Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro (UFBA)

Minicurrículo

    Professor de História e Teorias do Cinema e do Audiovisual (Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia), é o autor do livro Do inimaginável (Editora UFG, 2019) e de artigos e outros textos sobre cinemas africanos, arquivo e descolonização, imagem e direitos humanos, entre outros temas.

Ficha do Trabalho

Título

    Comparação, encruzilhada, nebulosa: situando 25 (1974-1976)

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    Por meio da comparação entre 25 (Celso Luccas e Zé Celso, 1974-1976) e outros filmes e experiências de cineastas estrangeiros em torno da independência de Moçambique e da análise de encruzilhadas comparativas que o filme mobiliza (como quando apresenta Samora Machel ao som da canção “Zumbi”, de Jorge Ben Jor), este trabalho parte do filme de Celso Luccas e Zé Celso para interrogar a comparação como procedimento e propor a noção de nebulosa como experimento metodológico.

Resumo expandido

    Considerando os fluxos transculturais e transnacionais que constituem a história do cinema na década de 1970, associados a “conexões de solidariedade manifestadas no cinema entre vários países socialistas e as lutas de libertação da África lusófona” (Gray, 2016, p. 36) e a formas de “solidariedade transnacional” que projetam, especialmente na estética e no discurso do tricontinentalismo, uma “coletividade política transracial” (Mahler, 2018, p. 3), proponho uma interrogação dos enquadramentos coletivos variáveis inscritos e mobilizados no filme 25 (1974-1976). Produzido pelo Teatro Oficina (renomeado como Oficina Samba de 1973 a 1979), durante o período de exílio de Celso Luccas e José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso), no contexto da ditadura que governou o Brasil de 1964 até 1985, 25 é o segundo filme dos diretores (após O Parto, de 1975) e se tornou uma das primeiras produções do Instituto Nacional de Cinema moçambicano, no governo de Samora Machel.
    Para situar o filme em seu contexto, proponho uma primeira interrogação das possibilidades e limites da comparação, ao inseri-lo, em primeiro lugar, em um conjunto de filmes que se dedicaram, na mesma época, à história e à independência de Moçambique. Alguns exemplos são: Estas são as armas (1978), de Murilo Salles, Plantar nas estrelas (1978), de Geraldo Sarno, ou Mueda, Memória e Massacre (1979), de Ruy Guerra. Ao mesmo tempo em que se insere nessa constelação transnacional, 25 participa, igualmente, da nebulosa de que emerge essa constelação. Essa nebulosa pode ser entendida como um conjunto composto tanto pela luminosidade estelar mais nítida dos filmes e de seus elementos múltiplos, quanto por formações interestelares que não assumem necessariamente a forma de filmes, entre as quais podem ser destacadas outras experiências cinematográficas e audiovisuais no Moçambique independente, envolvendo cineastas estrangeiros, como aquelas mais conhecidas de Jean Rouch com o Super-8 e de Jean-Luc Godard com a televisão (Bamba, 2012).
    A comparação se revela um procedimento metodológico fundamental, assim, para compreender os fluxos transculturais e transnacionais que definem 25 e seu contexto. Ao mesmo tempo, a comparação é um procedimento recorrente nas configurações estéticas e discursivas do filme, que articula registros em 16mm com uma série heterogênea de materiais de arquivo, tais como: trechos de cinejornais, registros da televisão portuguesa, filmes coloniais de ficção, músicas e filmes associados à luta anticolonial em diferentes contextos históricos, entre outros. Pode-se reconhecer, assim, que a relevância da comparação para o estudo de 25 decorre não apenas de uma opção teórico-metodológica (entre outras), mas, mais fundamentalmente, do modo como o próprio filme é construído e opera. Nesse sentido, argumento que 25 constitui encruzilhadas comparativas, caracterizando nesses termos alguns dos gestos comparativos que estão em jogo no modo como o filme mobiliza sua “coleção de empréstimos” (Monteiro, 2017, p. 7) e participa, assim, do que Catherine Russell (2018) denomina “arquivo-logia”, entendida como um conjunto de práticas de “reuso, reciclagem, apropriação e empréstimo de material de arquivo que cineastas vêm realizando há décadas” (Russell, 2018, p. 1).
    De modo geral, em 25, na constelação de filmes em que se insere e na nebulosa de experiências de que participa, é possível reconhecer dimensões translocais e globais das estratégias da Frente de Libertação de Moçambique, assim como de outros atores envolvidos. Por meio de uma análise concentrada no modo como o filme apresenta Samora Machel ao som da canção “Zumbi”, de Jorge Ben Jor, caracterizo a aspiração da Frelimo de usar o cinema como instrumento de unificação nacional e argumento que 25 é inseparável de uma recusa de unificação, decorrente da mobilização do cinema como um aparelho cosmopoético (Ribeiro, 2023).

Bibliografia

    BAMBA, M. In the name of “cinema action” and Third World: The intervention of foreign film-makers in Mozambican cinema in the 1970s and 1980s. Journal of African Cinemas, v. 3, n. 2, p. 173–185, 2012.
    GRAY, R. Já ouviu falar de internacionalismo? As amizades socialistas do cinema moçambicano. In: MONTEIRO, L. R. (ed.). África(s), Cinema e Revolução. São Paulo: Buena Onda, 2016, p. 35–65.
    MAHLER, A. G. From the Tricontinental to the global South: race, radicalism, and transnational solidarity. Durham: Duke University Press, 2018.
    MONTEIRO, L. R. Passagem de imagens, imagens da passagem: a circulação de filmes ligados ao processo de independência moçambicano. Rebeca, v. 6, n. 2, p. 1–16, 2017.
    RIBEIRO, M. R. S. Em busca do mundo: literatura e cinema como dispositivos cosmotécnicos e aparelhos cosmopoéticos. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 25, n. 49, p. 22–50, 2023.
    RUSSELL, C. Archiveology: Walter Benjamin and Archival Film Practices. Durham: Duke University Press, 2018.