Ficha do Proponente
Proponente
- Viviane de Carvalho Cid (PPGCINE)
Minicurrículo
- Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual – PPGCine/UFF, pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Imagem e Som (Kumã – UFF). Mestre em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA-UFRJ. Professora de Sociologia no Estado do Rio de Janeiro e Orientadora Educacional na Prefeitura de Maricá (Rio de Janeiro).
Ficha do Trabalho
Título
- Fazer imagens e transitar delírios em cinema de grupo com professores
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir dos encontros mobilizados pela pedagogia do dispositivo do projeto Cinema de Grupo (Kumã-UFF) voltado para docentes, trago reflexões em torno de um fazer-cinema que, através de imagens sem intencionalidade de sujeitos, são disparadores de reformulações do sensível ao gerarem experiências comuns que fazem emergir delírios enquanto forças inventivas de si, do mundo e da própria vida.
Resumo expandido
- Desde 2018, acompanho professores que se reúnem semanalmente durante uma hora e meia para experimentar cinema. O projeto de extensão Cinema de Grupo, desenvolvido pelo Laboratório Kumã (UFF), tem como base o que chamamos de pedagogia do dispositivo que envolve experimentar cinema a partir de pequenos desafios de imagem e som, com regras simples e comuns a todos. As imagens ou sons produzidos pelo grupo são assistidas sem revelar a autoria e movimentam cada encontro. A partir desse fazer-cinema, alimenta-se um espaço-tempo singular para emergências dos múltiplos movimentos de diferenciações de si mesmo em abertura para o outro.
Acompanhar esses movimentos inventivos que surgem destes grupos, nos permite sentir as dinâmicas de forças micro e macropolíticas que atravessam nossas maneiras de viver e nos impulsiona a tecer olhares para educação que não a encarece como temática, nos colocando sensíveis a suas forças institucionalizantes e suas possibilidades de fuga. O cinema de grupo produz dispositivos que possibilitam que forças a-significantes atravessem os professores enquanto eles se agenciam em um fazer e ver imagens. Essas forças se emaranham com as forças significantes já instituídas, provocando deslocamentos nos docentes.
É preciso marcar que um fazer-cinema gera a possibilidade das produções e circulação de imagens e sons que chamo aqui de flutuantes. Nada antecede as imagens, a não ser um fazer sem intencionalidade e sujeito, tal como Migliorin (2020) aponta em seu agir-imagem, própria da pedagogia do dispositivo dentro do cinema de grupo que engendra a prática de cuidado. As imagens capturam forças indomesticáveis até mesmo por quem as fez; abalam sujeitos, expõe as vulnerabilidades da falsa segurança das identidades. Estas imagens estão abertas para agenciamentos, mas não conseguimos nos agenciar enquanto sujeitos identitários ou a partir de qualquer finalidade ou sistema de valor, pois é preciso algum suporte que aqui é dado pelo grupo através do fazer-cinema. Este ponto desdobra a reflexão em torno dessa imagem que chega ao cinema de grupo e nos leva a debater que esse fazer-cinema constrói uma corporalidade própria. O que significa dizer que, tal como as imagens flutuantes vão sendo criadas através desse fazer-cinema, um corpo vai sendo esgarçado para que outra corporalidade emerja no cinema de grupo. Imagem, fazer e corpo estão aqui imbricados e produzindo mútuas afetações. Fazer imagens é fazer mundos e refazer regimes sensíveis.
Essa corporalidade própria criada pelo e para grupo permite que professores toquem o delírio. Professores que se permitem estar em delírio ali juntos por algumas horas durante a semana enquanto fazem e se refazem em cinema. Professores que se percebem em delírio e o sustentam. Seria essa uma dimensão clínica do cinema de grupo, a possibilidade do delírio como passagem? Sigo os passos de Tania Rivera (2021) quando ela nos chama atenção para o delírio enquanto experiência psicótica, força estética e política na arte por disparar experiências alteritárias que não aconteceriam por outros caminhos. Arte deslocada de sua expressão individual hermética do sujeito autor, arte que foge de ser representação de qualquer narrativa, arte como possibilidade de se fazer ali naquele gesto atravessado de outro.
Um corpo que existe no delírio, desestabiliza os significantes, provoca rupturas de ordens e cria uma “linguagem poética” autônoma e subversiva ao sentido usual (Polack; Sivadon, 2013). O delírio é território errante para tecer monstruosidades, este corpo que pode sustentar as afetações da multissemiótica. Quando lemos as palavras de Polock e Sivadon sobre o delírio e a monstruosidade nas vivências psicóticas, percebemos que o cinema de grupo pode esbarrar em certa dimensão deslirante. Corpo que, em gesto ininterrupto de inventividade, passeia pelos acúmulos que colocam em relação àquilo que nunca pertenceria à mesma categoria sem implodir a ordem estabelecida.
Bibliografia
- GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 2012.
MIGLIORIN, Cezar. Cinema e clínica: notas com uma prática. Revista Metamorfose, v.4, n.4, p.31-46, 2020.
POLACK, Jean-Claude e SIVADON, Danielle. A íntima utopia: trabalho analítico e processos psicóticos. São Paulo: n.1, 2013.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.
RIVERA, Tânia. Loucura e arte no Brasil: da expressão ao delírio como política da singularidade. In: Revista Convocarte. n.11, Lisboa, p.146-161, Portugal, 2021.