Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Felipe Salviano (UERJ)

Minicurrículo

    Mestrando em Comunicação pela UERJ. Formado em Letras pela UFRJ. Bolsista CAPES. Organizador do Simpósio Discente Territórios, Tecnologia Cultura – TETECUL no PPGCOM-UERJ.
    Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2848998824048857.
    Contato: lfsalviano@hotmail.com.
    Orcid: https://orcid.org/0009-0001-5558-9858.

Ficha do Trabalho

Título

    No fundo do poço: Ringu (1998) e a paranormalidade monstruosa

Formato

    Presencial

Resumo

    Este trabalho consiste em uma leitura do filme japonês Ringu, de 1998, centrando-se na vilã Sadako e em seu caráter não normativo e transgressor. Busca-se interpretar a figura da onryö (espírito feminino vingativo) como um tipo de monstro presente na cultura pop contemporânea, à luz das definições de monstro dadas por Noël Carroll (1999), Ieda Tucherman (1999) e Barbara Creed (1993). Almeja-se, assim, compreender como essa figura aparece na cultura popular, suas origens e implicações sociais.

Resumo expandido

    O fim dos anos 1990 e início dos anos 2000 testemunharam uma abundância de filmes orientais de horror, começando por Ringu (Hideo Nakata, 1998) e seguido por refilmagens americanas, popularizando a figura da onryö – tipo peculiar de fantasma feminino do folclore japonês, capaz de causar danos ou mortes como vingança por injustiças sofridas em vida. Desde então, esse arquétipo transcendeu o Oriente, sendo incorporado à cultura pop ocidental.

    O presente trabalho tem por objetivo analisar a representação da onryö Sadako Yamamura no filme Ringu, dirigido por Hideo Nakata (1998), adaptação do romance homônimo publicado por Koji Suzuki em 1991. A análise proposta centra-se nos aspectos monstruosos da personagem, explorando seu caráter não-normativo e transgressor. Para fundamentar essa análise, serão utilizados os conceitos de monstruosidade propostos por Noël Carroll (1999) e Ieda Tucherman (1999). Além disso, será considerada a noção de feminino monstruoso elaborada por Barbara Creed (1993).

    A trama do filme Ringu concentra-se em torno de uma fita de vídeo associada a uma série de mortes inexplicáveis e misteriosas. Acredita-se que essa fita tenha sido produzida de maneira paranormal, através dos pensamentos de Sadako Yamamura, uma jovem com habilidades sobrenaturais que foi assassinada por seu pai após causar a morte de um repórter. Este repórter cobria uma exibição pública dos poderes paranormais da mãe da menina, Shizuko, que também possuía habilidades sobrenaturais.

    A partir disso, visamos interpretar a figura de Sadako como um tipo de monstro presente na cultura pop contemporânea. Segundo Ieda Tucherman (1999), o monstro é definido pela alteridade (p. 82) e hibridização (p. 78), e há nessas criaturas um fator de desconstrução da normatividade e desregramento da cultura. Isso coincide com a definição de Carroll (1999), para quem o monstro é caracterizado pela perturbação da ordem natural e violação de esquemas de categorização cultural (p. 50). Já Creed (1993) argumenta que há um medo cultural do corpo feminino que se expressa ao longo da história em muitas obras de horror, cunhando o conceito de feminino monstruoso. Um tipo de monstro feminino citado por Creed é a bruxa, ligada historicamente à posse de poderes sobrenaturais. (CREED, 1993, p. 106). Sadako e sua mãe se encaixam em todas essas definições, já que desafiam perspectivas normativas de mundo e passam por uma perseguição análoga à caça às bruxas, se assemelhando a outros personagens da ficção, como Carrie White, do filme Carrie (Brian de Palma, 1976), apontado por Creed como um dos principais exemplos desse arquétipo. Além disso, Shimazaki (2016) aponta a função historicamente subversiva da onryö na cultura japonesa. Já Dumas (2018) afirma que o espectro feminino na obra se materializa como uma “articulação de resistência às instituições hegemônicas” (2018, p. 39, tradução nossa). Por fim, Balmain (2006), aponta como elementos centrais da obra o vazio, o isolamento, o desespero e a solidão.

    O monstro de Ringu caracteriza-se, portanto, pela dificuldade de encontrar seu lugar no mundo, assim como outros monstros clássicos da ficção , como o monstro de Frankenstein, de Mary Shelley. Shizuko e sua filha desafiam a lógica convencional e a visão de mundo dos outros personagens da história. Enquanto estava viva, Sadako fazia isso por meio de seus poderes sobrenaturais. Após sua morte, exerce influência no mundo dos vivos, tornando-se uma espécie de ser intersticial, habitando um espaço entre a vida e a morte.
    O artigo busca, portanto, discutir a figura da onryö a partir da vilã de Ringu, ao traçar elementos que a caracterizam como um tipo de monstro contemporâneo, já que possui traços que podem a definir como tal, como o hibridismo, a alteridade e a não-normatividade. Com isso, espera-se que o trabalho seja proveitoso ao estimular a reflexão sobre o papel desempenhado por esse tipo de monstro na cultura pop contemporânea, bem como suas raízes e implicações sociais.

Bibliografia

    BALMAIN, Colette. Inside the Well of Loneliness: Towards a Definition of the Japanese Horror Film. In: Electronic Journal of Contemporary Japanese Studies. 2006. Disponível em: . Acesso em 10/09/2023.

    BALMAIN, Colette. Introduction to Japanese Horror Film. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2008.

    CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou Paradoxos do coração. Campinas: Papirus, 1999.

    CREED, Barbara. The monstrous-feminine: film, feminism, psychoanalysis. Abingdon, UK: Routledge, 1993.

    DUMAS, Raechel. The monstrous-feminine in contemporary Japanese popular culture. San Diego: Palgrave Macmillan, 2018.

    SHIMAZAKI, Satoko. Edo Kabuki in Transition: From the Worlds of the Samurai to the Vengeful Female Ghost. New York: Columbia University Press, 2016.

    TUCHERMAN, leda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Ed. Vega, 1999.