Trabalhos aprovados 2024

Ficha do Proponente

Proponente

    Carolina Goncalves pinto (FEBASP)

Minicurrículo

    Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, linha de pesquisa Poéticas e Técnicas do Audiovisual. Tornou-se Mestre em 2016 pelo mesmo programa. Possui Pós Graduação em Audiovisual e Novas Mídias pelo Le Fresnoy – Studio National na França (2004) e graduação em Cinema em Vídeo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2001), além de especialização em documentário pela La Fémis.

Ficha do Trabalho

Título

    Ressignificar imagens de arquivo em Ultraviolette

Formato

    Presencial

Resumo

    Em Ultraviolette e a Gangue Cuspidora de Sangue (2021), de Robin Hunzinger, exploramos a construção de uma narrativa fabuladora a partir da justaposição de materiais arquivos. A narração em voz over, único material original, articula fotos e cartas de arquivo familiar do realizador a imagens de origem desconhecida. Relacionamos aos estudos de Blümlinger sobre o reemprego, a partir do qual os significados originalmente atribuídos às imagens são substituídos por novas interpretações e releituras.

Resumo expandido

    Em Ultraviollette e a Gangue Cuspidora de Sangue (2021), de Robin Hunzinger, exploramos a como uma narrativa fabuladora se origina a partir de materiais arquivos diversos.
    O único elemento audiovisual original, produzido para o filme, é a narração em voz over, que articula os demais materiais utilizados. É também por meio da voz over que a narrativa se constrói. Em contrapartida, o filme é elaborado majoritariamente a partir de materiais de arquivo, como fotos e cartas pertencentes ao arquivo de sua família, assim como imagens de arquivo em movimento, cujas origens não estão explícitas no filme. Alguns, cuja origem não se identifica, outros reconhecíveis, como trechos de filmes da realizadora Maya Deren.
    Relacionamos a obra em questão aos estudos de Christa Blümlinger em Cinéma de Seconde Main – La esthétique du remploi dans lárt du film et des nouveaux médias sobre o reemprego de imagens de arquivo e como essa operação possibilita a sublimação de conteúdos pré existentes, inscritos nas imagens e permite que se conceba novas interpretações, a partir de significados latentes, que se tornam-se apreensíveis no novo contexto da obra. Buscamos demostrar em nossos estudos como a fabulação se estabelece no filme a partir do atrito entre o reemprego desses materiais diversos e a nova narrativa.
    Tais releituras de sentido no ato do reemprego se tornam possíveis pois as imagens de arquivo carregam em si virtualidades sujeitas a leituras polifônicas e, como toda imagem, está aberta à projeção de múltiplos sentidos. O deslocamento espaço temporal implicado na reapropriação das imagens ativa o potencial de transformação dos significados, em relação ao momento do registro. Blümlinger aponta também para a justaposição na montagem, e como esses materiais se contagiam mutuamente, também levando a novas leituras.
    A estética do reemprego de imagens tem sido estudada pela autora, sob a perspectiva das teorias de Aby Warburg sobre a imagem em sua relação com a memória. Para estes dois teóricos, cada imagem tem o potencial de evocar uma série de outras imagens, em uma relação mnemônica interligando-as em uma constelação.
    No filme, o realizador e sua mãe relatam a história da avó de Hunzinger, Emma, a partir da correspondência, trocada durante a década de 1920, entre Emma e uma namorada de juventude, Marcelle, que mais adiante, na narrativa, recebe o codinome de Ultraviolette. A ênfase recai sobrea a história de Marcelle que pouco tempo depois de ter iniciado sua vida como professora, contrai tuberculose e, internada em um sanatório, onde conhece outras jovens, com quem forma um grupo inseparável e são expulsas do lugar por mal comportamento. Junto às cartas, havia uma única foto de Marcelle.
    De maneira geral ao longo do filme, o conteúdo das imagens de arquivo, ora ilustram passagens do das cartas, ora tratam-se de construções imagéticas poéticas, que criam sensações e traduzem as emoções suscitadas ao longo da narrativa. Esse leva à evocação de outras imagens, pelo potencial mnemônico que as imagens possuem e parece influenciar e até mesmo determinar a articulação da narrativa e como os acontecimentos são apreendidos.
    Ao explorar essa via de criação, nos distanciamos em parte do emprego mais tradicional feito das imagens de arquivo, em que se prioriza seus aspectos figurativo e histórico concomitantemente. Buscamos dialogar com o aspecto que o filme deixa em evidência; o poder evocativo que essas imagens reempregadas possuem, a partir de leituras bastante pessoais feitas por seus realizadores. A partir dessa ressignificação das imagens em movimento, uma narrativa fabuladora se instaura. Embora registrados nas cartas, os acontecimentos relatados se revestem de um tom fabular, onírico, fantasmagórico. Como pontua Blümlinger, o found-footage é capaz de colocar em evidência o quanto estamos habituados a atribuir ao cinema por analogia e pela representação da realidade, um sentido natural.

Bibliografia

    AUMONT, Jaques. A Imagem, Campinas, Papirus Editora, 2012
    BENJAMIN, Walter. O Narrador, in Obras Escolhidas vol. 2, Rouanet, São Paulo, Brasiliense, 1996
    BLÜMILINGER, Christa Cinéma de Seconde Main – La esthétique du remploi dans lárt du film et des nouveaux médias, Paris, Klincksieck, 2013
    CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio desde Montaigne e depois de Marker, Campinas, Papirus, 2015
    DELEUZE, Gilles. L’Image Temps, Paris, Les Éditions de Minuit, 1985
    RASCAROLI, Laura. The Personal Câmera – Subjective Cinema and The Essay Film, Wallflowers, Grã Bretanha, 2009
    RENOV, Michael. The Subject of Documentary, Minneapolis, University of Minnesota Press, 2004
    RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como outro, São Paulo, Martins Fontes, 2014
    SARLO, Beatriz. Tempo Passado – Cultura da memória e guinada subjetiva,
    Companhia das Letras, São Paulo, 2007
    WARBURG, Aby. Introdução à Mnemosine in Histórias de Fantasmas Para Gente Grande, São Paulo, Companhia das Letras, 2015