trabalho

Título

    A MADONA E O CAVALEIRO – UMA RELEITURA DE VIDAS SECAS

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Formato

    Presencial

Resumo

    Trata-se de ver os desdobramentos da leitura canônica do Romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos e do filme homônimo, de Nelson Pereira dos Santos, em que se defende a bestialização dos personagens humanos e a humanização da cachorra Baleia. Como contraponto, pretendemos mostrar que há uma discrepância enorme entre o que o romance e o filme mostram com esta visão da crítica. O que se coloca em questão é a maneira como concebemos e praticamos a avaliação literária e cinematográfica.

Resumo expandido

    Muitas vezes se reduziu o cinema latino-americano a seu aspecto político mais evidente: denuncia do subdesenvolvimento congénito que parece assolar nossos países. Esta perspectiva permitia a parte da crítica jogar um duplo role. Primeiro, o de instância rebaixada, dado que pertencia a esse mundo “atrasado”, de modo que passava a copiar categorias e classificações emprestadas a centros de pensamento mais prestigiados sem questiona-los sobre sua possível adequação ao assunto tratado. Segundo, por meio da interpretação da narrativa fílmica, cumpria o papel de instâncias esclarecedora, com a pretensão de denunciar, por meio da elucidação crítica, o estado deplorável da parcela de realidade retratada no filme. A soma dos dois papeis tinha como resultado uma transposição do sentimento de inferioridade, que parece internalizado no momento que a crítica copia critérios, para o retrato do contexto escolhido. Ao mesmo tempo que se via no filme a denuncia da extrema exploração à que está submetida a grande maioria das populações de América Latina, a indigência e a miséria apareciam nos relatos críticos contaminando a capacidade intelectual dos explorados. Este tipo de abordagem não é exclusiva da crítica cinematográfica, pois já tem história nas interpretações dos textos literário. É o caso da leitura canônica de Vidas Seca, de Graciliano Ramos e da sua adaptação ao cinema por Nelson Pereira dos Santos. Esta versão aparece nos textos que servem para preparar os estudantes para o vestibular quando se analisa a história da fuga da seca da família de nordestino e a situação limite de pobreza à qual estão submetidos. Segundo a leitura canônica deste livro e do filme, para denunciar a miséria do Serão, Graciliano teria reduzido o sertanejo à condição de “bicho”, pior que a Baleia, a cachorra da família; o animal doméstico pare possuir mais humanidade que seus donos. Vocês sabem que Graciliano atribui sentimentos e pensamentos ao animal, chega-se a afirmar que “Baleia é o único ser que traz
    afeto à família” (Avancini, 2014:86). Os humanos são retratados, tanto pelo escritor como pelo cineasta, evidenciando a rudez do homem rural, com suas poucas palavras, seus sentimentos encolhidos e a timidez que o acomete quando se vê obrigado a sair de seu espaço familiar e enfrentar o povoado. Pensar que, a partir disto, o escritor bestializa seus personagens é um pulo que, de meu ponto de vista, está mais relacionado ao duplo papel jogado pela crítica que com o próprio romance e filme. A comparação entre pessoas e bicho desta história repete toda uma economia das diversas relações entre animal e humano, no sentido que Giorgio Agamben desenvolveu em L’aperto. L’uomo e l’animale (2002). A definição do que é humano ou não incide sobre a ordenação e os valores do mundo. Assim, sempre a noção incorre em nossa práxis e nas das instituições do mundo em que vivemos. Ao atribuir a falta de humanidade à pouca linguagem que os personagens possuem, supõe-se uma desvantagem cognitiva – Sinhá Vitória e Fabiano se comunicam por monossílabos e não sabem responder à pergunta do menino mais velho, maltratando-o por esse motivo. Esta carência da linguagem é acrescida pela falta de nome dos filhos do casal, que são chamado de menino mais velho e menino mais novo, ao contrário da cachorra que se chama Baleia. O não saber falar fluentemente, o não possuir nome se transforma, no mundo urbano moderno, em indício da degradação do homem, transformando-o em bicho. Estamos em plena antropogenia do século XIX, que postula o Pithecantrhopus alalus, o homem-símio, que carece de linguagem (Agamben, 2005). Se estabelece uma evolução que cria uma sinonímia ontológica entre a linguagem e o humano. Carlos Lineu, segundo Agamben, define o homem como aquele capaz de se reconhecer no macaco. Propõe-se uma contra-leitura do Romance e do filme, mostrando que eles tratam de outra coisa.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. O aberto – o homem e o animal. Rio de Janeiro, Civilización Brasileira, 2013.
    AVANCINI, Atílio e PENNA, Juliana. “Antologia da Crítica Cinematográfica de Vidas Secas”. In Revista Brasileira de História e Mídias. No 2, 2014. https://www.unicentro.br/rbhm/ed06/dossie/08.pdf
    CANDIDO, Antonio. Ficção e Confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, Editora 34, 1992.
    CASTRO, Eduardo Viveiros de, “Diálogos sobre o fim do mundo” In http://brasil.elpais.com/autor/eliane_brum/a/
    HAECKEL, Ernst. History of Creation. Vo. II. New York, Appleton and Company, 1887. Citado por Ranieri, Ribas, Cleber “O aberto: o homem e o animal de Giorgio Agamben, In Pensando – Revista de Filosofia Vol. 4, No 8, 2013. http://www.ojs.ufpi.br/index.php/pensando/article/view/1418 (consultado en 23 de marzo de 2015).
    OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de (org.) Estudos Comparados de Literatura, Assis, Unesp, 2005.
    RAMOS, Graciliano. Vidas Secas, Rio de Janeiro, José Olympio, 1938