Ficha do Proponente
Proponente
- Lia Bahia (UFF)
Minicurrículo
- Lia Bahia é professora e pesquisadora do departamento de cinema e vídeo da UFF. Realiza investigações sobre economia política do cinema e do audiovisual, com foco em políticas públicas, e integra o Fórum de Tiradentes. Trabalhou na gestão pública com políticas de fomento, formação e difusão e publicou o livro “Discursos, políticas e ações: processos de industrialização do campo cinematográfico brasileiro” entre outros textos.
Coautor
- Pedro Butcher (ESPM-RJ)
Ficha do Trabalho
Título
- Para além da produção: por uma política para a cadeia do audiovisual
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil.
Formato
- Presencial
Resumo
- Ao longo da história do cinema no Brasil, as políticas desenhadas para o setor buscaram o modelo industrial centrado na ideia de produto. Esse discurso se desdobrou em práticas que resultaram na concentração do financiamento e de ações programáticas no elo da produção. Hoje, pensar a economia política do audiovisual exige uma compreensão menos linear da cadeia, que seja capaz de abarcar a transversalidade dos campos da formação, produção, distribuição/circulação, exibição/difusão e preservação.
Resumo expandido
- A descrição do modelo industrial do cinema e do audiovisual costuma estabelecer a produção como ponto de partida de toda uma cadeia, cujo objetivo final seria a sala de exibição e, mais recentemente, as múltiplas telas possíveis para apreciação e consumo. No entanto, já nos primórdios da imagem em movimento podemos pensar essa cadeia de outras formas. O cinema começa a se expandir como uma tecnologia. O equipamento estava no centro dos negócios e os filmes eram feitos para que essa tecnologia pudesse se fazer ver. Mais adiante, a atividade se organiza como indústria de forma totalmente diferente das indústrias tradicionais, em que os filmes eram alugados por companhias distribuidoras aos exibidores, que por sua vez vendiam aos espectadores o acesso aos produtos. Na formação do oligopólio denominado “Hollywood”, que se tornou hegemônico nos EUA e em muitos países, as oito companhias que o constituíram tiveram suas origens nos ramos da exibição e da distribuição.
As companhias de Hollywood compreenderam a importância da informação e da distribuição e adotaram políticas agressivas nesses campos, no sentido de construir hierarquias e barreiras de entrada para garantir uma operação concentrada. Em países como França e Coreia do Sul, conhecidos por bem-sucedidas políticas públicas para o audiovisual, os conceitos e ações levam em conta a complexidade da cadeia audiovisual, bem como sua necessidade de estar em constante atualização, na mesma medida em que a tecnologia movimenta a atividade.
Ao longo da história do cinema no Brasil, país marcado por uma tradição importadora, as políticas desenhadas para o setor buscaram e reafirmaram o modelo industrial (AUTRAN, 2013) centrado na ideia de produto. Pensadores como Jean Claude Bernardet e Paulo Emílio Salles Gomes chamaram atenção para a centralidade absoluta da produção na historiografia e nos esforços de industrialização. Para Bernardet (1995, p. 26-27), “a escolha de uma filmagem como marco inaugural do cinema brasileiro, em vez de uma projeção pública, não é ocasional, é uma profissão de fé ideológica”, e essa decisão está “investida pela visão corporativa que os cineastas brasileiros têm de si mesmos, e por uma filosofia que entende o cinema como sendo essencialmente a realização de filmes”. Salles Gomes (2016, p. 64), por sua vez, afirma que profissionais do cinema no Brasil “não sentiam até que ponto a produção, distribuição e exibição de filmes são atividades solidárias”.
Houve continuidade institucional na busca por uma industrialização com foco no produto em seu sentido mais tradicional. Esse discurso e suas repercussões resultaram em práticas que concentraram não só o financiamento no elo da produção, mas também a ação programática no âmbito das políticas públicas e as pesquisas acadêmicas da área.
No contemporâneo, a ideia de processo ganha espaço nas discussões políticas. No cinema e no audiovisual, cada vez mais é preciso buscar uma compreensão não linear da cadeia, que amplie seu espectro e seja capaz de pensar a transversalidade dos campos da formação, produção, distribuição/circulação, exibição/difusão e preservação. Para Lia Bahia (2023), faz-se necessário atentar para uma visão sistêmica e transversal na construção de um pensar-saber-fazer conceitual e prático que, na formulação de políticas, seja menos focado no produto e mais nos processos.
Essa mudança de percepção está em sintonia com as conquistas de movimentos sociais e das políticas públicas intersetoriais (expansão da universidade pública, política de cotas, combate à fome, entre outras). Reflexões sobre a necessidade de novos conceitos, olhares, narrativas, éticas e estéticas para imaginar as políticas públicas, atentando para a dimensão processual, transversal e transdisciplinar da cadeia produtiva do cinema e audiovisual no Brasil, são urgentes.
Bibliografia
- AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. São Paulo:
Hucitec editora, 2013.
BAHIA, Lia. Políticas públicas para o cinema e audiovisual em três atos: os movimentos do cinema e audiovisual no Brasil nos anos 2000. In Espirales, Foz do Iguaçu, UNILA, 2023, p. 27-42.
BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.
BUTCHER, Pedro. Hollywood e o mercado de cinema no Brasil: princípios de uma hegemonia. Tese de doutorado. Niterói: UFF, 2019.
GOMES, Paulo Emilio Salles. Uma situação colonial?. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
QUINN, Michal Joseph. Early Film Distribution and the Development of the Motion Picture Industry: Famous Players and Paramount, 1912-1921. University of Wisconsin-Madison, 1998.