Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Almeida Ferreira (UFRN)

Minicurrículo

    Professor Adjunto do Departamento de Comunicação Social e Chefe do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisador, curador, escritor, cineasta, fotógrafo. Rodrigo Almeida é um dos administradores da página Saquinho de Lixo, membro-fundador do coletivo independente queer Surto & Deslumbramento e coordenador do Projeto de Extensão Mostra Monstra.

Ficha do Trabalho

Título

    Dilemas de representação na carreira e obra de Emilio Fernández

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta analisa, em diálogo com Gloria Anzaldúa e José Vasconcelos, dilemas de representação na carreira do ator e diretor mexicano Emilio “El Indio” Fernández, a partir dos seus melodramas da década de 1940. Na disputa pela formulação da iconografia nacional através do cinema, Fernández é pioneiro na inserção da experiência indígena e no debate sobre justiça social, mas carrega uma naturalizada violência de gênero contra mulheres e fortalece de conservadores modelos de masculinidade.

Resumo expandido

    Emilio Fernández era conhecido como “El Indio” não apenas pelos traços de sua ascendência indígena Kikapú por parte de mãe, mas principalmente pela forma como foi creditado nos diversos filmes que atuou ao longo de sua vida nos EUA, entre 1920 até finais da década de 1970. Ao longo de sua carreira em trabalhos como ator, quando era creditado – já que em muitos casos isso sequer acontecia – era mencionado nos letreiros apenas como “El Indio……………El Indio” (algo que poderíamos traduzir e que os espectadores compreendiam como “o índio interpreta o índio”).
    Somente depois de se afirmar como um reconhecido diretor no México a partir da década de 1940 passou a ter seu nome creditado. Essa realidade repetida em inúmeros outros filmes ao largo de décadas revela uma condição contraditória. Por um lado, norteia o processo de desumanização e ausência de subjetividade do indivíduo. Seja ele personagem, seja ele ator. A Emilio Fernández era negado seu nome e aos seus personagens também. Por outro, em inúmeras entrevistas, Fernández defende esse uso nos créditos por entendê-lo como um gesto de orgulho de sua ascendência indígena e um aviso aos espectadores que um indígena estava interpretando outro indígena.

    A presente proposta analisa, em diálogo com Gloria Anzaldúa, José Vasconcelos e outros/as autores/as, os dilemas de representação na carreira e obra do ator e diretor mexicano Emilio “El Indio” Fernández a partir dos melodramas Flor Silvestre (1942), Las Abandonadas (1945), Pueblerina (1949) e especialmente Maria Candelária (1944) e La Perla (1947). Na disputa pela formulação de uma iconografia nacional através do cinema, os filmes de Fernández foram pioneiros na inserção da experiência indígena e na inclusão de debates sobre justiça social. No entanto, por outro lado, esse avanço é marcado por inúmeras contradições, tais como uma naturalizada violência contra mulheres e o fortalecimento de conservadores modelos de masculinidade.

    De fato, os melodramas mencionados trazem no geral um afiado discurso sobre justiça social e racial, ao mesmo tempo regride no uso de atores brancos para interpretar indígenas ou insiste numa naturalização do machismo e da violência de gênero. Discursa sobre desigualdade das classes e dos territórios, mas não consegue desenvolver uma subjetividade ativa das personagens femininas, mesmo quando elas encarnam uma espécie de alter ego do diretor. Há uma proximidade da experiência que nega o gênero. O dilema e a contradição podem ser caminhos de aprendizagem.

    De fato, nenhum outro realizador nessa época, havia colocado em primeiro plano a questão indígena, nunca havia humanizado e subjetivado os indivíduos que surgiam apenas como figurantes e cheios de estereótipos. No entanto, sua produção também é marcada por polêmicas e contradições, das quais destacamos a naturalizada misoginia, por mais que vejamos os avanços sociais e raciais. É o que chamamos aqui de dilemas de representação.

    A análise dialoga com o pensamento sobre a mestiçagem, que desemboca no conceito de “Raça Cósmica”, sintetizado pelo filósofo José Vasconcelos em obra homônima lançada em 1925 e citado por Gloria Anzaldúa em seu artigo La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Tal perspectiva, que influencia todos os melodramas de Emilio Fernandez, nasce como uma alternativa, mas não necessariamente um radical contraponto, às teorias eugenistas e aos processos de embranquecimento da população que ganharam força ao longo do Século XIX. Vasconcelos aposta na “retórica de valorização da tradição indígena através da reverência ao glorioso passado asteca, degenerado pela experiência colonial, mas que precisava ser reabilitado e agregado ao corpo nacional” (ASCENSO, 2012, p. 300), pensamento que reverbera uma efetiva densidade social, mas desconsidera cosmogonias, conhecimentos ancestrais, tampouco abre espaço para os indígenas como sujeitos das políticas de representação.

Bibliografia

    AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Coleção Feminismos Plurais; Sueli Carneiro; Polén: SãoPaulo, 2019.
    ANZALDÚA, Gloria. La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Revista estudos feministas, v. 13, p. 704-719, 2005
    ASCENSO, João Gabriel da Silva. A redenção cósmica do mestiço: inversão semântica do conceito de raça na Raza cósmica de José Vasconcelos.In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 26, nº 52, p. 294-315, julho-dezembro de 2013.
    BELTRAME, Aline Boldrin. Emílio “Indio” Fernández: conciliação de classes e política social noMéxico dos anos 1940. Dissertação de Mestrado em História Social. São Paulo: USP, 2009.
    BERG, Charles Ramirez. Latino Images in Film: Stereotypes, Subversion, and Resistance.University of Texas Press: Austin, 2002.
    HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
    VASCONCELOS, José. La raza cósmica: misión de la raza iberoamericana:Editorial Porrúa, 2010.