Ficha do Proponente
Proponente
- Samuel Macêdo do Nascimento (PPGCOM/UFC)
Minicurrículo
- Atualmente é professor substituto do curso de Artes Visuais da URCA (Universidade Regional do Cariri). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (Linha 01 – Fotografia e Audiovisual) da Universidade Federal do Ceará – UFC, sob a orientação da professora Dra. Beatriz Furtado. Integra o LEEA (Laboratório de Estudos e Experimentações em Artes e Audiovisual). Mestre pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – UFBA. Graduado em Comunicação Social – UFC.
Ficha do Trabalho
Título
- Nordeste Ficção Científica: Estéticas e Filmes Distópicos
Formato
- Presencial
Resumo
- Abaixo a Gravidade (2018, Edgard Navarro), Inferninho (2018, Guto Parente e Pedro Diógenes) e Bacurau (2019, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles) são filmes brasileiros que abordam contextos distópicos costurados às questões que forjam as compreensões e os sentidos que inventam a região Nordeste, em devir. A partir da comparação entre filmes, entenderemos como as estéticas futuristas assombram as camadas temporais do cinema (BRENEZ, 2017).
Resumo expandido
- “E não quero ir pra Marte, quero ir pro Ceará” – diz o verso da canção Bombinha da cantora potiguar Juliana Linhares no disco “Nordeste Ficção” de 2021. Os nordestinos não precisam fugir para Marte ou qualquer planeta para enfrentarem as distopias que se apresentam em Abaixo a Gravidade, Inferninho e Bacurau. Cada distopia tem o seu drama e porquê. Os três filmes dos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco, respectivamente, não representam com onipresença as diferenças e aproximações entre os nove estados que compõem a região Nordeste; mas nos dão pistas das repetições e temas que orbitam os imaginários e as estéticas que flertam com os caminhos que nos levariam para o fim do mundo.
O desterro, ou ameaça da perda da terra, é a tragédia do povo testemunhada nas oralidades, literatura, cinema, pintura e demais criações artísticas que são ou retratam o fenômeno da migração nordestina. Forçada ou não, a migração não era uma opção, mas sim destino compulsório das multidões moventes que enfrentavam a seca, os arranjos políticos oligárquicos e sonhavam com o recomeço como garantia da dignidade (ALBUQUERQUE, 2006).
Talvez a execução do plano de destruição da pequena Bacurau fosse diferente, se os personagens de países do norte global tivessem visitado o Museu da cidade. No Museu os objetos e as coleções falam de uma resistência, apesar dos acordos estabelecidos pelas elites políticas da região. O inimigo é enterrado vivo debaixo do chão, mas a ameaça continua à espreita como revanche. “Devemos ter consciência da brutalidade, da crueldade, do desprezo, contra populações que, para racistas, capitalistas e imperialistas, são populações descartáveis, das quais eles/as podem tomar objetos, saberes e técnicas” (VERGÈS, 2023, p. 52).
Inferninho é realizado em parceria com o Grupo Bagaceira de Teatro, portanto a dimensão da performance, em diálogo com o próprio imaginário futurista, se mescla com a cultura cearense através de fenômenos como o forró eletrônico dos anos 1990 e as primeiras décadas do século XXI. A estética camp está na paisagem, nas roupas, maquiagem e demais elementos da direção de arte do filme, que também estabelece paralelos com o campo do Teatro e das Artes Visuais.
Abaixo a Gravidade tem a doença, a velhice e a saída do mundo rural para o urbano como dramas centrais. O filme estabelece uma conexão temporal onde passado e presente se cruzam e se tornam a resistência que contorna a promessa do fim. Deuses negros iorubás fazem paralelo com alienígenas, mas os primeiros são trazidos forçadamente de África em naus. O futuro é negro, pois foram os povos escravizados que garantiram que seus artefatos, tecnologias e divindades estivessem materializados no porvir (FREITAS E MESSIAS, 2018).
O futuro está nas estéticas, mas sem refundar o messianismo (DIDI-HUBERMAN, 2015). É o caso do óvni/drone e dos misteriosos comprimidos usados pela comunidade de Bacurau; da presença invisível das divindades negras em Bacurau e Abaixo a Gravidade; dos corpos e performatividades subversivas de Lunga (Bacurau), Bené (Abaixo a Gravidade) e o grupo de corpos dissidentes que frequenta o bar de Deusimar (Inferninho). Nesses filmes “a imagem, por sua vez, turva as mensagens, emite sintomas, nos entrega ao que ainda se esquiva. Porque ela é dialética e inventiva, porque ela abre o tempo” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p.240).
Os três filmes flertam com o fim do mundo sem refundar mitos cristãos sobre o apocalipse. É preciso disputar até os sentidos do apocalipse hegemônico, pois para muitas pessoas e grupos o fim do mundo aconteceu há algum tempo, é o caso dos povos indígenas e negros escravizados nas Américas. A raça negra, em especial, é o grande contingente populacional do Nordeste. Produzidos em um momento de retrocesso político, sem contar com uma pandemia que logo se alastrou pelo mundo, Abaixo a Gravidade, Inferninho e Bacurau antecedem e se fundem com os traumas causados pela COVID-19 e a ameaça à democracia e o futuro do Brasil.
Bibliografia
- ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. – 3.ed – Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2006.
BRENEZ, Nicole. Contra-ataques. In: DIDI-HUBERMAN. (org.). Levantes. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017,
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
FREITAS, Kênia; MESSIAS, José. O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo – as distopias do presente. Das Questões, [S. l.], v. 6, n. 1, 2018.
SHOHAT, Ella. STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. – São Paulo: Cosac Naify, 2006.
SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2019.
VERGÈS, Françoise. Descolonizar o museu: programa de desordem absoluta. – São Paulo: Ubu Editora, 2023.